Mariana Ayelen tem uma história marcada pela transição e ressignificação dos palcos. Atriz, professora, contadora de histórias e estudante de tradução e interpretação de Libras, ela compartilha, para a Semana Modos de Acessar, um pouco de sua história da Libras no Teatro.
O inicio foi em um teatro na Lapa, em São Paulo. Ea frequentou, ainda criança, um grupo, acompanhada de seu pai e irmã. A maioria das pessoas desse grupo eram ouvintes, sendo ela a única surda, e, algumas vezes. a comunicação era feita por mímicas. A jornada seguinte de Mariana foi na escola, no ensino fundamental, onde havia um grupo de teatro.
Entre as entradas em grupos de teatro, durante este período, Mariana realizou graduação em pedagogia, pela PUC-SP, e Pós-Graduação em arte, filosofia e educação. A especialização, além de conhecimento e trocas de experiências, trouxe um novo contato, o grupo de teatro Recriarte. “Nessa equipe, você tinha surdos e ouvintes, participando e interagindo. Esse foi o momento para olhar para mim, para minha prática e minhas experiências”, relata a atriz.
Se antes os grupos eram temporários, com comunicações limitadas apenas a gestos, visto que os ouvintes não conheciam a Língua brasileira de sinais (Libras), esse novo momento trouxe outras reflexões. Segundo a atriz, ela percebeu “que eu só conhecia os aspectos visuais da arte, mas, naquele momento do curso, eu pude perceber que a arte é muito mais profunda do que isso. E isso foi me instigando a ter curiosidade, a pesquisar mais. Fui aprendendo coisas muito legais, fui entender como as pessoas trabalham a voz, e como eu tenho que trabalhar as minhas expressões e a minha mão”.
A vontade de aprimorar as habilidades artísticas levou Mariana a participar de uma oficina promovida pelo Sesc Vila Mariana, em 2017, com o coletivo @somosgrão. “Era uma oficina de acessibilidade, que trabalhou com o audiovisual. O melhor era ter contato com ouvintes, cegos, surdos”, relembra a atriz. Ao final da oficina foi produzindo o longa metragem “De Escuros e Silêncios“.
Após o longa metragem ser finalizado, Mariana passou por um momento decisivo em sua carreira, foi convidada para participar do Coletivo GRÃO – Arte e Cidadania, que estava trabalhando em uma nova peça: “O Rouxinol e a Rosa”, adaptação do conto de Oscar Wilde. A peça foi contemplada pelo edital no 23º Cultura Inglesa Festival, bem como destaque no site especializado em peças infantil “Pecinha é a vovozinha“. “Isso fez com que eu alcançasse um status profissional, enquanto atriz, enquanto trabalho de corpo, enquanto alguém que representa a comunidade surda e mostra sua capacidade profissional”, enfatiza Mariana.
O novo desafio era como tornar a Libras mais do que um recurso, mas uma atuação. Mariana pensava sobre isso antes mesmo de ingressar no Coletivo GRÃO – Arte e Cidadania. Ela relembra a experiência em peças teatrais que contavam com intérpretes, e que esses a incomodavam. O motivo era a perda de atenção ao olhar o intérprete, para entender as falas, tornando a atenção no palco e nos atores menor. Ela, então, passou a se questionar o que poderia fazer para melhorar isso.
A peça trouxe outros desafios, além de uma atriz surda, havia também um ator cego e um ator ouvinte e vidente. Tudo isso foi uma novidade para Mariana, que relatou que era um desafio pensar em formas de comunicação com o cego, e como tudo isso poderia funcionar no palco. “A gente teve que pensar em estratégias para que essa interação pudesse ser com comunicação. Eu tive o mesmo desafio de ouvintes aprendendo a língua de sinais”, relata Mariana.
Outra experiência que auxiliou a atriz a desenvolver expressividade foi a participação nos Slams do Corpo Sinalizante. Segundo ela, isso a instigou a olhar o corpo enquanto recurso. “Tem uma questão na língua portuguesa e a língua de sinais, que se encontram. Então, participar dos slams e corpo sinalizante foi provocativo, não tinha teatro, mas na poesia a gente colocava surdo e ouvintes. Pensar isso com performance foi algo muito interessante e um enorme aprendizado”, afirma Mariana.
Para além do teatro e poesia, Mariana também é contadora de histórias com o grupo “Mãos de Fadas”, em conjunto com a intérprete Talita Passos. As contações são tanto para crianças surdas quanto ouvintes, mas as histórias são pensadas principalmente para os adultos. “Eu acho que é uma oportunidade da gente dizer para as pessoas [ouvintes]: ‘olha eu sou surda, como vocês se comunicam com uma pessoa surda?!’. Eu acho que esse é o momento que os ouvintes se sentem incomodados, ficam pensando em como fazer, ficam pensando em estratégias, e é muito legal, porque a gente ensina nesse espaço como lidar, a buscarem isso e se questionarem”, finaliza Mariana.
O vídeo conta a história de uma pessoa que está separando roupas para doação, mas em um dado momento as roupas ganham vida.
Acompanhe abaixo a performance:
—
A Semana Modos de Acessar, ação do Sesc São Paulo, acontece de 3 a 10 de dezembro e promove diversas atividades para incentivar a participação social das pessoas com e sem deficiência. Diante do momento de pandemia, o evento acontece inteiramente no ambiente digital.
A apresentação de Mariana Ayelen é uma das sete que compõem a apresentação proposta pelo Coletivo Home Art.
Acompanhe mais apresentações em www.sescsp.org.br/modosdeacessar.
***Entrevista realizada por plataformas virtuais com auxílio de intérpretes em Libras:
Claudia Regina Vieira – Bacharela em Letras Libras pela UFSC com polo na Unicamp. Docente na Universidade Federal do ABC – UFABC e do Programa de Pós graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Com pesquisas e trabalhos com ênfase na Educação de Surdos e Língua de Sinais.
Andrey Gonçalves Batista. graduação em tradução e interpretação de Libras. Intérprete da Universidade Federal do ABC.
Utilizamos cookies essenciais, de acordo com a nossa Política de Privacidade, para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando, você concorda com estas condições.