Leia a edição de junho/22 da Revista E na íntegra
Você já se movimentou hoje? Se a resposta for sim, provavelmente outras pessoas do seu convívio dirão que não. Isso porque 50% da população do país é sedentária, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo que entre os jovens, a incidência de sedentarismo é ainda maior. O Brasil se tornou o país mais sedentário da América Latina, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e esse é um quadro preocupante de saúde pública.
Para o preparador físico Marcio Atalla, consultor e colunista de programas de rádio, jornal e televisão voltados à saúde e ao bem-estar, é urgente uma revisão do atual estilo de vida da população brasileira. “Nosso corpo se adapta ao meio ambiente e o meio em que vivemos joga totalmente contra ao que nosso corpo foi programado. Isso acontece porque vivemos num meio de muita tecnologia, onde o movimento está se restringindo cada vez mais”, alerta. Atalla, que já foi treinador de atletas olímpicos e pioneiro ao realizar o primeiro projeto de qualidade de vida em massa, mudando hábitos de vida da população de Jaguariúna, no interior de São Paulo (caso que virou estudo científico publicado na revista Obesity), acredita que todos nós podemos incorporar algum tipo de atividade física ao dia a dia. Este caminho, trilhado passo a passo, não só evitará problemas de saúde a curto, médio e longo prazo, como também promoverá o bem-estar de todas as idades.
Sou mineiro, de Belo Horizonte, fui criado fazendo atividade física e vendo meu pai fazer atividade física. Então, eu tinha o exemplo em casa e ao mesmo tempo uma vivência. O movimentar-se sempre foi importante para mim em todos os sentidos. Por ser uma pessoa muito tímida, essa era uma maneira de entrar nos grupos, fosse na escola ou na rua. A atividade física me fazia quebrar barreiras nesse aspecto social de pertencimento. Quando adolescente, havia o sonho de ser atleta. E aí, eu entrei na faculdade de Educação Física na USP. Quando você entra na faculdade, você tem uma ideia que vai sendo transformada por todas as experiências e oportunidades que são vivenciadas ali. Como eu sempre fui mais ligado ao esporte de competição, foi muito natural que meu caminho, ao me formar, fosse esse.
Depois de me formar, comecei a trabalhar com atletas de tênis, a correr o circuito mundial de tênis feminino com algumas tenistas brasileiras, no início, depois com tenistas estrangeiras. Até que tive a oportunidade de conhecer o Carlão (jogador de vôlei), campeão olímpico de 1992. E ele me disse que tinha alguns problemas físicos de adaptação (do vôlei) na areia, e me fez o convite para prepará-lo ao lado do parceiro Paulo Emílio, para o vôlei de praia. Acabei indo para esse mundo, o que me deu a oportunidade de ir para as Olimpíadas de 2000 (em Sydney, Austrália) com a dupla Shelda e Adriana.
Naquele momento, para complementar o orçamento, morando no Rio de Janeiro, escolhi algumas pessoas para fazer um acompanhamento. Eu sempre tive muito claro que eu tinha que fazer uma diferença na vida dessas pessoas que eu acompanhava como clientes. Então, eu tinha como característica colocar a mesma dedicação e atenção nos meus alunos assim como eu fazia com meus atletas. Por isso, eu falava para eles: “todo dia a gente vai se encontrar e antes de a gente começar, eu preciso saber como você está, porque eu quero te entregar, depois de três meses, assim como faço com meus atletas, qual foi sua evolução”. Foi aí que eu percebi meu primeiro olhar para a questão muito mais da saúde, de quais eram os fatores de risco que dali a pouco poderiam desencadear alguma doença crônica, alguma limitação na vida dos meus alunos. Eu monitorava esses fatores e periodicamente entregava esse resultado para o aluno perceber o valor da atividade física.
