Leia a edição de julho/22 da Revista E na íntegra
“Indaiá vivia numa aldeia indígena e ganhou esse nome dos pais em homenagem a uma palmeira da Mata Atlântica. Ela gostava muito das plantas, conversava com os animais, e diziam que ela tinha o dedo verde, ou seja, tudo que plantava prosperava. Numa certa manhã, já na velhice, Indaiá sentiu uma dor muito forte no coração e pensou que já estava na hora de viver com as estrelas. Mas, como gostava de viver na floresta, disse: ‘Na minha hora, é aqui que eu quero ficar’. Então, ela cavou um buraco na terra e colocou o pé direito. Depois, outro buraco, onde fincou o pé esquerdo. De repente, pés e pernas se transformaram em raízes, e o resto do corpo e braços, em tronco. Seu cabelo se transformou em longos ramos de folhas até que ela se tornou uma árvore. Mas, qual a única parte da Indaiá que não se transformou?”, questiona a agente de educação ambiental Aline Rossetto, no percurso da Trilha do Sentir, na Reserva Natural Sesc Bertioga.
Respondemos: “o coração”. É esse coração que conseguimos ouvir “bater”, nessa árvore que habita a floresta alta de restinga, ambiente que se desenvolve na planície costeira, próxima ao mar, junto a mais de 600 espécies de flora e fauna. De forma lúdica, a parábola nos convida a construir outra relação com essa reserva ambiental incrustada na zona urbana de Bertioga, a 110 quilômetros da cidade de São Paulo.
Nesse espaço por onde se caminha em trilhas suspensas que respeitam as curvas de raízes, galhos e troncos, bem como os hábitos de bichos e insetos de uma mata secundária, torna-se possível uma interação com a natureza de maneira consciente, autônoma e acessível. Com um estetoscópio emprestado pela agente de educação ambiental, eu auscultei, pela primeira vez, uma árvore. Também senti a umidade do ar na ponta do nariz, os cheiros de floresta, os sons de diferentes famílias de passarinhos, a textura de um líquen. Mesmo as buzinas dos carros e os alto-falantes de caminhões de frutas passando pelas avenidas que recortam a cidade de Bertioga compartilharam espaço com esse convite à imersão. A partir dessa experiência sensorial, percebemos a possibilidade de coexistência entre dois mundos.
Entre alguns dos convites a quem faz a Trilha do Sentir, está a possibilidade de auscultar uma árvore. Na imagem acima, a repórter Maria Júlia Lledó passa por essa experiência. Foto: Guilherme Barreto.
A Reserva Natural Sesc Bertioga faz parte de um cenário nacional de áreas naturais brasileiras que estreitam a relação entre diferentes públicos e a biodiversidade da região visitada, tendo em vista o compromisso com a acessibilidade. No Brasil, 17,3 milhões de pessoas têm alguma deficiência para ver, ouvir ou se locomover, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, são poucos e restritos os parques adaptados para todas as pessoas e suas diferentes necessidades. Outros exemplos de Parques Nacionais (PARNA) que fazem parte desse movimento de interação, inclusão e que possuem recursos de acessibilidade são o do Itatiaia (RJ), o da Serra da Capivara (PI) e o da Chapada dos Veadeiros (GO).
No caso da Trilha do Sentir, na Reserva Natural Sesc Bertioga, a acessibilidade está presente em múltiplas dimensões: física, cultural, atitudinal e comunicacional. Ela ainda facilita o espaço para pessoas idosas, quem tem medo de fazer trilha e pessoas com carrinho de bebê. Composta por um deck suspenso de madeira com 960 metros lineares, sem degraus, e corrimãos em três alturas, a trilha ainda conta com bancos e áreas para descanso que permitem momentos de contemplação da natureza.
Há ainda um conjunto de recursos de acessibilidade com placas interpretativas táteis com desenhos em relevo de pássaros, insetos, plantas e outras espécies nativas, além de textos em braille que auxiliam na mediação com o público. Um projeto que tem como base o Desenho Universal, conceito que leva em consideração a diversidade humana de forma a garantir a acessibilidade aos componentes do ambiente natural. Além disso, logo na entrada, no espaço Rosa dos Ventos, uma equipe de agentes de educação ambiental, guarda-parques e orientadores de público estão disponíveis para diálogo e mediação educativa amparados na troca de experiências com os visitantes.
“É bem diferente quando você chega em um ambiente que foi construído para atender a todas as pessoas. Ter todo um espaço pensado para a pessoa se sentir à vontade, desde a entrada. Um lugar com passarela e rampa de acesso. Tudo isso traz autoestima para a pessoa com deficiência, que acaba esbarrando em obstáculos principalmente em pontos turísticos. Eu imagino quantas outras pessoas com deficiência poderão vir aqui e que essa vai ser a primeira vez que farão uma trilha, que terão esse contato com a natureza”, compartilha Vinícius Camargo – Vina, visitante que deu seu depoimento registrado em vídeo e disponível no canal do YouTube do Sesc Bertioga. Assista ao vídeo:
Divulgado em junho deste ano, o Índice de Desempenho Ambiental – ranking feito por pesquisadores de duas das mais importantes universidades estadunidenses, Columbia e Yale – o Brasil ficou em 114º lugar entre os 180 países em perda florestal. E de maneira geral, após análise de 40 indicadores que mostram como os países estão melhorando a saúde de seu meio ambiente, progredindo na proteção de seus ecossistemas e tornando menos intensas as mudanças climáticas, o país ficou em 81º lugar. Em resposta a esse quadro está a importância da criação de espaços de visitação e ações educativas em áreas de conservação da natureza.
