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A fotografia é, sem dúvida, um chamado para Sebastião Salgado. Um chamado para desvelar o que não está ao nosso alcance e, principalmente, para provocar nosso olhar tanto para a beleza da natureza quanto para os impactos ambientais gerados pela humanidade. Seu mais recente trabalho, a exposição Amazônia (que também resultou em livro homônimo), em cartaz no Sesc Pompeia até 31 de julho, é fruto de dez anos de sobrevoos à densa floresta tropical, de navegações pelo Rio Amazonas e por seus afluentes e de longas temporadas junto a 12 comunidades indígenas isoladas na região.
“Queremos que a exposição seja uma peça dentro desse movimento de conscientização. Nós não apresentamos a Amazônia morta e destruída, a Amazônia das propriedades rurais, das áreas urbanas. Nós apresentamos a Amazônia que precisa ser preservada”, disse Salgado. Pedido também ecoado por especialistas como o cientista e pesquisador Carlos Nobre [leia Entrevista publicada na Revista E nº 296, em julho de 2021], e pelo arqueólogo Eduardo Góes Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, que fez consultoria para a série Amazônia – Arqueologia da Floresta, exibida pelo SescTV.
A mostra idealizada pela curadora e cenógrafa Lélia Wanick Salgado reúne 205 fotografias inéditas no Brasil e propõe uma imersão na floresta a partir de imagens em grande formato e um universo sonoro criado especialmente pelo músico francês Jean-Michel Jarre a partir de sons originais da floresta tropical. Um convite para viajar, se surpreender e aprender com a maior biodiversidade do planeta.
Na minha juventude, naquela região [Vale do Rio Doce – MG] era tudo coberto por floresta. Tudo se fazia a cavalo. Meu pai saía da cidade com tropa – ele foi tropeiro – e vinha caminhando dentro da mata. A tropa transportando café para chegar na linha da estrada de ferro Vitória-Minas, o café que ia para exportação, e ele correndo durante 12 dias atrás de uma tropa de mulas para levar esse café. Minha região foi uma mata colossal, um grande pedaço da Mata Atlântica que foi destruído.
É o que acontece hoje com a Amazônia. Nós estamos perdendo a Amazônia. Estamos vivendo num momento de aquecimento global evidente, os cientistas provando e as evidências mostrando o mar subindo, destruindo comunidades e ainda assim, nós destruímos a maior concentração de grandes árvores do planeta. Mas, se nós agirmos juntos, nós protegeremos o bioma amazônico.
A Amazônia está sendo destruída pela sociedade de consumo, pela demanda de produtos – madeira, soja, carne, produtos agrícolas convenientes para o mercado, destruindo o bioma amazônico. Com isso, há uma grande desestabilização na maneira de vida das populações indígenas locais, elas estão ameaçadas. Na exposição, é possível ver o testemunho de sete lideranças indígenas e todas elas, sem exceção, falam da ameaça que vem de fora. Porém, ao mesmo tempo em que as comunidades indígenas estão sendo ameaçadas, mais organizadas elas estão. São elas que levam ao planeta inteiro a informação da ameaça e criou-se uma corrente mundial de proteção à Amazônia.
Fiz uma exposição, há alguns anos, numa galeria e quando eu quis apresentar fotos da Amazônia, uma pessoa da galeria me falou: “Não, Salgado. Brasileiro não se interessa nem pela Amazônia, nem pelos indígenas”. Eu não acreditei, mas comecei a ver que antes era verdade. No entanto, hoje essa grande ameaça atual sobre a floresta amazônica, sobre as comunidades indígenas têm levado a um despertar do brasileiro em relação à Amazônia.
Não sei quantas fotos eu fiz na Amazônia porque eu vivi na Amazônia. Eu me integrei às comunidades indígenas e fotografar é um ato de integração. Você entra num fenômeno, se concentra totalmente. Você vê a construção da imagem até o ponto em que a imagem alcança aquela parábola em frente a você, você evolui dentro dela até o ponto onde tem consciência de que realizou a imagem. Aí, o processo começa a declinar, você declina junto até parar.
Quando termina esse processo, você está cansado, esgotado e deita no chão para descansar. E assim foi durante sete anos viajando recentemente pela Amazônia, mas também há na exposição outras viagens que fiz por lá. Talvez tenha aí 10 anos de trabalho da minha vida: eu calculo que tenha feito em torno de 48 reportagens na Amazônia. Ela foi minha casa e é meu coração. Espero que vocês compreendam na exposição a importância dessas imagens. O que eu apresento é minha linguagem.