Antes das Olimpíadas de 2000, no boom da internet, de muitos sites, eu viajava bastante com atletas e passava muito tempo fora do Brasil, cada semana num país, eram 16 torneios fora do Brasil mais 12 torneios aqui, em cidades diferentes. Uma das coisas que mais me chamavam a atenção era que você tinha esses atletas espetaculares e, ao mesmo tempo, as pessoas que trabalhavam com eles negligenciavam a saúde, eram sedentárias, tinham uma alimentação ruim. Teve uma vez, numa biblioteca pública em Portugal (– sempre pesquisei números de sedentarismo e de obesidade em cada lugar que eu viajava –), que eu consultei na internet esses números. Lembro que em 2000, os Estados Unidos passaram a marca de 50% da população acima do peso e que o Brasil já estava com quase 30%. Aquilo era um reflexo do nosso estilo de vida e era natural que o Brasil e o mundo fossem por esse caminho.
Ao voltar das Olimpíadas, eu decidi dar um passo de transição na minha vida. Resolvi me dar um ano para, paralelamente ao vôlei de praia, montar o que eu acreditava que seria meu propósito. Montei um site que apresentei em diversos lugares e mostrei que a área de saúde do segundo maior portal do Brasil na época só falava de doença. Para trabalhar nesse portal com o meu projeto, eu ia ter que investir nisso. Então, tomei a decisão de deixar o esporte de alto rendimento para realmente mostrar que a nossa saúde começa no estilo de vida que temos, naquilo que a gente faz no dia a dia. Uma pessoa sedentária é uma pessoa potencialmente doente. Por quê? Porque nosso corpo é totalmente desenhado para funcionar com movimento. Tenho muito contato e sou muito respeitado no meio médico. Você não vai encontrar ninguém que seja contra a atividade física, só que ela tem que ser adaptada. Mas, o que a gente vê de 2000 para cá é uma diminuição do nível de atividade física praticada. Com isso, paga-se um preço físico, emocional e cognitivo – hoje há centenas de estudos associando atividade física com capacidade cognitiva na terceira idade. Ou seja, você vai percebendo que a atividade física traz enormes ganhos. Ela foi o pilar que eu escolhi para entrar em veículos de comunicação e ser a espinha dorsal do que eu ia comunicar.
Será que eu realmente preciso estar numa academia ou ter uma atividade programada para ser ativo? Essa é uma questão que me inquietava. Em 2016, fiz uma intervenção em Jaguariúna de tentar mudar o estilo de vida de uma população inteira (na época, 50 mil habitantes). Conseguimos mudar hábitos de 40% da população. É aí que entra uma abordagem populacional na qual eu acredito: do movimento com regularidade e não necessariamente de uma prática esportiva. Claro que a prática esportiva vai te trazer ganhos inacreditáveis, mas tem muita gente que não tem aptidão, disciplina ou não vai conseguir se engajar com a atividade. Mas, ser fisicamente ativo, independe disso. Então, após essa intervenção, viajei para a Coreia, Finlândia, Dinamarca, Estados Unidos e outros países com o objetivo de ver e entender como o movimento é tratado como uma política de saúde pública, e encontrei números que nos fazem pensar.
Os Estados Unidos são o país com o maior número de academias e o maior número de pessoas matriculadas em academias: quase 18% da população. Só que ele tem mais de 70% da população sedentária e acima do peso. Já em Copenhague, menos de 3% das pessoas estão matriculadas em academias, porém 80% da população é fisicamente ativa. Por quê? Porque lá se anda de bicicleta ou a pé, porque a capital da Dinamarca tem o movimento incorporado ao dia a dia dos seus habitantes. Outro exemplo é Seul [capital da Coreia do Sul], uma cidade muito grande, como São Paulo, que encontrou a atividade física programada como um meio de promover a saúde pública, com premiações aos praticantes e uma série de outros benefícios.
