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Por Denise Alves-Rodrigues*
No Universo, existem três corpos celestes com os quais todos os humanos (e outros tipos de vida) têm relação constante: a estrela Sol, o planeta Terra e o satélite natural Lua. Tudo o que sabemos sobre eles advém de pesquisas científicas e do imaginário, mas, dentre os três, nenhum tem tanto foco fantástico quanto a Lua.
Desde 2003, quando iniciei minha vida de astrônoma amadora, frequentando aulas e palestras na Escola Municipal de Astrofísica da cidade de São Paulo, passei a trabalhar com o tema cósmico em minhas pesquisas e produções artísticas. Juntando conteúdo científico com minhas práticas poéticas, passei a ter um olhar mais amplo sobre o tema lunar, porque entendi logo de início que, enquanto todos os corpos celestes tinham uma apreciação específica, a Lua possuía uma gama gigantesca de fatos, registros, estudos e histórias.
Por meio de falas, textos e imagens, fiz um recorte cultural sobre os assuntos lunares. Neste texto, divido algumas curiosidades, mitos, fatos e invenções que pessoas produziram ao longo de milhares de anos, em culturas diversas, sobre a nossa vizinha cósmica mais próxima.
É possível que quase toda criança tenha escutado que não deveria apontar estrelas no céu “pois nasceria uma verruga na ponta do seu dedo”; ou que “seu dedo iria cair”. Por meio de um texto¹, descobri que essa superstição tem base na identificação do Shabat e dos feriados judaicos, pois uma criança que apontava a primeira estrela que via no céu, durante o período da Inquisição Européia, tinha a sua fé identificada e colocava sua família em risco de perseguição. Contavam a história da verruga para desencorajá-las. A superstição atravessou o Atlântico e seguiu por séculos sendo repetida.
Desse modo, apontar estrelas não era permitido, assim como encarar o Sol é perigoso. Mas a Lua, ah a lua, quando aparece nos céus diurnos ou noturnos de nossa vida pode ser indicada, apontada, exaltada. Como se levantar o braço e apontá-la fosse um gesto de aproximação.
Minha memória mais antiga é de estar no colo de um adulto que indica a Lua para mim e pergunta o que é aquilo no céu. Não respondo e esse adulto me conta: é a Tetéia. Por um mistério ou coincidência bem estranha, o corpo que se chocou com a Terra no período de formação do Sistema Solar é chamado de Theia. O cenário mais plausível nos estudos sobre a Lua é que sua formação se deu por volta de 4,5 bilhões de anos atrás e aconteceu pelo choque entre um corpo celeste e a Terra. Com o impacto, uma parte desse corpo foi arremessado para o vazio enquanto outra parte se instalou em órbita ao redor da Terra. Evidências desse evento foram apresentadas por cientistas da Universidade do Arizona (ASU)², com modelos científicos a partir de material encontrado no fundo do Oceano Pacífico e abaixo de parte do continente africano. Chegamos mais perto de solucionar o mistério do nascimento da Lua.
Se a composição física da Lua é um assunto intrigante, imagine a quantidade de enigmas que nos atravessam quando nos perguntamos o quanto podemos sofrer influências lunares. Desde questões como corte de cabelo (cortar o cabelo na Lua Crescente aumenta a velocidade de crescimento dos fios?) até a Astrologia: a Lua, no mapa de nascimento, interfere no modo como um indivíduo maneja suas emoções? E não dormimos bem na Lua Cheia pelo excesso de energia que ela transpõe? Esses são temas que nos permeiam ao longo da vida.
Quando me perguntam se acredito em contos, superstições ou teorias individuais, prefiro pensar a relação e raízes da nossa produção de pensamento e atividades com as rotinas lunares. Porém, sempre recebo réplicas como: se a Lua tem poder de influenciar as marés, como não influencia o líquido nos nossos corpos? Bem, podemos começar pensando na quantidade de estudos e modelos científicos feitos para provar o movimento dos mares, e também vale lembrar que o oceano é um corpo único gigantesco, enquanto o nosso é minúsculo. Mas e as plantas? Sim, existem culturas que só fazem o corte de plantas em períodos de Lua Minguante ou Nova. As plantas, por serem fotossensíveis, em períodos de Lua Cheia têm uma presença maior de seiva em seu caule. Assim, existe uma projeção de que as pessoas, conectadas com outros seres vivos e eventos naturais, também são influenciadas diretamente pelo corpo celeste.
