A ARTE DE BRINCAR | Ação é essencial à expressão das crianças

30/04/2022

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 Leia a edição de maio/22 da Revista E na íntegra 

SEJA QUAL FOR O SUPORTE OU O LOCAL, O LIVRE BRINCAR É ESSENCIAL
PARA O DESENVOLVIMENTO E A EXPRESSÃO DAS CRIANÇAS

Jogar bola, desenhar, montar blocos, pular corda, criar histórias de faz de conta. Todas essas são brincadeiras de criança que atravessam gerações, mas brincar vai muito além, porque conta com recursos da imaginação. “De acordo com o conceito de brincar livre, ou livre brincar, é possível fazer uso daquilo que se tem no momento, do que está à disposição, do que é suficiente [para fantasiar e se divertir]”, explica o psicopedagogo e terapeuta social Reinaldo Nascimento.

Em meio a uma guerra ou pandemia, as crianças que lidam melhor com situações adversas são justamente aquelas que conseguem continuar brincando, analisa Nascimento, cofundador da Associação da Pedagogia de Emergência no Brasil e especialista em pedagogia de emergência e do trauma, voltada ao atendimento a vítimas de violência, catástrofes naturais, guerras e outros conflitos humanos. “Brincar é sempre importante, mas, infelizmente, é algo ainda muito excluído numa situação-limite [por ser visto como uma atividade de menor valor]. É uma possibilidade de a criança manifestar o que está acontecendo dentro dela, de processar dores e frustrações e de dissolver tensões, sem se importar com o que os outros pensam. Vale criar personagens, amigos imaginários e até falar sozinho”, exemplifica o psicopedagogo.

Para Leticia Zero, coordenadora da Secretaria Executiva da Aliança pela Infância, rede mundial que promove a Semana Mundial do Brincar no país desde 2009, brincar é a maneira como elas se comunicam, se conhecem, exploram os ambientes, se relacionam com o mundo ao redor e também como imaginam novos mundos. “É a expressão mais genuína, autêntica e espontânea delas. O brincar é fundamental para o desenvolvimento físico, para participar da sociedade, criar a própria cultura e definir uma maneira particular de existir. É aí que está presente a liberdade e, quando isso acontece naturalmente, indica que aquela criança está vivendo em sua plenitude”, aponta.

Também há uma relação direta entre o livre brincar e a criatividade, segundo os especialistas. “Essa prática rotineira desenvolve uma série de capacidades cognitivas que vêm desse tempo e espaço em que a criança atua como protagonista. O livre brincar também deve ter um fim em si mesmo, e não servir para atingir algum objetivo, como aprender um novo conteúdo [ou ganhar um jogo]. Isso é consequência”, avalia Leticia, que trabalha há mais de dez anos com ações ligadas à promoção de uma infância digna e saudável. “Dessa forma, as crianças criam conexões, descobrem seus próprios problemas e também, por si mesmas, as soluções”, acrescenta.

Conceito de “brincar livre” ou “livre brincar” valoriza aquilo que a criança tem à sua disposição e que é suficiente para ela fantasiar e se divertir. Foto: Matheus José Maria

BRINCAR OU JOGAR?

Para o psicopedagogo Reinaldo Nascimento, que já realizou atividades com crianças em cerca de 40 países e em regiões de catástrofe ou conflito – como Faixa de Gaza, Iraque, Venezuela e Brumadinho (MG) –, o verbo “brincar” em português traz uma liberdade maior do que o play, em inglês, ou o jugar, em espanhol, justamente por não conter a noção de jogo, de alguém que ganha enquanto outro perde. “Brincar flui, e é para todo mundo. Claro que pode ter regras, como a amarelinha, mas nada que não possa ser mudado. Jogar, por outro lado, pode causar tensão [e competitividade]”, observa Nascimento.

O fato é que brincar é a linguagem universal da infância. “Já cheguei a vários lugares cantando em português e sempre deu certo. Nenhuma criança quis saber o que a letra significava, às vezes até conheciam a melodia: eu apenas sorria e elas confiavam em mim e saíam do ‘esconderijo’. Amarelinha, pula-corda e parlendas como Nós Quatro existem em diversos lugares do planeta”, conta o terapeuta social, que leva em sua mochila de viagem cerca de 30 músicas e 200 atividades, desde as mais simples até as mais desafiadoras.

