Descolonizando o pensamento: Ciência e Tecnologia Africana e Afrodescendente

07/01/2022

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*Carlos Eduardo Dias Machado e Ana Carolina dos Santos Ferreira

Quantas pessoas poderiam nomear um cientista negro? Ou descrever quaisquer realizações científicas que ocorreram no continente africano?  

Essa ignorância tem sérias implicações para a autoestima de uma parcela muito importante da população brasileira. A diversidade de culturas, histórias, tecnologias e inovações é enorme e desconhecida do grande público e são esferas do conhecimento gerado por africanas e africanos. A maior parte deste potencial e riqueza de conhecimento nunca vê a luz do dia no Brasil e em diversos países do mundo.  

“Descolonizando o pensamento: Ciência e Tecnologia Africana e Afrodescendente”, projeto do Sesc Guarulhos realizado durante o mês de novembro e que integra a ação em rede “Do 13 ao 20: (Re) Existência do Povo Negro”, é uma tentativa de combater o racismo e valorizar pessoas pretas (negras e pardas), destacando a participação na história através da ciência.  

A ação foi realizada no Instagram do Sesc Guarulhos, com vídeos curtos (reels) gravados pela atriz guarulhense Adriana Lessa e a cantora MC Soffia.

Apresentar essas informações e incentivar que elas cheguem ao maior número de pessoas é destacar referências positivas para crianças e jovens, desconstruir estereótipos e reforçar que a história africana e afrodescendente não se resume a escravidão.  

Pessoas pretas sabem muito mais do que trabalhar duro em tarefas braçais, correr, dançar, cantar ou jogar futebol!  

Descolonize-se!

Livros disponíveis para consulta e empréstimo na biblioteca do Sesc Guarulhos. Foto: Thamires Motta

Carlos Eduardo Dias Machado, bacharel, professor e mestre em História Social pela USP orientou e escreveu os textos sobre inovações e tecnologias africanas que foram apresentados pela cantora MC Soffia e pela atriz Adriana Lessa.

Carlos Machado tem experiência na área de História, atuando principalmente nos seguintes temas: branquidade, políticas públicas, negros; relações raciais; negros na ciência, tecnologia e inovação, ações afirmativas, diáspora africana e história da África. Foi consultor da Editora Moderna na área de história da África e dos afrobrasileiros e atualmente é articulista na revista Raça Brasil, palestrante, professor da SME-PMSP e escritor dos livros ‘Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente’ e ‘Wakanda para sempre!: Tradições africanas milenares decifradas para entender o filme Pantera Negra’. O professor explica a importância de conhecer e compreender com profundidade onde as descobertas africanas começaram:

“O continente africano tem o registro mais antigo do mundo de conquistas tecnológicas humanas: as ferramentas de pedra mais antigas do mundo foram encontradas na África Oriental e evidências da produção de ferramentas por nossos ancestrais hominídeos foram encontradas na África Subsaariana.

Ciência é um empreendimento sistemático que constrói e organiza o conhecimento na forma de explicações e previsões testáveis sobre o universo. As raízes mais antigas da ciência podem ser encontradas no Egito Antigo (Kemet – Terra Preta) e na Suméria (Povo de Cabeça Negra) por volta de 3000 a 1.200 a.C. 

Começando por volta de 3000 a.C, os antigos africanos desenvolveram um inovador sistema de numeração de caráter decimal e orientaram seu conhecimento de geometria para resolver problemas práticos, como os de topógrafos e construtores. Desenvolveram um calendário oficial que continha 12 meses, 30 dias cada e 5 dias no final do ano, base do calendário gregoriano ocidental. Com base nos papiros médicos escritos entre 2500-1200 a.C. os antigos norte-africanos acreditavam que a doença exigia tratamentos com drogas, terapias de cura, cirurgias e rituais.

Desde o século 15 da nossa era, a história da ciência e tecnologia africana e afrodescendente tem recebido pouca atenção em comparação com outras regiões do mundo, devido à escravidão, colonialismo e racismo promovido por europeus e descendentes, apesar dos notáveis desenvolvimentos africanos em agricultura, pecuária, matemática, metalurgia, astronomia, arquitetura, urbanismo, medicina, botânica, geografia, letras e outros campos.

A quantidade de invenções e inovações negras da pré-história, antiguidade até os dias atuais são diversas e muitas delas fazem parte do nosso cotidiano e precisamos conhecer o legado africano na ciência e tecnologia para termos um novo olhar sobre o povo negro, numa realidade em que somos minoria na universidade brasileira, apesar de sermos 56% da população nacional (mais de 119 milhões de negras e negros).”

Carlos Eduardo Dias Machado. Foto: Thamires Motta

Confira o conteúdo apresentado nos vídeos curtos publicados pelo #SescGuarulhos:

Influência Africana no nosso Cotidiano

A Cultura Negra contribuiu com a ciência, a tecnologia e a inovação. Produtos indispensáveis no nosso dia a dia têm origem em África ou foram criados por afrodescendentes.

O algodão, por exemplo, foi plantado e fiado há sete mil anos, onde agora é o Sudão.

O microfone é invenção de um cientista preto dos Estados Unidos chamado James West. Já a calculadora foi inventada na República Democrática do Congo.

