30 anos do Massacre do Carandiru: da chacina até os dias de hoje

29/09/2022

Compartilhe:

Por Juliana Borges

Em 21 de abril de 1920, foi inaugurada a Casa de Detenção de São Paulo, com capacidade para 1200 detentos. Estudiosos e autoridades estrangeiras visitaram as instalações e anunciaram-na como unidade prisional modelo, que chegou até a ser cartão-postal da cidade. Em 20 anos, a capacidade máxima já havia sido atingida, dando início a uma série de ampliações e construções de anexos, como a de 1956, entregue por Jânio Quadros, que aumentou a capacidade para 3250 pessoas. Em 1973, foi construída a penitenciária feminina e, em 1983, o Centro de Observação Criminológica. Esses anexos construídos deram forma ao Complexo Penitenciário Carandiru.

No dia 02 de outubro de 1992, 321 policiais fortemente armados por 363 armas, 25 cavalos e 13 cães, adentraram um dos pavilhões do Carandiru e, em 30 minutos, deixaram 111 mortos. Todos detentos. Naquele período, o número de presos ultrapassava 7000, escancarando as péssimas condições e superlotação do sistema.

A chacina do Carandiru é considerada a ação mais violenta dentro de penitenciárias na história do país. Infelizmente, estabelecer esse marco não significa que as condições melhoraram. Já em 1992, como parte da cobertura midiática após a ocorrência da chacina, matérias jornalísticas apresentaram as problemáticas do sistema prisional brasileiro, denunciando a situação degradante dos prédios do complexo como um reflexo de uma situação maior e calamitosa que se espalhava por todo o país. Em 2015, em decisão liminar na ADPF 347, o STF reconheceu “o estado inconstitucional de coisas” do sistema penitenciário brasileiro, apresentados como espaços de segregação de “grupos em situação de vulnerabilidade social”. Essa decisão pode ser lida em encontro ao que muitos estudiosos do cárcere e da justiça criminal o apresentam como um sistema de seletividade penal racial, onde os “detritos do capitalismo”, para citar a filósofa Angela Davis, são depositados, precarizados e passíveis de uma série de desrespeitos e apagamentos de suas humanidades.

Esse é um caso marcante também ao evidenciar a morosidade do sistema de justiça brasileiro que deu início ao julgamento anos depois, sendo esse marcado por condenações de júri popular, mas anulações do Tribunal de Justiça de São Paulo corroborando os argumentos da defesa dos acusados como: ação em “nome da sociedade”, “legítima” e da impossibilidade de individualização de responsabilidades.

A reparação às vítimas sobreviventes e aos familiares de mortos foram ínfimas e muitos enfrentaram problemas para acessar indenizações. As consequências da ação do Estado são sentidas até hoje, sendo uma delas a criação do PCC, uma das maiores facções do país, conforme apontado pela socióloga Camila Dias Nunes, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Da chacina do Carandiru até hoje, a situação dos presídios brasileiros é de degradação e frontal desrespeito aos direitos de pessoas em situação prisional que estão previstos na Lei de Execução Penal e fundamentais para qualquer processo que se pretenda de ressocialização. Mais do que isso, desde as ações após o ocorrido até as ações do Estado de explícita negligência e violência na relação com os presídios brasileiros, podemos afirmar que as prisões são, em verdade, ferramentas de controle e extermínio de grupos sócio-raciais.

O desrespeito à memória das vítimas e as precariedades às quais pessoas são submetidas cotidianamente no sistema prisional brasileiro corroboram um Estado violento. E enquanto calarmos, seguiremos sustentando o argumento policial de que agiam “em nome da sociedade”. As prisões dizem respeito a todos nós. A justiça aos assassinados pela polícia na chacina do Carandiru é um direito. Não em meu nome. Não em nosso nome. Direito à memória, à verdade e à Justiça é um direito humano. De todo ser humano.

Juliana Borges

Juliana Borges é escritora, pesquisadora e consultora nas áreas de Violência, Segurança Pública, Política Criminal e Relações Raciais e Feminismos. Conselheira da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. Autora dos livros “Encarceramento em massa” (Coleção Feminismos Plurais/Jandaíra, 2019) e “Prisões: espelhos de nós” (Todavia, 2020). Estudou Letras (USP) e estuda Segurança Pública (FMU).

Utilizamos cookies essenciais, de acordo com a nossa Política de Privacidade, para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando, você concorda com estas condições.