* Por Ana Jimenez e Lila Barbosa
Casa, sala de aula, transporte, shopping. As crianças que vivem em contexto urbano passam a maior parte do tempo em ambientes fechados. Uma realidade que a pesquisadora Lea Tiriba, da Unirio, denominou como “emparedamento” da infância, referindo-se a rotinas nas quais meninos e meninas têm poucas oportunidades de vivenciarem o mundo lá fora em contato com a natureza e seus elementos.
Isto se deve a fatores diversos, como a expansão urbana e a redução das áreas verdes, a sensação de insegurança em espaços públicos, a aceleração da relação com o tempo nas grandes cidades. Mas também a uma noção de sociedade dissociada da natureza.
Garantir o contato e a criação de vínculo entre a criança e o mundo vivo que a cerca é fundamental tanto do ponto de vista da integridade – física e emocional – das crianças quanto da integridade do próprio planeta e sua biodiversidade. A relação de afetividade com ambientes naturais é ingrediente básico na formação de uma consciência para o cuidado com o ambiente.
Para isso, é preciso reinventar os espaços das nossas cidades e o modo como nos relacionamos com eles – com mais verde nos ambientes e mais condições para que as crianças usufruam com qualidade da vida lá fora!
Na zona sul de São Paulo, há iniciativas inspiradoras neste sentido que vêm propondo ações e transformações nos espaços e nas rotinas, no intuito de promover o reencontro entre a criança e a natureza. A seguir, você poderá conhecer um pouco mais sobre estas experiências.
Inserida na Área de Proteção Ambiental Bororé Colônia (distrito de Parelheiros), em um espaço de 39 mil metros quadrados com floresta, trilha, horta, jardins, galinheiro, um pequeno rio, três lagos e uma estação ecológica de tratamento de esgoto, a Associação Comunitária Pequeno Príncipe atua com crianças de 3 a 12 anos, no período de contraturno escolar.
Neste espaço contemplado com uma rica biodiversidade, com espécies da flora nativa e presença de fauna, como aves, peixes e crustáceos, primatas, teiús, esquilos, cobras, dentre outros, as atividades e rotina das crianças são organizadas de modo a proporcionar um contato pleno com a natureza. Segundo Suely França, que atua há 5 anos como coordenadora pedagógica na associação Pequeno Príncipe, “as crianças passam quase todo tempo lá fora. Só as refeições que são feitas em área interna.”
Além de privilegiar o lado de fora para as atividades, há outros aspectos que reforçam a valorização da relação com a natureza na associação: a priorização do uso de materiais naturais e coletados no próprio local, por exemplo, para a produção de tintas, instrumentos e ferramentas; a adoção de práticas sustentáveis de manejo e de construção para manutenção dos espaços; ou mesmo na alimentação, a preferência por alimentos naturais, alguns deles colhidos na própria horta da associação, evitando o consumo de frituras e de carne.
Baseada na abordagem pedagógica Waldorf, as crianças têm contato com conceitos e práticas da permacultura, participam de mutirões, brincam e exploram o espaço com liberdade. Como nos contou o agricultor e permacultor Jackson Ramos, que atua há um ano na associação, nos espaços abertos “as crianças experimentam e querem ser mais participativas”, afirmando que a qualidade da vivência e da interação é outra quando as ações acontecem ao ar livre.
Localizada no Jardim São Luís, bairro periférico da zona sul de São Paulo, a Fundação Julita está em uma área de 48 mil metros quadrados – metade constituída por área verde com pomares e fragmento de floresta de Mata Atlântica regenerada. O local conta ainda com um Centro de Educação Ambiental criado há 10 anos e dispõe de horta com espécies de plantas alimentícias não convencionais – PANC, muitos canteiros, uma trilha ecológica, e uma “fazendinha” – espaço que abriga a criação livre e voltada ao bem-estar de animais como aves e animais silvestres, para estimular uma convivência respeitosa das crianças com outras espécies – além de tecnologias sociais construídas por meio de mutirões, como cisterna, biodigestor e círculo de bananeiras, inspirados nos princípios da permacultura.
A Instituição recebe de crianças a idosos, que são envolvidos em atividades com ênfase no respeito à natureza. Como afirma a coordenadora do Centro de Educação Ambiental, Flávia Cremonesi, “o espaço é um refúgio para essas famílias, para essas crianças poderem ter acesso à luz do sol, sentir uma brisa no rosto, ouvir um canto de um passarinho, ver uma folha de uma árvore cair. Entrar em um outro tempo e em um outro compasso, que é o compasso da natureza.”
Com o tema “Os 4 elementos da Natureza”, educadores e educadoras desenvolvem projetos para crianças e adolescentes, passando pelo trato com a terra, escorregador de barro, músicas com sons da natureza e shantala. Segundo a educadora Luciana Builtron, “estes são alguns exemplos de atividades pensadas e planejadas para proporcionar à criança esse convívio com a natureza que envolvem o lúdico, o brincar, o experimentar, promovendo a criatividade e a autonomia.
No intuito de transformar as áreas abertas das escolas em espaços mais verdes e biodiversos com finalidade lúdica e pedagógica, entre os meses de abril e junho estão sendo realizadas três edições do Curso Mata Atlântica nas Escolas. Uma formação em educação socioambiental em formato online, destinada a professores e professoras da rede municipal de ensino e realizada pela organização sem fins lucrativos formigas-de-embaúba em articulação com as unidades Interlagos e Campo Limpo do Sesc SP, e as diretorias regionais de educação Capela do Socorro, Campo Limpo e Santo Amaro.
Com uma carga horária de 24h, divididas entre encontros síncronos e atividades assíncronas, o curso busca instrumentalizar educadores e educadoras a criarem, de forma participativa com a comunidade escolar, miniflorestas de Mata Atlântica, nos espaços da escola ou vizinhança que serão utilizadas como salas de aula ao ar livre, em um processo integrado ao currículo da cidade de São Paulo.
No início do curso, cada participante recebe um kit com sementes de árvores nativas de Mata Atlântica (embaúba prateada e ipê amarelo), de adubação verde (girassol e feijão guandú) e de milho guarani, e a expectativa é que ao final cada um elabore um projeto de intervenção em sua escola para criação de espaços verdes lúdicos e educadores.
Cada projeto implementado nas escolas é um fragmento de biodiversidade que se integrará às áreas verdes da cidade, contribuindo com a qualidade de vida e gerando mais oportunidades para as crianças estarem em contato com a natureza!
*Ana Jimenez é geógrafa e Lila Barbosa é cientista social. Ambas são agentes de educação ambiental no Sesc Interlagos.
—
Ideias e Ações para um Novo Tempo
Desde 2016, por meio do projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo, as Unidades do Sesc São Paulo mapeiam em seus territórios iniciativas socioambientais voltadas ao desenvolvimento local e que tenham, entre outros atributos, potencial educativo e práticas de respeito ao ambiente e à diversidade cultural. Estas iniciativas participam junto com o Sesc SP na realização de ações educativas e participação em espaços de encontro para a troca de conhecimentos e saberes.
Saiba mais em sescsp.org.br/ideiaseacoes
Utilizamos cookies essenciais, de acordo com a nossa Política de Privacidade, para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando, você concorda com estas condições.