O conceito de amefricanidade é o fio condutor de uma série de ações realizadas pelo Sesc São José dos Campos, em parceria com o Instituto Lélia Gonzalez. Você sabe o que ele significa?
Em uma leitura rápida, é possível interpretar que a palavra se limita a definir a condição geográfica dos povos negros nas Américas. Porém, o termo criado por Lélia Gonzalez vai além. Ele indica a construção de uma identidade étnica com a incorporação de dinâmicas culturais, especialmente aquelas que vão na contramão do sistema de dominação chamado racismo.
Para a antropóloga, é importante ultrapassar uma visão romantizada da África para se voltar para a realidade própria vivida no continente americano, reconhecendo sua influência na formação cultural e valorizando as táticas aqui criadas contra a dominação colonial.
No texto “A categoria político-cultural de amefricanidade” (1988), a pensadora afirma que essa categoria pode ser observada desde os primórdios da presença negra nas Américas:
“Já na época escravista, ela se manifestava nas revoltas, na elaboração de estratégias de resistência cultural, no desenvolvimento de formas alternativas de organização social livre, cuja expressão concreta se encontra nos quilombos, cimarrones, cumbes, palenques, marronages, maroom societies, espraiadas pelas mais diferentes paragens de todo o continente. (…) Reconhecê-la é, em última instância, reconhecer um gigantesco trabalho de dinâmica cultural que não nos leva para o lado do Atlântico, mas que nos traz de lá e nos transforma no que somos hoje: amefricanos.”
Figura incontornável na organização das mulheres negras e também na formação acadêmica feminista negra, Lélia Gonzalez (1935-94) nasceu em Belo Horizonte, filha de ferroviário e empregada doméstica. A família se mudou para o Rio de Janeiro quando tinha 7 anos, onde instalou-se.
Teve uma formação fortemente marcada pelas humanidades e destacou-se, em sua carreira, como professora da PUC-RJ. Tornou-se referência preciosa para os estudos dos processos de branqueamento da sociedade brasileira e dos marcadores sociais de gênero, raça, religião e classe.
“Estamos cansados de saber que nem nos livros onde mandam a gente estudar se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro e do índio na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles. E o que fica? É a impressão de que só os homens, os homens brancos, social e economicamente privilegiados, foram os únicos a construir esse país. A essa mentira tripla se dá o nome de sexismo, racismo e elitismo.”
Lélia Gonzalez, (Mulherio, Ano II, Nº 5, Janeiro/Fevereiro de 1982, P. 3)
A partir dessa perspectiva, o Sesc São José dos Campos e Instituto Lélia Gonzalez realizam o projeto Amefricanidade, o caminho das mulheres negras, que pretende integrar coletivos, artistas e pensadoras da negritude. Ao longo de três meses, perpassa este conceito, com especial enfoque nas mulheres negras, por meio de textos, rodas de conversa, cursos e outras ações formativas.
A primeira etapa de encontros consiste na série de Rodas de Conversa “Feminilidades pretas na poesia, porque escrevemos!”, reunindo escritoras que, por meio da literatura, abordam questões fundamentais para o feminino e a negritude. As manifestações literárias, nesse sentido, trazem formas de expressar a luta e resistência dessas mulheres na sociedade em diálogo com o conceito de amefricanidade.
Confira as informações sobre as Rodas de Conversa
Roda de conversa 1 – Com Luz Ribeiro, escritora, atriz, narradora e slammer; Preta Ary, MC, pedagoga, promotora legal popular, artesã, proprietária da marca Negrita Arteira; Maíra da Rosa, educadora, mestranda em Educação na PUC-SP, vocalista na banda Samba de Dandara, filha de Oxum e educadora de Tecnologias e Artes do Sesc Osasco.
Dia 19/1, quarta, das 19h30 às 21h30.
Roda de conversa 2
Com Ana Paula Lisboa, escritora com publicações de contos e poesias em coletâneas nacionais e internacionais; Valéria Barcellos, cantora, atriz, DJ, performer, escritora e artista plástica; Rosana Aparecida da Silva, educadora e sindicalista.
Dia 26/1, quarta, das 19h30 às 21h30.
Atividade online, no YouTube do Sesc São José dos Campos
Roda de conversa 3
Com Cidinha da Silva, escritora e editora na Kuanza Produções. Publicou 17 livros distribuídos pelos gêneros crônica, conto, ensaio, dramaturgia e infantil/juvenil; Luciana Brauna, bacharel e licenciada em Ciências Sociais, professora da rede estadual de ensino, educadora social, ativista do Movimento Negro (Frente Preta) e poeta; Meire Pedroso da Silva. professora, poeta e atriz. Atua no grupo de teatro Tropa do Vale de São José dos Campos.
Dia 2/2, quarta, das 19h30 às 21h30.
Atividade online, no YouTube do Sesc São José dos Campos
Roda de conversa 4
Com Bianca Gonçalves, pesquisadora, professora, revisora e escritora; Abigail Campos Leal, filósofa, poeta, slamaster no Slam Marginália; Rosa Miranda, assistente social, educadora em Direitos Humanos e Igualdade Racial, ativista do movimento negro e Promotora Legal Popular.
Dia 9/2, quarta, das 19h30 às 21h30
Atividade presencial, no Auditório, com transmissão ao vivo pelo YouTube do Sesc São José dos Campos. Ingressos gratuitos limitados.
Sobre o Instituto Lélia Gonzalez
Original de São José dos Campos, o coletivo de Mulheres Negras Lélia Gonzales acredita e luta em defesa das mulheres negras, no combate a discriminações e do preconceito que limitam a realização da plena cidadania, na busca do acesso às oportunidades sociais, como a educação, a saúde, a moradia, o mercado de trabalho a partir de uma perspectiva educacional e cultural, com atenção especial ao recorte racial e de gênero, acolhendo os princípios feministas de equidade, pluralidade e solidariedade como pilares estruturantes de sua formação, constituição e políticas.
Por mais de 13 anos, o coletivo tem desenvolvido projetos próprios ou em parceria com outras organizações de defesa dos direitos humanos, como forma de fortalecimento e empoderamento das mulheres negras para ocupação dos espaços de poder. Em 20 de Novembro de 2018, resolveu-se institucionalizar o Coletivo e a partir dele construir uma organização de promoção e defesa da igualdade racial e de gênero que partilha dos mesmos objetivos e princípios que sempre guiaram o trabalho de Lélia Gonzalez.
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