O especialista ainda compartilha que é contra a popularização da palavra “dinâmica”, que, segundo ele, está na moda. “Aqui no Brasil, fala-se muito em dinâmica, e as brincadeiras estão vindo com uma explicação ao final. Sou contra esse brincar e defendo aquele que possibilita muitos caminhos, além de desenvolver a criatividade, a imaginação, a autonomia, o aprendizado e o entendimento do mundo.”

SEM INTERFERÊNCIAS

O que mais preocupa o especialista em pedagogia de emergência não é uma criança com poucas atividades ou aquela com a agenda lotada – que acaba encontrando formas de brincar livremente nos intervalos –, mas sim as que precisam perguntar aos pais: “E agora, eu vou brincar de quê?”. “Se não houver nenhum risco, os adultos não devem interferir nas brincadeiras. Eles precisam confiar [na criança e no brincar], ficar por perto, oferecer suporte e estar preparados em caso de necessidade, como um imprevisto ou uma queda”, orienta Reinaldo Nascimento.

Leticia Zero, da Aliança pela Infância, complementa que há muitos relatos recentes de meninos e meninas estressados por conta do excesso de atividades dirigidas. E brincar de forma livre e espontânea, segundo ela, é um direito garantido por dispositivos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é signatário. “Uma criança que não encontra espaço nem tempo para brincar tem seus direitos negados”, enfatiza.

REFLEXOS DA PANDEMIA

Entre os impactos do isolamento social e das restrições impostas pela Covid-19 para crianças e adolescentes [Leia a reportagem publicada na Revista E n° 294, de abril de 2021], estão o aumento da pobreza e da insegurança alimentar, o fechamento de escolas ou a migração para aulas online, e prejuízos na mobilidade, na rotina, na saúde mental e em direitos fundamentais como saúde, educação, moradia, liberdade e cultura. “A sociabilização ficou muito comprometida durante a pandemia. Com o distanciamento, houve um empobrecimento das experiências do brincar coletivo. E brincar com outras crianças, seja em ruas, praças, parques ou outros espaços, é fundamental para desenvolver habilidades de relacionamento e valores de convivência”, avalia Leticia.

Para muitas famílias, foi o brincar dentro de casa que preveniu doenças relacionadas à saúde mental, como a depressão. “No brincar, a criança aprende a tolerar, negociar, compreender, colaborar, lidar com sentimentos. Exercita vínculos e afetos que são importantes para a vida de forma geral”, acrescenta Leticia.            

Pixabay

“Brincar com outras crianças, seja em ruas, praças, parques ou outros espaços, é fundamental para desenvolver habilidades de relacionamento e valores de convivência” – Leticia Zero, Aliança pela Infância

Força motriz

SEMANA MUNDIAL DO BRINCAR, NO SESC SÃO PAULO, REFORÇA
A IMPORTÂNCIA DAS ATIVIDADES LÚDICAS NA INFÂNCIA

Desde 2013, o Sesc São Paulo participa da Semana Mundial do Brincar (SMB), ação promovida no Brasil desde 2009 pelo movimento internacional Aliança pela Infância, em parceria com a sociedade civil, o poder público e atores sociais de todo o país. Realizada de 21 a 29 de maio, a SMB 2022 coloca em pauta a importância do brincar como fundamento e expressão genuína de bebês e crianças. Nesta edição, a iniciativa traz como tema Confiar na Força do Brincar.

“Esse tema nos diz muito sobre apoio e segurança, dois itens essenciais nestes tempos. Confiem no brincar, porque, se há algo que podemos fazer por nossos bebês e crianças nesta retomada [pós-confinamento], é brincar com eles, mais do que nunca”, destaca Rosana Abrunhosa, assistente da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo. “O brincar dá conta das necessidades físicas e emocionais, seja para a expressão e comunicação, seja para o desenvolvimento motor-cognitivo, e ainda para as alegrias da vida diária e as conquistas saudáveis dos seres humanos individuais e sociais que somos”, complementa.

Nesse sentido, a reabertura dos Espaços de Brincar do Sesc – que existem desde 2010, sendo o mais recente na unidade de Mogi das Cruzes, inaugurada em novembro de 2021 – faz parte de um momento crucial de ressociabilização de crianças de até 6 anos e de sociabilização primária de bebês que nasceram durante a pandemia, com esforços direcionados para que se criem e se recriem vínculos abalados neste período. Mas, também, para que educadores atendam a esse público com muita escuta e acolhimento. “Cuidadores e cuidadoras também têm recebido um olhar generoso, compreensivo e cúmplice desse refazer da vida, porque, afinal, todos passamos por momentos de muita fragilidade, insegurança e estresse”, comenta Rosana Abrunhosa.     