Todo mundo é apto ao movimento e todo corpo vai reagir bem ao movimento. O corpo se adapta ao meio ambiente, e o meio em que vivemos joga totalmente contra ao que o corpo foi programado. Isso acontece porque vivemos num meio de muita tecnologia, onde o movimento está se restringindo cada vez mais. O homem inventou o fogo, a roda, o controle remoto e agora inventou as plataformas de videochamadas, e a gente vai reduzindo cada vez mais o movimento. Quer dizer, o ser humano precisou do movimento para sobreviver, e quem não se movimentou não sobreviveu – e nosso código genético é desenhado para funcionar com movimento. Desde o final da década de 1990, essa é a primeira geração que vai ter que adotar o movimento como uma escolha consciente. Ele não é mais inerente ao nosso estilo de vida. Até o final da década de 1980, um brasileiro andava 10 mil passos por dia. Não era por consciência, era automático, era por causa do meio ambiente em que a gente vivia. Os adolescentes eram fisicamente ativos porque havia a brincadeira na rua. Hoje, o Brasil tem 83% dos adolescentes que não fazem o mínimo de movimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), porque a brincadeira é na ponta do dedo. Então, o meio em que vivemos pode jogar contra a atividade física.
Ninguém cria um hábito sem repetição. E para você repetir tem que ser fácil. Quando eu entrevistei Wendy Suzuki, professora de Ciências Cognitivas e Psicologia da Universidade de Nova York, para o documentário Vida em movimento (2019), ela falou que demora cerca de três meses para a gente criar uma conexão no hipocampo e passar a executar uma tarefa não com prazer ou felicidade, mas sem ter que decidir se vai fazer ou não. Então, nos três primeiros meses, não adote nenhuma dieta radical, não queira sair correndo 10 km todo dia, porque seu corpo vai lutar contra, uma vez que ele saiu muito do padrão ao qual está acostumado. Ela fala o seguinte em relação à atividade física: “Escolha aquela que você consiga fazer todo dia”. É subir escada, uns três andares? Então, comece por aí. É dançar 15 minutos com seu filho? Ou seja, esse vai ser um processo, e essa primeira parte do processo, que é a construção do hábito, tem que ser muito simples e fácil. Teve um número da Associação Brasileira de Academias divulgado no ano passado que surpreende. Do total de quem se matricula agora, daqui a três meses, 64% não voltam mais para a academia, mesmo que tenham pago um plano anual. E em um ano, menos de 4% renovam a matrícula.
Onde começa a doença? A doença começa no estilo de vida. A pessoa que corre meia hora na esteira, mas passa o resto do dia sentada e não caminha, também precisa tomar cuidado. São aqueles pequenos hábitos que fazem muita diferença. Então, hoje, a grande mensagem que a gente tem que passar para as pessoas é essa construção do pouquinho a pouquinho, do hábito que você vai mudando, que faz a roda girar e que torna você um pouco mais ativo. Não se trata de colocar metas do tipo “Você tem que fazer isso e aquilo”, porque a pessoa acaba desistindo ou se frustra, e a gente tem visto que a conta não fecha lá na frente.
MARCIO ATALLA esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E no dia 27 de abril de 2022.
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Nesta edição, celebramos os 30 anos da ECO-92, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento que, no começo da década de 1990, propôs uma série de debates e compromissos dos quase 180 países participantes com a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente. Nesta reportagem, propomos um resgate histórico sobre os marcos e conquistas ambientais no Brasil e no mundo e revelamos quais os ecos da ECO-92 três décadas depois de sua realização.
Além disso, a Revista E de junho traz outros destaques: uma reportagem que destaca a diversidade de estilos, formações e técnicas na produção contemporânea de música de câmara; uma entrevista sobre parentalidade com a psicanalista Vera Iaconelli; um depoimento de Zezé Motta sobre os mais de 50 anos de carreira; um passeio visual pelas obras da exposição Xilograffiti, em cartaz no Sesc Consolação; um perfil de Lygia Fagundes Telles, um dos maiores nomes da literatura brasileira; um encontro com Marcio Atalla, que defende a adoção de uma vida mais ativa para o bem-estar a e saúde a longo prazo; um roteiro por 5 espaços que celebram a cultura japonesa em SP; o conto inédito “Careiro”, assinado pela escritora Paulliny Tort; e dois artigos que celebram o legado do sociólogo e crítico literário Antonio Candido.
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