A importância das comunidades na proteção das florestas

04/02/2022

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Por Gabriela Tiburcio *

O quintal de sua casa é a floresta. Da janela pode-se contemplar o desenho das montanhas e ouvir o som de uma variedade de pássaros. As crianças correm ao ar livre, entre borboletas e formigas e ajudam a manter a horta comunitária. E a noite… ah! A noite é iluminada pela lua e o brilho das estrelas que não se vê nos grandes centros urbanos. Parece cenário de filme – ou de sonho -, mas é realidade nas comunidades Vila da Mata, Chácaras do Balneário Mogiano e Carvalho Pinto, na região de Guaratuba e Boracéia, no município de Bertioga.  

A cidade está inserida no maior fragmento contínuo restante do bioma Mata Atlântica no Estado de São Paulo. A manutenção das áreas de Mata Atlântica garante serviços essenciais como abastecimento de água, regulação do clima, agricultura, pesca, energia elétrica e turismo. Hoje, porém, restam apenas 12,4% da floresta que existia originalmente, segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica. E grande parte dessa floresta é protegida por leis federais e decretos estaduais, com unidades de conservação (UC) e áreas de preservação permanente (APP). Entre as unidades de conservação que fazem parte de Bertioga, estão o Parque Estadual Restinga de Bertioga (PERB) e o Parque Estadual Serra do Mar (PESM).  

O uso dessas áreas é orientado pelo Plano de Manejo, um documento técnico que registra as características mais importantes da UC e quais são os tipos de uso adequados desse território. No caso do PERB, criado pelo Decreto n°56.500/2010, as comunidades já viviam dentro do parque, antes mesmo da sua criação. “Entendemos a importância de a comunidade contribuir com a elaboração desse documento, para que a conservação de áreas como o Parque Estadual Restinga de Bertioga faça sentido para nosso território”, diz Juliana Castro, especialista ambiental da Fundação Florestal, que teve importante papel no processo participativo de elaboração do plano de manejo.  

O Coletivo Educador de Bertioga assumiu o desafio de estimular a contribuição das comunidades na elaboração do Plano de Manejo do PERB. Assim, durante a realização de oficinas para a elaboração participativa do plano de manejo, o Coletivo buscou construir diálogos entre o poder público e a sociedade civil para elaboração desse documento. “Participar das oficinas mediadas pelo Coletivo Educador de Bertioga possibilitou que as comunidades pudessem compreender o processo de elaboração do plano de manejo. As oficinas colocaram diferentes lideranças do território em diálogo e motivaram que essas pessoas buscassem ocupar espaços de tomada de decisão como o conselho consultivo do PERB.” (Néia Carvalho, da Associação dos Moradores do Entorno do Rio Guaratuba – AME Guaratuba).   

#PraCegoVer #PraTodosVerem Descrição da Imagem: Foto na horizontal de mãos sobre uma mesa com cartolinas brancas e textos com letras na cor preta. Fim da descrição.
Foto: Rogério Wong

As oficinas foram motivadoras para a criação de associações locais, que hoje atuam por diferentes conselhos e fóruns no município, o que demonstra a força do trabalho coletivo apoiado entre diferentes instituições do território. De acordo com uma das lideranças das comunidades, “vale muito a pena participar! Participar trouxe uma luz no fim do túnel! Passamos a ter voz e, participando, percebemos que além dos deveres, temos os direitos e eles devem ser garantidos”, diz Néia.    

Nesse sentido, a aposta do Coletivo Educador de Bertioga tem sido o fomento à participação popular a partir da escuta das pessoas e da construção de sonhos, desejos e vontades compartilhadas. “Conservação só faz sentido quando isso se reflete em bem-estar, felicidade e bem viver da sociedade como um todo.” (Lígia Ortega, integrante do Coletivo Educador de Bertioga). O papel central do Coletivo Educador de Bertioga nesse processo de mobilização foi o de qualificar o processo formativo das comunidades para que as pessoas pudessem de fato estar presentes e participar das tomadas de decisão da gestão do parque. “Antes do plano de manejo, não havia um norte, o que pode ou não ser feito na UC. Através da participação e desse processo de elaboração do plano de manejo, os moradores compreenderam a importância do parque para nossa cidade e as comunidades puderam contribuir com esse plano e transformar a percepção do seu papel na proteção da floresta.” (Gil de Souza, da Associação de Moradores da Vila da Mata – AVIMA).  

A partir da escuta das expectativas da comunidade em relação à gestão do território e à garantia de políticas públicas para promoção de igualdade no acesso ao meio ambiente equilibrado, além da oportunidade de maneira igualitária para participar desse processo, foram identificadas atividades de geração de renda aliada à conservação das áreas de preservação do PERB. O método de trabalho utilizado ao longo das oficinas permitiu que as comunidades fizessem inserções e que houvesse possibilidade de acolhimento e incorporação das demandas trazidas pela comunidade. “A cidade deve ser um espaço de todos, mas isso exige participação. E aprendemos participando, no dia a dia”, diz Gil.  

E na tentativa de ampliar esse diálogo, o Coletivo Educador de Bertioga elaborou o Guia Popular do Plano de Manejo do Parque Estadual Restinga de Bertioga, como uma transposição pedagógica de uma linguagem técnica do plano de manejo do PERB para uma linguagem mais acessível para as comunidades do entorno do parque. O Guia Popular foi elaborado a muitas mãos, com a fundamental participação das/os moradoras/es das áreas de ocupação humana do PERB e tantas outras pessoas e instituições que tornaram esse projeto possível. “Acreditamos que o conhecimento e a participação social são ferramentas essenciais na construção de um mundo social e ambientalmente melhor e mais justo, e esperamos que esse documento represente mais um passo nessa direção.” (Carolina Neves, monitora ambiental da Fundação Florestal).  

A moradia é um direito soberano, e morar nos limites de uma unidade de conservação traz uma complexidade ainda maior para essa questão. Com as oficinas e o guia popular, o Coletivo Educador de Bertioga tem contribuído de forma concreta para a construção de uma sociedade socialmente mais justa e ambientalmente mais sustentável. Daí a importância de a população estar organizada para participar das decisões que irão refletir diretamente em suas vidas. E a importância da participação das comunidades na proteção das florestas.    

*Gabriela Tibúrcio é bióloga, mestra em ciências ambientais e especialista em educação ambiental. Atualmente é agente de educação ambiental no Sesc Bertioga

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Referências: 

FUNDAÇÃO FLORESTAL. Plano de Manejo do Parque Estadual Restinga de Bertioga

FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA. Atlas da Mata Atlântica

ICMBio. Cartilha plano de manejo da Flona do Tapajós. 1ª ed. Brasília, DF, 2021

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Live de lançamento do Guia Popular de Plano de Manejo do PERB com Juliana Castro, Néia Carvalho e Gil de Souza

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