Em diversos momentos da História, a Lua Crescente foi fixada em algum ícone cultural. Na cultura cristã, imagens de Nossa Senhora ou Virgem Maria possuem aos pés ou acima da cabeça uma Lua Crescente, que sinaliza maternidade e também abundância. A deusa Selene é um mito grego da personificação da Lua – em esculturas, é comum ver atrás de sua imagem a fase crescente indicada.
Não sabemos ao certo se todos os cientistas antigos eram guiados por deuses, mas Hiparco (190 – 120 A.C.) foi um astrônomo, matemático, construtor de máquinas e a primeira pessoa a medir a distância da Terra à Lua. Usando de Trigonometria, concluiu, por meio de seus cálculos, que essa distância seria de 59 vezes o raio da Terra (atualmente o valor aceito é de 60,3 vezes o raio) e assim aprendemos que estamos separados da Lua por 384.400 Km.
Antes, comentei sobre os efeitos da Lua Cheia nas plantas, mas essa fase da Lua tem um efeito fantástico no imaginário popular. Comum em ambientes rurais, o mito do lobisomem atravessou terras e se fixou de vez nas lendas, por meio do cinema. São muitos filmes que alimentam a fantasia da metamorfose de um ser meio homem, meio lobo, com a indicação que essa transformação ocorre na manifestação da fase mais brilhante da Lua.
Testemunhos europeus da Idade Média relatavam “lobisomens” encontrados em vilas. Hoje, nos perguntamos se esses testemunhos não confundiam com lobisomens pessoas com Hipertricose – termo médico que é usado para descrever indivíduos que possuem crescimento excessivo de pelos pelo corpo. Supondo que essas pessoas sofriam perseguições por suas condições físicas, associamos que a circulação segura seria feita nas noites de Lua Cheia, por causa do alto brilho que facilitaria a movimentação por florestas ou ruas.
O fator brilho, aliás, é uma das seduções da Lua Cheia. Observar as sombras quase sólidas que são formadas nesse período lunar nos remete aos filmes dos primórdios do cinema. Entre as obras que podemos conferir está “Viagem à Lua”, de Georges Méliès, baseado no livro de Júlio Verne, Da Terra à Lua.
Pertence a esse filme a imagem icônica de uma Lua com rosto humano que tem pousado em seu olho o foguete que leva os astronautas. É possível que várias pessoas já tenham visto essa imagem, sugerida em outras obras, como os videoclipes “Tonight Tonight”, da banda Smashing Pumpkins e “Heaven for everyone”, da banda Queen.
Se o cinema e a fotografia antecederam a chegada do homem à Lua, assistir por uma televisão em 1969, ao vivo, à primeira alunissagem e caminhada feita por Neil Armstrong em solo lunar, sendo compartilhada pelo mundo todo, foi de uma comoção tão forte que passamos até a duvidar dos nossos feitos.
Se a fase cheia da Lua causa tantas dúvidas sobre seus efeitos, imagine o espanto de quando não sabíamos que era essa a fase, junto com a Nova, os únicos momentos que poderíamos partilhar de um Eclipse! Um eclipse lunar ocorre quando a Lua adentra a região da sombra da Terra, que é produzida por meio de luz solar. Basicamente é um alinhamento entre Sol, Terra e Lua, nessa ordem.
Enquanto os eclipses lunares só ocorrem em duas fases, nos solares dependemos do fator sorte em nossa localização durante o evento. Foi essa sorte, local e condições meteorológicas especificas que permitiram que, na manhã de 29 de maio de 1919, testemunhas observassem no céu de Sobral (CE) um eclipse solar total, evento que auxiliou na comprovação da Teoria da Relatividade, lançando Albert Einstein ao posto de gênio.
Essa fase da Lua é indicada como o final de uma lunação, período composto por cerca de 28 dias e segue para um novo ciclo com a fase Nova. A fase Minguante e a fase Crescente são os períodos mais interessantes para observação com telescópio. Por conta da posição em que se encontra e pelo baixo brilho, podemos conferir melhor as crateras e suas sombras.