Para visitar os Espaços de Brincar, basta entrar no app Credencial Sesc SP e fazer o agendamento de data e horário, ou entrar em contato diretamente com as unidades do Sesc, lembrando que o uso de máscara é recomendado tanto para as crianças quanto para os adultos, e que bebês e crianças devem estar acompanhados de seus responsáveis ou cuidadores(as).

Confira alguns destaques da Semana Mundial do Brincar no Sesc São Paulo e acesse a programação completa em: www.sescsp.org.br/semanamundialdobrincar.

SESC AVENIDA PAULISTA    

Vivência

Cadê os peixinhos do mar? – Bora brincar de puxar rede?

Essa brincadeira voltada para toda a família é uma experimentação lúdica sobre o elemento água. A partir de estímulos físicos, sonoros e sensoriais da puxada de rede, da capoeira e do samba de roda, manifestações da cultura popular afro-brasileira, busca fortalecer vínculos e desenvolver habilidades cognitivas. Com Fernando Vicente e Giuliana Maria, da Umbuzeiro Arte e Cultura. (De 21 a 29/05, sexta a domingo, das 16h30 às 17h30. E dia 28/05, sábado, das 18h30 às 19h30).

SESC BELENZINHO

Oficina

Sensibilizações dançadas para pequeninos

Destinada a crianças de até 6 anos, essa oficina tem como metáfora o voo, o pouso e a revoada dos pássaros em ações dançadas e sensoriais. A atividade será ministrada pelo coletivo Corpo Aberto, que há oito anos atua em Itaquera, Zona Leste de São Paulo, desenvolvendo ações culturais voltadas para crianças e mulheres da região. (Dias 21 e 28/05, sábados, das 16h às 17h).

SESC SÃO CAETANO

Oficina

Zzzzonas de Ação

Nessa oficina ministrada pela Plataforma Panelinha, bebês, crianças e adultos são convidados a vivenciar o brincar como o exercício mais espontâneo de todas as idades. Os participantes vão experimentar a materialidade de diversos objetos inusitados, de fita crepe a bolha de sabão, e inventar jeitos de brincar. (Dias 21 e 28/05, sábados, das 11h às 12h).

SESC SOROCABA

Cinema e bate-papo

Cinedebate Terreiros do Brincar

Exibição do documentário Terreiros do Brincar, de David Reeks e Renata Meirelles, que retrata a participação de crianças em vários grupos de manifestações populares em quatro estados brasileiros e a relação delas com um brincar coletivo, intergeracional e sagrado. Na sequência, um bate-papo com Fabiano Maranhão, assistente técnico da Gerência de Programas Sociais do Sesc e especialista em brincadeiras africanas e afro-brasileiras, e Aretha Felício, pedagoga pós-graduada em psicopedagogia, gestão escolar e educação das relações étnico-raciais. (Dia 25/05, quarta, das 19h às 21h).

(Por Luna D’Alama)

A EDIÇÃO DE MAIO/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!

Neste mês, refletimos sobre o retorno da atividade turística a partir de novos mapas que fomentam a economia local e valorizam a diversidade cultural de uma região. Ao repensar o turismo, convidamos você a dobrar a esquina, descobrir outras narrativas e visitar novos universos dentro da sua própria cidade. Aproveite para conferir as novidades do processo de retomada dos roteiros do Turismo Social do Sesc São Paulo.

Além disso, a Revista E traz outros destaques em maio: uma reportagem que defende a importância do livre brincar como ação essencial para o desenvolvimento das crianças; um papo com a atriz e performer Denise Stoklos sobre processo criativo, velhice e família; um passeio visual pelos figurinos do CPT_SESC, centro teatral criado por Antunes Filho no Sesc Consolação; um depoimento com Sebastião Salgado sobre sua imersão na floresta, o que gerou a exposição Amazônia, no Sesc Pompeia; um perfil de Maria Firmina dos Reis, fundadora da literatura abolicionista no Brasil; um encontro com Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta e uma das principais vozes do empreendedorismo negro no país; um roteiro por espaços e projetos que praticam o acolhimento materno na capital paulista; o conto inédito As Substitutas, do escritor João Anzanello Carrascoza; e dois artigos que abordam conquistas e desafios da presença das mulheres indígenas na literatura.

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