O Egito é na África

Em três mil anos de história a civilização egípcia (Kemet) criou muito, como as pirâmides, que eram túmulos reais e de altos funcionários da corte, e criações que utilizamos até hoje, como o domínio de culturas agrícolas que deram produtos como o vinho e a cerveja.

Inventaram o queijo, o calendário de 365 dias, as primeiras estradas pavimentadas, o método científico, a universidade, as bases da medicina e da química e a indústria da moda.

Contribuições africanas para a ciência, tecnologia e desenvolvimento na América

Por volta de 3 mil anos antes da era comum, os norte-africanos desenvolveram um sistema de numeração e orientaram seus conhecimentos de geometria para a solução de problemas práticos, como os de topógrafos e construtores. O triângulo retângulo 3-4-5 e outras regras de geometria foram usados para construir estruturas em linhas retas e a arquitetura de poste e lintel do Egito.

A mina mais antiga conhecida é Ngwenya em Esuatíni (antes chamada de Suazilândia), e tem 43 mil anos de idade. Neste local, extraíam hematita para fazer o pigmento vermelho ocre.

Há registros de ferro na África subsaariana em dois mil e quinhentos antes da era comum. 

Antes do século 19, métodos africanos de extração de ferro eram empregados no Brasil. No final do século 16 e no século 17, houve a mineração de ouro no atual norte de Guarulhos, na região onde atualmente é o bairro de Lavras, em 1590. A mineração usou a mão de obra africana, principalmente os de origem sudanesa.

Inovações Afrodescendentes no Século 21

Marcelle Soares-Santos é astrofísica afro-brasileira e professora da Universidade de Michigan (EUA), foi bolsista da Fundação Alfred P. Sloan, que seleciona os melhores jovens cientistas do mundo. Ela estuda a matéria escura do universo.

A biomédica negra Jaqueline Góes de Jesus, fez parte da equipe responsável pelo sequenciamento genético do COVID-19 logo após os primeiros casos da doença no Brasil.

Moogega Cooper é uma astrônoma afro-americana e líder de Proteção Planetária da Missão Marte 2020 e a Missão InSight da NASA.

O doutor Monty Jones, um cientista vegetal de Serra Leoa, tornou-se o primeiro africano a ganhar o Prêmio Mundial de Alimentos em 2004 por seu trabalho inovador no desenvolvimento do Novo Arroz para a África (Nerica), um tipo resistente à seca, de alto rendimento e rico em proteínas e é ministro da agricultura do seu país.

Já o doutor Elliott Dossou-Yovo, da Costa do Marfim, é agrônomo, liderou sistemas inovadores de gerenciamento de água para a produção de arroz e ganhador do Prêmio Norman E. Borlaug de Pesquisa de Campo e Aplicação em 2021.

Conhecimento é poder

O Projeto Descolonizando o Pensamento irá disponibilizar na Biblioteca do Sesc Guarulhos parte do acervo do historiador Carlos Machado/Gyasi Kweisi com 2 livros para consulta e empréstimo: 

Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente. Brasília. Fundação Cultural Palmares, 2014.

Primeiro artigo impresso do autor baseado na Conferência: “Culturas Negras: Imagem, Imaginário e Estereótipos”. Realizado na sede da Fundação Cultural Palmares em Brasília, no dia 13/11/2013. O evento teve como palestrantes os Professores Nelson Inocêncio, Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, da Universidade de Brasília e o Mestre em História pela Universidade de São Paulo, Carlos Machado, para o Ciclo de Palestras Conheça Mais – Cultura Afro-brasileira: Nosso Patrimônio.

Ciência, Tecnologia e Inovação Africana. In: Coleção Pensamento Preto – Epistemologias do Renascimento Africano – Volume IV. São Paulo: Editora Filhos da África, 2020.

Artigo que trata da produção inovadora, tecnológica e científica dos africanos e descendentes desde a evolução do Homo sapiens na África há 350 mil anos atrás, assunto estrategicamente ocultado pelos eurodescendentes, abordando temas como racismo religioso, racismo científico, governança africana, origem da química, matemática, agricultura, medicina, filosofia e design. Inclui notáveis cientistas e inventores africanos e afrodescendentes de diversas épocas.

As inovações, criações e estudos africanos e afrodescendentes são inúmeros, e infelizmente, ainda pouco conhecidos. Que tal ajudar a disseminar esse conhecimento? Compartilhe esse texto ou aproveite os livros disponíveis na nossa biblioteca. Descolonize-se!


*Carlos Eduardo Dias Machado é bacharel, professor e mestre em História Social pela USP, atuando principalmente nos seguintes temas: branquidade, políticas públicas, negros; relações raciais; negros na ciência, tecnologia e inovação, ações afirmativas, diáspora africana e história da África. Foi consultor da Editora Moderna na área de história da África e dos afrobrasileiros e atualmente é articulista na revista Raça Brasil, palestrante, professor da SME-PMSP e escritor dos livros ‘Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente’ e ‘Wakanda para sempre!: Tradições africanas milenares decifradas para entender o filme Pantera Negra’.

*Carol Ferreira é mulher negra, jornalista, especialista em Marketing e pós-graduanda em Mídia, Informação e Cultura. Animadora Cultural no Sesc. Em Guarulhos, responsável pela programação nas áreas Infâncias e Juventudes, Diversidade Cultural, Direitos Humanos e Idosos.

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