Detalhe de “A Santa Ceia – Flores” (1990) | Foto: Everton Ballardin
Realizado no período de 2011 a 2013, na unidade do Sesc Pinheiros, o projeto “Acervo em foco” – cujos conteúdos passam a ficar disponíveis on-line em uma série de artigos no portal do Sesc São Paulo – apresentava, de forma aprofundada e particularizada, recortes da produção de artistas brasileiros cujas obras compõem o Acervo Sesc de Arte, a coleção permanente da instituição.
Entre os artistas contemplados pelo projeto, estão Carlos Matuck, Luiz Paulo Baravelli, Nelson Leirner e Valdir Sarubbi. Neste artigo, destaca-se um recorte da obra de Nelson Leirner.
Considerado um dos principais nomes do universo da arte contemporânea brasileira, o artista, que faleceu em março de 2020, se destaca ao propor novas relações com o fazer artístico, com o mercado da arte e com o público.
Paulistano nascido em 1932, em uma família de artistas, inicia-se na pintura somente na década de 1950, primeiro como aluno do espanhol Joan Ponç, depois do alemão Samson Flexor. Seus primeiros trabalhos, produzidos nessa época, são pinturas fortemente ligadas à abstração informal.
Entre as décadas de 1960 e 1990, período que sua obra atinge a maturidade, Leirner aproxima-se das poéticas dadaístas, abandonando a pintura e passando a produzir trabalhos de caráter predominantemente polimórfico, substituindo a ideia de criação pela de apropriação – algo que marcará presença, de forma complexa e dinâmica, em toda a sua produção posterior.
Seus happenings, performances, intervenções em espaços públicos, têm em comum o fato de serem trabalhos que se apoiam na crítica ao circuito artístico, utilizando a ironia e a paródia como elementos de aproximação com o público. A presença como professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), a partir de 1976, tem grande relevância na formação de inúmeros de jovens artistas.
Nelson Leirner tinha uma predileção pela cultura de massa, personagem frequente de seus trabalhos, suscitado debates polêmicos e desconstruindo as imagens do artista, do mercado de arte e da própria arte.
“A Santa Ceia – Flores” (1990) | Técnica mista, 100 x 70 cm | Foto: Everton Ballardin
A Santa Ceia – Flores (1990) pertence a um grupo de obras em que o artista se apropria de uma das mais conhecidas e reproduzidas imagens da história da arte – A Última Ceia (1495-1498), de Leonardo da Vinci – para uma série de intervenções que propõem uma discussão sobre o desgaste gerado pela reprodução excessiva da imagem, problematizando assim seu significado enquanto única e original.
Série “Sotheby’s” [1 a 4] (2008) | Colagem sobre catálogo impresso, 28 x 22 cm | Foto: Everton Ballardin
Série “Sotheby’s” [5] (2008) | Colagem sobre catálogo impresso, 30,5 x 23,5 cm | Foto: Everton Ballardin
Na série Sotheby’s, Nelson Leirner utiliza catálogos de uma famosa casa de leilões. Sobre as publicações, o artista cola pequenas figuras do universo popular, que se mesclam à imagem original em composições aparentemente delicadas. Ao se apresentarem quase como ingênuas brincadeiras, essas obras trazem implícita uma crítica às estruturas e protocolos subjacentes ao mercado de arte.
“Paletó” (1973) e “Fraque” (1973) | Objetos em feltro, 165 x 165 cm (cada) | “Calça” (1973) | Objeto em feltro, 190 x 165 cm | Fotos: Everton Ballardin
Fraque, Paletó e Calça (1973), são parte da instalação Esporte é Cultura, exibida em 1975 na extinta Galeria Arte Global. Com várias roupas exageradamente grandes, a obra remetia a dirigentes, jogadores, juízes, bandeirinhas e público, e chamava a atenção, em plena ditadura militar, para a manipulação que o governo brasileiro fazia do apoio aos esportes como propaganda e como forma de desviar a atenção da população dos casos de repressão e tortura.
Hoje emolduradas, em caixas envidraçadas, as peças assumem um caráter de respeitabilidade, comum a diversos personagens que, atores naquele período, continuam presentes e ativos hoje em nosso cenário político.
“Construtivismo Musical” (2010) | Técnica mista, 120 x 135 cm | Foto: Everton Ballardin
“Construtivismo Naval II” (2008/2011) | Técnica mista, 170 x 330 cm (cada) | Foto: Everton Ballardin
Em Construtivismo Musical (2010) e Construtivismo Naval II (2008/2011), Leirner segue com suas referências à história da arte, dessa vez se apropriando da estética do construtivismo, que buscava a forma pura como elemento principal de suas proposições. O artista nos presenteia, por exemplo, com um piano que não pode ser tocado.
Questionamento, ironia e sagacidade permeiam a obra de Nelson Leirner, um artista que aventurou-se em debates sobre o ensimesmado circuito artístico e que promoveu reflexões profundas não só sobre as convenções artísticas, mas também de seus agentes, como a sociedade e a política.
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O Acervo Sesc de Arte, com obras visitáveis em todas as unidades do Sesc São Paulo, se constitui como um conjunto cuja complexidade e riqueza nos oferecem a oportunidade de contato direto com um panorama da produção popular, moderna e contemporânea no Brasil.
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