Sombras, na verdade, são uma metáfora que nos leva ao campo da dúvida e abre uma fenda ao desconhecido. Se você usar o buscador do Google com a palavra Lua, entre milhares de páginas que serão enfileiradas, logo de início vai encontrar teorias da conspiração contrapondo a chegada do homem à Lua. Uma das mais caprichosas conecta a NASA com o cineasta norte americano Stanley Kubrick e a CIA, numa engenhosa conspiração para enganar o mundo sobre os norte-americanos terem chegado primeiro ao solo lunar – possivelmente fazem conexão com Kubrick por causa de sua obra cinematográfica, “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, filme lançado um ano antes do pouso lunar. São centenas de especulações, escritas ou com imagens, tentando atestar que tudo foi uma farsa em sintonia com o poder político.
Mas não é a primeira vez que se fazem especulações que passam longe da realidade. Em 25 de agosto de 1835, foi iniciada a publicação de artigos escritos por Richard Adams Locke, no jornal The Sun (Nova York). Os artigos tratavam da descoberta de vida na Lua e descreviam que o satélite natural era habitado por homens morcegos, além de outras formas de vida extravagantes. Os textos eram ilustrados por litogravuras belíssimas e o autor citava o astrônomo britânico Sir John Herschel como fonte segura de suas informações. Demorou muito tempo para descobrirem que era um pastiche, que entre suas intenções estava aumentar as vendas do jornal.
O lado oculto da Lua também é um assunto que confunde muitas pessoas. Acaba-se falando de uma forma como se a lua estivesse estática no céu, mas ela possui rotação. O que ocorre é que é um movimento tão sincronizado com a Terra que podemos ver apenas o “lado aparente”. Mesmo que ela gire sobre o próprio eixo pelo tempo de sua rotação, nunca conseguimos ver esse “lado oculto”, que também é iluminado pelo Sol, mas não chega aos nossos olhos. Imagens da face oculta podem ser observadas por registros feitos em missões pela órbita da Lua com uma trilha sonora específica: “The Dark Side of the Moon”, da banda Pink Floyd.
O sombrio lunar aterrissa em nossa sociedade com a criação do termo “lunático”. Inventado pelo filósofo, médico e alquimista alemão Paracelso, o termo se referia de uma forma depreciativa à toda pessoa que portasse um problema psíquico ou neurológico. Esses, segundo seu autor, pertenciam ao Mundo da Lua, assim quando estavam em terra não seguiam normas de civilização.
Porém, ser lunático passou a ser uma denominação dos que possuem um imaginário superlativo, dos que voam em suas criações. Entre as obras tidas como lunáticas está The Moon Goose Colony” (A Colônia Lunar dos Gansos), da artista Agnes Meyer-Brandis. Em seu documentário, ela desenvolve uma narrativa baseada em um livro de 1638, escrito pelo bispo inglês Francis Godwin, em que o protagonista voa para a Lua em uma carruagem rebocada por “gansos lunares”. No processo poético, a artista desenvolveu toda uma instalação, replicando a paisagem lunar e recebendo gansos que ela criou desde que eram pequenos como se fossem os habitantes à espera de um visitante naquele espaço. O público podia ver a rotina dos habitantes penosos da Lua através de uma sala de comando semelhante à de estações espaciais, criada dentro de uma instituição de Arte.
Se entendemos por lua todo satélite natural que orbita um corpo maior que o seu (por exemplo, um planeta), sabemos e sentimos que Lua é o corpo celeste mais próximo que podemos observar. E nele depositamos nossa curiosidade, sonhos, cultura e ciência.
*Denise Alves-Rodrigues é artista plástica, oficineira, tecnóloga autodidata e astrônoma amadora, nascida em Itaporã-MS/1981 e hoje residente em São Paulo-SP. Iniciou seus estudos de artes em Ribeirão Preto – SP (2003), é bacharel em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2008). Participou das exposições coletivas: FARSA (SESC Pompeia – São Paulo/Brasil), Iminência de Tragédia (Funarte – São Paulo/Brasil), Linda Cortile (Galeria Zielinsky – Barcelona/Espanha) e Laboratório.sobre prácticas artísticas de código abierto (CAS Centro de las Artes de Sevilla – Espanha), VIII Bienal de La Paz (Bolivia. Foi aluna da Escola Municipal de Astrofísica da Cidade de São Paulo (2013/2017), atualmente faz extensão em Ensino de Astronomia na UFABC). Atua como mediadora em educação e recursos tecnológicos na MAIS-Elaborando. Saiba mais sobre o trabalho da autora aqui.
Referências:
¹ Presença judaica na língua portuguesa
² Restos do planeta que formou a Lua estariam no interior da Terra
Artigo do The Sun (Moon Hoax)
Agnes Meyer-Brandis
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