O aleitamento materno teve seus benefícios reafirmados durante a pandemia. Nesse tempo, pesquisadores da área confirmaram que mesmo as mães com Covid-19 não devem interromper a amamentação, pois as vantagens que o leite materno oferece para a proteção da saúde do bebê superam os eventuais riscos de transmissão do coronavírus para a criança.
Além disso, as mães de recém-nascidos que puderam trabalhar em home office encontraram uma oportunidade de continuar com mais tranquilidade a amamentação ao final da licença-maternidade. Por outro lado, o marketing das fórmulas infantis segue forte influenciando as escolhas das famílias quando o assunto é alimentar bebês.
Para falar sobre esse contexto, conversamos com Cristiano Boccolini, que é pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde (LIS), do Icict/Fiocruz (Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz).
Nutricionista e doutor em Epidemiologia em Saúde Pública, o pesquisador integra o comitê da OMS (Organização Mundial de Saúde) que reúne profissionais de vários países para criar estratégias que avaliam o avanço das indústrias de substitutos do leite materno em propagandas para web.
A mãe funciona como um scanner do ambiente. Todas as potenciais ameaças que existem nesse ambiente, de patógenos, bactérias, vírus, em que a mãe é exposta, se ela desenvolve uma resposta imunológica celular a esses patógenos e bactérias, ela transmite essa resposta imunológica, essa memória imunológica, por meio do leite materno.
É generalizar demais dizer que o leite materno fornece anticorpos contra o vírus, porque a resposta imunológica dada pela vacinação e pelo contato com o vírus pode se expressar em diversos anticorpos e outros fatores imunológicos que não são únicos, mas que boa parte deles passa pelo leite.
Então, sim, já temos estudos comprovando que as mães que desenvolvem anticorpos por contato com a vacina ou por contato com o vírus transmitem esses anticorpos por meio do leite materno. Mas ainda é cedo dizer que esses anticorpos são suficientes para proteger a criança contra o coronavírus.
Sim, as mães com Covid-19 devem continuar amamentando. Os riscos relacionados à transmissão do vírus e a resposta dessa criança à contaminação do vírus são muito menores do que os riscos de interromper a amamentação.
A interrupção da amamentação pode expor essa criança a uma série de bactérias e vírus que o leite materno estaria protegendo. Colocando no final das contas na balança, os benefícios de continuar amamentando superam e muito os riscos de transmissão do vírus para o bebê e da reação do bebê à contaminação desses vírus.
Isso já é um consenso da Organização Mundial de Saúde e já foram publicados estudos, também na Lancet, mostrando essa relação entre risco e benefício de continuar a amamentando. As conclusões são de que continuar amamentando tem o potencial de salvar muito mais vidas do que parar de amamentar em situação de que a mãe esteja com Covid.
E isso se reflete também em recomendações do Ministério da Saúde, que orienta as mães a continuarem amamentando, obviamente seguindo todos os cuidados, lavando as mãos, usando máscara sempre que estiver no mesmo ambiente que o bebê, evitando contato direto com a criança, da boca e da mão não higienizada nessa criança. Tomando ainda todos os cuidados que a gente tem com outros adultos e com outras pessoas, de distanciamento e de isolamento, sempre que possível.
No caso da criança, o contato que ela vai ter é com o peito e, obviamente, com o colo, o calor e o carinho da mãe, mas com ela tomando todos esses cuidados, se for possível, usando máscara do tipo PFF2 ou com fator N95.
É uma pergunta complexa e a resposta não é simples. A ciência trouxe evidências fortalecendo a continuidade da amamentação mesmo entre mães infectadas, de que os riscos de parar de amamentar são muito maiores do que o risco de transmitir vírus para a criança. Isso já está bem estabelecido.
Durante a pandemia, muitas pessoas, quando possível, fizeram home office, e isso possibilitou o contato e a continuação do contato da mãe com o bebê, o estabelecimento e a continuidade do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e a continuidade do aleitamento materno. Se a mãe estivesse em situação de licença-maternidade, tendo que retornar ao trabalho presencial, muito possivelmente o aleitamento materno exclusivo teria sido interrompido antes dos 6 meses; e muito possivelmente o padrão e a frequência e a continuidade da amamentação seriam interrompidos mais precocemente do que entre aquelas mães que tiveram a oportunidade de continuar seus trabalhos em home office. Isso foi um aspecto positivo.
Um aspecto negativo e que algumas evidências já estão sendo trazidas aí, principalmente pelo monitoramento da IBFAN (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar – International Baby Food Action Network), é que muitas das indústrias de fórmulas infantis, ultraprocessados, compostos lácteos, aumentaram e intensificaram suas propagandas nos meios digitais, principalmente por meio das redes sociais, e isso expôs essas mães, essas mulheres que amamentam, a um marketing agressivo, a um marketing antiético desses produtos. Então as escolhas delas em relação à alimentação dos filhos ficaram comprometidas. Mas o meu ponto de vista é um pouco mais otimista quanto ao balanço final dessa pandemia para as mulheres lactantes com crianças pequenas.
Esse é um padrão que já foi, de certa forma, superado nos países desenvolvidos. A gente vê uma tendência de reversão principalmente entre as mães com maior nível educacional na tentativa de manter o aleitamento exclusivo até os 6 meses e continuado até os dois anos ou mais.
O que está acontecendo nos países desenvolvidos é um fenômeno preocupante – ou a ser estudado – de que muitas mães quase não colocam as crianças ao peito. Elas extraem o leite materno e dão por meio de mamadeiras para as crianças. Enquanto os benefícios da amamentação não só são relacionados aos componentes nutricionais e fatores de proteção do leite materno. Tem toda a questão do desenvolvimento orofacial, de questões de sucção, de desenvolvimento da mandíbula, dos músculos da boca, da língua, desenvolvimento de fala inclusive, relacionadas à amamentação.
E uma coisa interessante que aparece nas pesquisas do Brasil é de que mães com maior escolaridade mantêm o aleitamento materno, têm uma maior prevalência da prática da amamentação exclusiva, mas são aquelas mães que interrompem o aleitamento materno mais precocemente, antes de a criança completar um ano de vida.
Enquanto as mães com menor escolaridade e de estratos sociais menos favorecidos tendem a não amamentar exclusivamente por tanto tempo, ou seja, amamentam exclusivamente por menos tempo, mas continuam amamentando seus filhos por muito mais tempo. E esse é um padrão que a gente vê se repetindo nas pesquisas.
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Este conteúdo integra o projeto Do Peito ao Prato, que aborda a alimentação nos primeiros 2 anos de vida. Conheça a programação em sescsp.org.br/dopeitoaoprato
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