Foto: Lucas Lacaz Ruiz, dez/2019. Implantação de SAFs no Assentamento Nova Esperança, em SJCampos.
Por Antonio Carlos Pries Devide*
No final do ano de 2013, ações da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios – Pólo Regional do Vale do Paraíba (APTA) e da Organização Não Governamental Pátio das Artes fomentaram a participação popular em prol da agroecologia gerando um grupo gestor para articulação da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba.
Formada pela conexão de diferentes matrizes do ensino, pesquisa e extensão comunitária, essa Rede tem como foco disseminar os Sistemas Agroflorestais (SAFs) na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul para fortalecer a produção e promover a restauração ecológica fazendo circular informações referentes a esses temas.
Os mutirões agroflorestais da Rede uniram agricultores familiares da reforma agrária, produtores e empresários rurais, pesquisadores, educadores, estudantes, técnicos, gestores ambientais de unidades de conservação e representantes de organizações não-governamentais, entre outros atores.
Foto: Acervo da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, dez 2019. Mutirão na Chácara Santana em Areias
Do ponto de vista da Rede, os SAFs são uma das formas mais sustentáveis de promover a restauração da Mata Atlântica ao converter o ecossistema degradado em um outro muito mais produtivo, com baixo uso de recursos externos e de capital, inserindo os agricultores nos processos de restauração ecológica.
Os SAFs ajudam a recuperar a capacidade produtiva dos solos ao consorciar culturas agrícolas com a vegetação arbustiva e arbórea e promove o recobrimento do solo que facilita o controle de gramíneas invasoras melhorando as condições de sobrevivência das espécies florestais. O manejo dessa vegetação com podas recicla nutrientes e adiciona matéria orgânica na superfície do solo, aumentando a luminosidade que estimula o crescimento de espécies cultivadas em associação.
A vegetação nos SAFs combate a erosão ao interceptar as gotas de chuva pela copa e camada de serrapilheira que se forma sobre o solo, o que reforça a infiltração da água que abastece os aquíferos subterrâneos fazendo ressurgir nascentes em áreas degradadas por séculos de exploração predatória.
Com isso, os SAFs estão melhorando a paisagem e agregando valor à terra ao promover a restauração e a conservação de habitats naturais, que se tornam corredores de ligação entre fragmentos florestais do vale, Serra do Mar e Serra da Mantiqueira. Isto, envolvendo inúmeras propriedades rurais. Ao melhorar o fluxo de animais silvestres dispersores de sementes, os SAFs fortalecem a diversidade biológica e inserem os agricultores nos trabalhos de restauração ecológica.
Em relação aos efeitos das mudanças do clima que assolaram a bacia do Paraíba do Sul em um dos quadros mais severos de seca que ocorreram nos anos de 2003 e de 2013, os SAFs, por apresentarem maior biodiversidade, se tornam mais resilientes em termos produtivos e também na oferta de serviços ecossistêmicos.
Diversas iniciativas que ocorriam isoladas no vale se somaram aos trabalhos da Rede nos últimos anos. Os mutirões agroflorestais em núcleos locais ou regionais organizados por agricultores e técnicos estão reunindo cada vez mais gente interessada em desenvolver ações em prol dos SAFs e da agroecologia, muitas vezes, como forma de ressignificar o sentido da vida de residentes em áreas urbanas e rurais.
Com isso muitos consumidores passaram a conhecer e ter acesso aos alimentos agroecológicos em feiras públicas e puderam vivenciar a prática dos SAFs por meio de vínculos estabelecidos com as famílias de agricultores a partir dos mutirões. Assim, surgiu a CSA Guajuvira (Comunidade que Sustenta a Agricultura) em São José dos Campos, organizada pelo casal Thais Rodrigues da Silva e Altamir Bastos, que são agricultores da reforma agrária no assentamento Nova Esperança. A feira agroecológica do parque Vicentina Aranha também foi muito importante por destacar em sua programação atividades que ligaram as interfaces campo-cidade, também, apoiadas pelo SESC de São José.
A comercialização individual e coletiva de produtos agroecológicos está em expansão por todo o vale, nos municípios de Taubaté (Apoena Rede Agroecológica do Vale e Região), Tremembé (Assentamento Conquista), Pindamonhangaba (APEP – Associação de Produtores Ecológicos e Cesta Querida Produtos Orgânicos), Lagoinha (Assentamento Egídio Brunetto), São Luiz do Paraitinga (Associação Minhoca); na Serra da Bocaina em Cunha (campanha Divino Alimento); na Mantiqueira (Frescor da Mantiqueira de São Bento do Sapucaí); e também no Litoral Norte (Rede Agroecológica Caiçara em Ubatuba).
Foto: Acervo da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, dez/2019. Feira do Pré-Assentamento Egídio Brunetto em Lagoinha
De maneira geral, para se adequarem nas condições da pandemia do COVID-19, as vendas estão sendo realizadas de maneira direta ou por meio de cestas. Um dos gargalos tem sido reunir os agricultores por meio de aplicativo (venda coletiva) que demanda um gestor, como é o caso em Ubatuba. Dentre àqueles que já formaram freguesia há relatos de que a procura por hortaliças e frutas frescas aumentou. ‘Parece que a pandemia só fez aumentar a procura por alimentos agroecológicos’ ressalta Silvia Moreira (pesquisadora da APTA – projeto Rede Caiçara). ‘As pessoas estão mais conscientes de que a melhor forma de proteção é fortalecer a imunidade com uma alimentação saudável e equilibrada’, conta Janaína Anacleto do Sítio Anacleto no Assentamento de Reforma Agrária Conquista de Tremembé, isto, porque as pessoas estão tendo mais tempo para preparar o próprio alimento.
Uma nova forma de certificação da produção por Sistemas Participativos de Garantia (SPG) que envolve todos os componentes da rede de produção orgânica (agricultores, comerciantes, consumidores, técnicos) também está sendo implantada pela pioneira APOENA através da formação de um Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC), conta Thiago Prota articulador da Rede e organizador da venda de cestas orgânicas.
Dentre os projetos desenvolvidos com agricultores da Rede Agroflorestal se destacam: o auxílio à pesquisa em políticas públicas de avaliação do crescimento e produção de espécies florestais nativas e culturas em SAFs e restauração ecológica (APTA / Pólo Centro Norte), metodologias de pesquisas participativas (Vitrine Agroecológica – APTA / Pólo Vale do Paraíba), Rede de produtores de cambuci e nativas da Mata Atlântica com consultoria em comercialização e processamento de frutas nativas, implantação de cozinha comunitária e pesquisa de matrizes, coleta de sementes e produção de mudas de frutas nativas (Instituto Auá) e formação da rede de coletores de sementes florestais com a participação de agricultores e apoio técnico especializado.
Os trabalhos não param e agricultores e agricultoras da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba estão se fortalecendo e ajudando as pessoas a superar o isolamento causado pela pandemia!
Texto escrito por Antonio Carlos Pries Devide – agrônomo, pesquisador de SAFs com sede no Pólo Regional do Vale do Paraíba (APTA) em Pindamonhangaba, pós graduado em fitotecnia área de concentração em agroecologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Para mais informações sobre a Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, clique aqui.
Acompanhe também o trecho do documentário “Corpos, Territórios e Saberes: Modos de Agir e pensar nos Ambientes”, que integrou a instalação de mesmo nome realizada no Sesc Sorocaba, em 2019
*Antonio Carlos Pries Devide é agrônomo, pesquisador de SAFs com sede no Pólo Regional do Vale do Paraíba (APTA) em Pindamonhangaba, pós graduado em fitotecnia área de concentração em agroecologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
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