“O contato com a comunidade na gestão de uma unidade de conservação está vinculado ao conceito de ‘conservação’ da biodiversidade, que traz o componente humano como parte desse processo. Isso difere do conceito de ‘preservação’, da ideia de fechar, cercar e murar uma área para que ninguém entre e as pessoas fiquem a par”, explica a bióloga e educadora ambiental Séfora Tognolo de Aguilar, supervisora de Educação Ambiental do Sesc Bertioga. Ou seja, o caminho para a conservação da biodiversidade também é orientado pela participação da sociedade. Tanto que esse aspecto está previsto nas diretrizes de responsabilidade ambiental dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que compõem uma agenda mundial para a construção e implementação de políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030 [Leia matéria Ecos da ECO-92, na Revista E nº 308, de junho de 2022].
Antes mesmo da criação da Reserva Natural Sesc Bertioga, foi essencial a participação da comunidade. E esse envolvimento foi estimulado por meio de reuniões, rodas de conversa, encontros e entrevistas para que as pessoas pudessem compartilhar suas impressões e expectativas. “Desde o início, a gente tem no DNA um diálogo com o entorno, bem como a participação de moradores e a criação coletiva. Outro diferencial são as estruturas de visitação para esta unidade de conservação. Para criar as propostas iniciais dos projetos, realizamos cursos junto à nossa comunidade, gerando o sentimento de pertencimento. A Trilha do Sentir é fruto de um desses cursos e já faz parte dessa estrutura definitiva da reserva”, explica Marcos Roberto Laurenti, gerente do Sesc Bertioga.
“O contato com a comunidade na gestão de uma unidade de conservação está vinculado ao conceito de ‘conservação’ da biodiversidade, que traz o componente humano como parte desse processo. Isso difere do conceito de ‘preservação’, da ideia de fechar, cercar e murar uma área para que ninguém entre e as pessoas fiquem a par”
SÉFORA TOGNOLO DE AGUILAR,
bióloga, educadora ambiental e supervisora de Educação Ambiental do Sesc Bertioga
Aliás, a longo prazo, essa área visitada pelo público deve ser ampliada a partir da criação de outros três mil metros de trilha. “Esse é um projeto que será implementado em etapas”, complementa Laurenti. Fruto também desse diálogo com a comunidade é o Plano de Manejo, documento que orienta a gestão de áreas naturais protegidas. Esse plano estabeleceu o zoneamento da Reserva Natural Sesc Bertioga e as normas que devem orientar e regular o uso de seus espaços e recursos. Além disso, esse documento prevê ações de proteção, visitação, turismo, educação ambiental, gestão e pesquisa. “No próprio Plano de Manejo, já colocamos entre nossos objetivos que um deles é possibilitar vivências e convivências através de experiências transformadoras numa área protegida urbana e esse é nosso grande diferencial”, explica Juarez Michelotti, coordenador do Setor de Educação para Sustentabilidade do Sesc Bertioga.
(Por Maria Julia Lledó)
CONHEÇA A RESERVA NATURAL SESC BERTIOGA:
Local: Acesso pela Av. Francisco Soto Barreiro Filho (antiga Av. do Canal), 1.117, no Maitinga, Bertioga, São Paulo – SP.
Horário: De terça a domingo, das 8h30 às 17h30 – visitação livre. De quarta a domingo, 9h, 11h e 14h – visitas mediadas, conduzidas por agentes de educação ambiental do Sesc Bertioga (Vagas limitadas/ Inscrições com 15 minutos de antecedência, no local).
Crianças devem estar acompanhadas de seus responsáveis.
Recomendações: Levar a garrafinha ou copo para água, além do uso de roupas leves e confortáveis, protetor solar e repelente para insetos.
Visitação gratuita.
Saiba mais sobre a Trilha do Sentir
Conheça também o Jardim das Brincadeiras, no receptivo da Reserva Natural Sesc Bertioga, um parque naturalizado onde é possível interagir com o espaço, as plantas, intervir e inventar novos brinquedos e brincadeiras.
A EDIÇÃO DE JULHO/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
Neste mês, quando o Sesc São Paulo promove mais uma edição do FestA! – Festival de Aprender, celebramos a ludicidade dos jogos analógicos e revelamos que, apesar do surgimento de novas tecnologias, eles atravessam gerações, atualizando-se em temas e formatos, incorporando narrativas inovadoras e estimulando o aprendizado. Nossa reportagem principal prova que o jogar, ato que perpassa todas as fases da vida, compõe uma importante parte da existência humana e contribui para o exercício da socialização e o amadurecimento de nossa criatividade.
Além dessa reportagem, a Revista E de julho traz outros conteúdos: um texto que convida o leitor a uma imersão na Trilha do Sentir, passeio sensorial e acessível em meio à restinga, na Reserva Natural Sesc Bertioga; uma entrevista com o professor e pesquisador Fernando José de Almeida sobre caminhos para a educação na era digital; um depoimento do diretor mineiro Gabriel Villela sobre dramaturgia, direção e seus 30 anos de casamento com o teatro; um passeio fotográfico pelas obras da exposição, em cartaz no Sesc Bom Retiro, que celebra as experimentações do artista Penna Prearo; um perfil de Yara Bernette (1920-2002), um dos grandes nomes brasileiros do piano no século XX; um encontro com Issaaf Karhawi, pesquisadora em comunicação digital que defende não haver mais divisão entre vida on e offline; um roteiro por 5 passeios divertidos e educativos nas unidades do Sesc SP para fazer com a criançada no mês das férias; quatro poesias inéditas assinadas assinadas pelo artista Ricardo Aleixo; e dois artigos, assinados por Sueli Angelo Furlan e Thaise Costa Guzzatti, que refletem sobre o Turismo de Base Comunitária.
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