“EU ME INTEGREI ÀS COMUNIDADES INDÍGENAS E FOTOGRAFAR É UM ATO DE INTEGRAÇÃO”
Sebastião Salgado
Não fotografo demais porque não sei editar nos computadores. Eu tenho 78 anos, sou um fotógrafo de outra geração, talvez 95% do que eu já fiz na minha vida tenha sido com filme. Hoje, eu trabalho com digital. E a tendência do digital é apertar o botão bem rapidinho, fazer qualquer coisa. Mas eu não posso e não sei fazer isso. Meu assistente faz uma prancha de contato – como eu fiz a minha vida inteira – e edito as fotos (da Amazônia) com uma lupa em cima dessa prancha de contato.
Antes, meus arquivos estavam num suporte plástico; hoje, meus arquivos estão num suporte eletrônico. Faço a primeira escolha das fotos e meu assistente imprime as fotografias no tamanho de cartão-postal, 13×18. No final, a gente termina com algo em torno de três a quatro mil fotografias 30×40 dentro de uma história dessa como a Amazônia. Porque, olha bem, são 10 anos da minha vida, 48 viagens para a Amazônia, isso tudo junto é que conta a história. A partir daí, dou uma primeira editada, faço uma seleção larga e, em seguida, entra a Lélia na edição.
Nossa grande esperança é que as pessoas, ao saírem da exposição, não sejam as mesmas que entraram. Essa é uma exposição que necessita, ao menos, duas horas plenas para visitação. Para ouvir as lideranças indígenas que falam dentro das ocas indígenas na exposição. Acho essencial que as pessoas façam atenção também a todos os textos, que leiam as legendas. Há muita informação. E os retratos, textos e projeções formam um conjunto considerável. Queremos que a exposição seja uma peça dentro desse movimento de conscientização. Essas fotografias representam a Amazônia viva.
Representam a Amazônia do bioma, a Amazônia das comunidades indígenas. Nessa exposição, não apresentamos a Amazônia morta e destruída, a Amazônia das propriedades rurais, das áreas urbanas. Nós apresentamos a Amazônia que precisa ser preservada. Hoje eu acho o povo brasileiro aquele que apresenta maior preocupação com a Amazônia, algo que não acontecia antes. Acho que essa exposição que a Lélia construiu com as minhas fotografias, com todos esses colaboradores, pode levar as pessoas a desenvolverem uma verdadeira consciência da Amazônia e de proteção desse bioma.
SERVIÇO
Exposição Amazônia – Sebastião Salgado (Curadoria e cenografia: Lélia Wanick Salgado)
Visitação: De terça a sábado, das 10h30 às 21h (com entrada até 19h30); domingo e feriado, das 10h30 às 18h (com entrada
até 16h30). Até 31 de julho, na Área de Convivência do Sesc Pompeia. Saiba mais sobre a mostra
A EDIÇÃO DE MAIO/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
Neste mês, refletimos sobre o retorno da atividade turística a partir de novos mapas que fomentam a economia local e valorizam a diversidade cultural de uma região. Ao repensar o turismo, convidamos você a dobrar a esquina, descobrir outras narrativas e visitar novos universos dentro da sua própria cidade. Aproveite para conferir as novidades do processo de retomada dos roteiros do Turismo Social do Sesc São Paulo.
Além disso, a Revista E traz outros destaques em maio: uma reportagem que defende a importância do livre brincar como ação essencial para o desenvolvimento das crianças; um papo com a atriz e performer Denise Stoklos sobre processo criativo, velhice e família; um passeio visual pelos figurinos do CPT_SESC, centro teatral criado por Antunes Filho no Sesc Consolação; um depoimento com Sebastião Salgado sobre sua imersão na floresta, o que gerou a exposição Amazônia, no Sesc Pompeia; um perfil de Maria Firmina dos Reis, fundadora da literatura abolicionista no Brasil; um encontro com Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta e uma das principais vozes do empreendedorismo negro no país; um roteiro por espaços e projetos que praticam o acolhimento materno na capital paulista; o conto inédito As Substitutas, do escritor João Anzanello Carrascoza; e dois artigos que abordam conquistas e desafios da presença das mulheres indígenas na literatura.
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