Bioconstrução transforma sonhos em realidade na Vila da Mata

11/03/2022

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A união é a base da comunidade instalada dentro de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral | Foto: Fotonativa

por Marcela Oliveira Fonseca

Quem entra na Vila da Mata, localizada no Parque Estadual da Restinga de Bertioga (PERB), próximo à praia de Guaratuba, se surpreende. Para chegar no local, é necessário passar por dentro de um condomínio de casas de veraneio, muitas construídas pelos próprios moradores da Vila. Na entrada da comunidade, uma sinalização indica que ali é proibido construir por se tratar de área de preservação ambiental.  

Neste ponto, a mata é densa e, com o clima mais ameno, é possível sentir o frescor da floresta e os aromas do manjericão, hortelã e outras ervas frescas que fazem parte da horta comunitária mantida pelos moradores. De um terreno alagado que poderia virar depósito de materiais descartados, eles criaram um espaço de cooperativismo. Dali, saem alimentos para serem compartilhados, assim como sonhos e projetos para o bem comum, que germinam no coração dos moradores nos encontros e mutirões.

Horta mantida pela comunidade se tornou espaço de cooperativismo | Foto: Fotonativa

A rua principal é de terra e, seguindo por ela, é possível perceber que se trata de um lugar diferenciado. As casas recebem visitas de muitas aves e na simplicidade de sua construção, acolhem a grandiosidade de quem vive por ali. As ruas da vila têm cheiro de café passando, crianças brincando e sempre aparece um cachorro para dar boas-vindas. 

Cansados de esperar pelo poder público, os próprios moradores cadastraram as famílias, criaram um mapa da vila, batizaram cada uma das ruas com nomes de aves e pintaram as placas. Inspirados pela união em um povoado retratado no filme dirigido por Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, criaram a praça Bacurau. 

Unidade de Conservação 

Em 2010, foi instituído o Parque Estadual da Restinga e a comunidade, com aproximadamente 130 casas, passou a viver dentro de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral (UCPI), que não prevê habitações. Por isso, após décadas de consolidação, os moradores precisaram se organizar em uma associação, para lutar pelo direito de permanência no território. A situação das famílias, que passou a ser irregular perante a legislação ambiental, ganhou novas configurações com o início das discussões para elaboração do Plano de Manejo da UCPI, aprovado em 2018. Após ampla mobilização, com participação nos encontros para elaboração do Plano de Manejo do Parque, conquistaram o direito de ficar no local, que passou a ser um núcleo de ocupação humana. 

Hoje em dia, estar dentro dos limites (e no futuro entorno) de uma área protegida é motivo de orgulho para os moradores da comunidade, que se empenham para viver de forma harmônica com o meio ambiente e com o próprio PERB.  

Guia para se Perder em Bertioga | Guaratuba

Uma comunidade inspiradora 

Apesar de conquistarem a permanência no território – ainda em processo de regularização e afastado da região central – as famílias têm pouco ou nenhum acesso a atividades culturais ou de lazer oferecidas pelo setor público, sem citar a falta de serviços básicos. Ainda assim, na Vila da Mata existe algo muito maior, que transborda o tempo das instituições e das burocracias: a humanidade. A busca de alternativas sustentáveis para melhoria da qualidade de vida e geração de renda se espalha como as sementes da horta.  

Pelo sentimento de coletividade impulsionado pela auto-organização, a comunidade conta com iniciativas de cultura e lazer realizados pela ação voluntária dos moradores. Muito além da horta comunitária, eles construíram um banheiro seco nos arredores do campinho de futebol, área em que, com uma tela de pano amarrada na trave, ocorrem sessões de cinema pelo projeto Cine Campinho, considerado por um dos moradores como o maior cinema a céu aberto do mundo. Outro projeto é o Rodas de Leitura, para alfabetizar adultos que não tiveram a chance de aprender as palavras escritas, mas sabem bem como enxergar com olhos de poesia. Tem também os roteiros de Observação de Aves, a implantação do Turismo de Base Comunitária e muitos sonhos, como a construção da Torre de Observação de Aves e uma nova Biblioteca Comunitária, em bioconstrução.  

Bertioga Nossa! Vila da Mata por Maura Pereira

E foi a partir deste sonho coletivo de construir a sede da Biblioteca Comunitária perto do campinho, formando um complexo cultural e de lazer, que surgiu a parceria com o Sesc. Então, em janeiro de 2022, foi iniciado o curso de longa duração denominado “Bioconstrução para Espaços Comunitários”.  

Escolha do curso de bioconstrução e do professor foi dos próprios moradores | Foto: Fotonativa

Nas aulas, são ensinados o uso e o manuseio de técnicas alternativas, dentro da esfera da permacultura, para o trabalho artesanal e para construção arquitetônica. Visando o resgate dos saberes e fazeres tradicionais, bem como o aprendizado de técnicas modernas, o conhecimento poderá ser replicado, tanto profissionalmente, quanto artisticamente, valorizando o ofício do trabalhador local, e promovendo a comunidade como um todo. O curso tem ainda por objetivo e resultado prático final, a elaboração coletiva e produção do espaço que poderá ser usado como local de sua biblioteca comunitária.   

O projeto foi elaborado de forma totalmente participativa com a comunidade, respeitando o tempo e as dinâmicas necessárias para essas construções. Reforçando o caráter coletivo na elaboração desse projeto, a indicação do profissional João Nunes para ministrar o curso foi da própria comunidade, que há tempos sonhava e pesquisava sobre as técnicas e o professor. Artesão e bioconstrutor, Nunes iniciou suas atividades com o bambu de forma autodidata. Conforme foi se especializando, descobriu novas possibilidades e vantagens no uso da matéria prima. Atualmente se dedica a pesquisar mais de 100 espécies de bambu cultivadas em sua propriedade. Em 2005 fundou a empresa Nunes Bambu, localizada no município de Bertioga. Desde então, sua empresa vem crescendo e diversificando suas atividades. Além da venda de produtos, ministra cursos sobre o uso do bambu e suas aplicações, inclusive  à técnicas de bioconstrução.  

O curso é voltado para os moradores da Vila da Mata, que se encontram aos fins de semana, em suas folgas dos trabalhos prestados, na maioria das vezes, em serviços de construção, reparos e limpeza nas casas dos condomínios dos arredores. Assim, pouco a pouco, se materializa o sonho do espaço comunitário em estruturas de madeira e bambu e paredes de barro, construindo novos conhecimentos e fortalecendo os laços. 

Quem quiser conhecer o local pela voz dos moradores e se inspirar com suas iniciativas, o Sesc realizará junto com a comunidade, o Bate- papo: Vila da Mata – Uma comunidade Ativa!

No encontro, os participantes poderão conhecer o projeto de bioconstrução da biblioteca comunitária, bem como o engajamento dos moradores na luta pela permanência no território e a busca por um bairro sustentável que proporcione qualidade de vida às famílias por meio dos projetos autogeridos.  

*MARCELA OLIVEIRA FONSECA é Educadora Física e Animadora Sociocultural no Sesc Bertioga. 

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