Entrevistamos José Ricardo Ayres, médico e diretor do departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Nesta conversa inspiradora, ele fala sobre cuidar do outro e de si, conceitos de saúde individual e coletiva e formas de recuperar o equilíbrio na sociedade atual.
Quando fala sobre cuidado, José Ricardo Ayres começa contando o caso de uma paciente que teve no serviço público. Dona Violeta era do tipo que chegava todas as vezes de cara amarrada e com a pressão descontrolada. Era sempre a mesma consulta: ela reclamando; ele prescrevendo o que ela deveria fazer. Ela nunca seguia suas recomendações, mas estava sempre presente no consultório. Um dia, ele resolveu fazer diferente. Pediu que ela contasse sua vida. Dona Violeta então lembrou sua história de imigrante, os sonhos e os revezes que viveu. Ali, José Ricardo percebeu que eles realmente se colocaram em contato como indivíduos. As consultas nunca mais foram as mesmas e ele começou a repensar o que era, de fato, cuidar do outro.
Todos nós estamos em busca de ter uma boa saúde. Porém, isso não significa apenas não estar doente, não é mesmo? Por que é tão difícil fazer uma definição objetiva do que é saúde?
É que a saúde é muito mais uma experiência do que um objeto, como é a doença. Para as doenças temos parâmetros científicos, sabemos o que elas nos impedem de fazer. Já a saúde, estamos o tempo todo vivendo e reconstruindo. E, de acordo com o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, experiência é aquilo que não se repete. Então muda conforme nós mudamos, conforme mudam nossos parâmetros. Uma pessoa com diabetes – que é uma doença – pode se sentir saudável tomando os medicamentos, fazendo a dieta. Saúde é perceber as nossas potências e vulnerabilidades a cada momento para que se construa um projeto de felicidade, que é aquilo que nos move, é o nosso bem-estar.
Um outro conceito que gosto muito é o do francês Georges Canguilhem, que fez medicina depois de estudar filosofia. Ele coloca que a doença, ou a falta de saúde, é qualquer obstáculo ao andar da vida, quando percebemos que há ali algo importante que não queremos que seja negado. A vida nos impõe certas regras e estamos saudáveis quando conseguimos transitar pelas normas – da natureza ou as que nós próprios criamos – sem problemas.
Quando se fala em promoção da saúde automaticamente se pensa na prevenção de doenças. O que é a medicina preventiva, afinal?
Por muito tempo o foco da medicina era combater doenças. Em 1950, surge o conceito de medicina preventiva para agir antes das pessoas adoecerem. Os dois principais meios para isso eram o foco específico, com vacinas, por exemplo, e o cuidado geral: com boa alimentação, qualidade de sono, água tratada e sistema de esgoto se promove a saúde básica da população. Nos anos 1970,
isso começa a mudar e inicia-se a visão de que saúde é mais do que a ausência de doenças, é preciso favorecer o que cada um acha importante, estimular as pessoas a olharem para as suas vidas e aumentar a sua criatividade, sua
felicidade e sua capacidade de fazer coisas para sua realização. Começa- se a entender que a pessoa precisa atuar socialmente, então saúde também é empoderar as pessoas para reivindicarem o acesso aos seus direitos, a se mobilizarem politicamente para ter bons serviços. Inclusive há, hoje, um outro termo que começa a ser mais usado, que é Saúde Coletiva.
Por falar em coletivo, o conceito de saúde mistura bastante o individual e o coletivo. Essa visão de sociedade, de pertencimento, é importante?
Claro que temos o nosso bem- estar individual, mas o conceito de saúde, mesmo o individual, muda conforme o contexto onde estamos inseridos. É diferente hoje no ocidente do que era anos atrás no oriente, por exemplo.
Um dos pontos de promoção da saúde é a experiência de pertencimento. Nossa saúde depende da saúde do outro. Nós vivemos em comunidade. Quando as pessoas percebem que elas têm interdependência, mais saúde elas têm. Alguém que pensa, por exemplo, “sou rico, posso pagar plano de saúde, médicos particulares” e não se preocupa com a situação do SUS (Sistema Único de Saúde), precisa repensar isso. Ao seu redor, há muitas pessoas que não podem pagar e, se o SUS não funciona e elas adoecem, quem tem recursos também fica exposto a doenças. O Brasil é um dos poucos, senão o único país que tem um sistema de saúde universal, somos referência em vacinação gratuita. É de se considerar que vale a pena investir nisso, mesmo que a intenção não seja usá-lo pessoalmente.
É possível observar uma certa tendência das pessoas na busca por hábitos e atividades que não sejam necessariamente ligadas ao corpo físico, uma busca pela saúde de um modo mais holístico. Você enxerga isso como?
A atenção que nós dedicamos às questões de saúde física e mesmo mental e psíquica, quando só focada em tratamentos e medicamentos, acaba sendo problemática. Vivemos em uma época muito competitiva, individualista e em que tudo é muito acelerado. As tecnologias de comunicação, principalmente, aceleraram muito o ritmo das coisas. Somos bombardeados o tempo todo, com muitas imagens e informações e perdemos a percepção de quem sou eu, do que eu quero, como eu funciono, tentamos sempre responder e atender a um padrão que vem de fora, não o inverso.
As técnicas tradicionais da medicina oriental, que já foram comprovadas cientificamente inclusive, têm um pouco o papel de mostrar que há uma necessidade de se colocar em sintonia com a gente mesmo, com o aqui e o agora, com o mundo em que a gente está, não só correr atrás de cumprir o que esperam de nós e do que nós mesmos nos cobramos em uma correria sem fim. Por isso você vê vários movimentos hoje como slow food, slow isso ou aquilo, que pretendem desacelerar as pessoas. A meditação e outras práticas tentam resgatar esse equilíbrio, pois admitem que nos deparamos com aqueles obstáculos para o modo de andar a vida. As pessoas têm percebido que os adoecimentos tem a ver com a gente estar deixando de lado aquilo que é importante para a gente, o contato consigo, com a natureza e com o outro, com calma.
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