Retrato de Vilém Flusser por Thilo Mechau
O filósofo Vilém Flusser é reconhecido por suas reflexões originais sobre linguagem, mídia, tecnologia e comunicação. Com curadoria do Prof. Dr. Norval Baitello Junior e da pesquisadora Camila Garcia, a exposição Flusser e as dores do espaço, que acontece no Sesc Ipiranga, propõe criar materialidade e visualidade para o pensamento do filósofo a partir de 9 módulos expositivos, com intervenções, instalações artísticas, ambientes, além de atividades educativas.
A curadoria elegeu como fio condutor uma das alegorias de Vilém Flusser: a escada da abstração, ideia que reflete a perda gradativa do referencial espacial na mediação do ser humano com seu entorno. Para Flusser, o descer da escada reflete a operação humana na cultura, que se distancia do concreto da sua existência no mundo ao encontrar meios de apreendê-lo e representá-lo de forma cada vez mais abstrata. Organizada em nove módulos expositivos, “Flusser e as dores do espaço” explora os insights ensaísticos da abordagem arqueológica de Flusser sobre o ser humano.
A exposição é aberta com uma introdução à biografia do filósofo. Na parede curva do vão central da unidade situa-se “Sem Chão”, intervenção com verbetes, além de objetos, documentos e fotografias. Cada um deles, contudo, está encerrado em dezenas de pequenos compartimentos que o visitante abre aleatoriamente, ao sabor de sua curiosidade. A área de convivência, por sua vez, recebe o ambiente “O vento e a fuga”: detrás de uma cortina de fotografias rasgadas, chega-se a uma mesa com tablets e monitores com 4 entrevistas de Flusser com Miklós Peternak e 4 vídeo-ensaios de Danson Knetsch, sobre a condição de apátrida e o sentimento de exílio cultivados pelo filósofo durante sua vida.
A testeira do quintal do edifício recebe a intervenção “Vampyroteuthis infernalis”, nome científico do molusco abissal conhecido como lula-vampira-do-inferno, e também título de livro de ficção de Flusser de 1988. Ali, são exibidos painéis e imagens em 3D com ampliações das assustadoras ilustrações de Louis Bec (Argélia, 1936) em parceria direta com o filósofo, feitas especialmente para a publicação.
“O concreto e a areia ou o mundo das não-coisas” é o nome da instalação do artista Renato Sass com cerca de 70 QR Codes impressos em vinil na parede do solário, numa espécie de painel voltado para o quintal. Convidado a “ler” por celular os códigos, o visitante acessa conteúdos, adentrando um universo vivo de seres, cores, sons, conceitos e paisagens que, aleatoriamente, propõem a criação de um jogo de enigmas, nas palavras do artista “Como uma `coleção de passagens´, cada ponto não se encerra: para cada visualização desvendada pelo código, a premissa da próxima e estranha descoberta”.
No ambiente “Celeiro de ideias”, no galpão externo, encontram-se textos datilografados, cartas, fac-símiles de colunas e polêmicas em artigos de jornais, livros publicados e traduzidos, áudios, depoimentos em vídeos de amigos, entrevistas, registros fotográficos e projetos especiais dentro de uma atmosfera que alude aos Internationalen Kornhaus-Seminare [Seminários Internacionais do Celeiro], organizados por Harry Pross na aldeia de Weiler nos Alpes alemães de 1984 a 1993, nos quais Vilém Flusser envolveu-se em acaloradas discussões com intelectuais europeus.
Na mostra de artes visuais “Seção dos artistas”, os curadores partiram de textos críticos de Flusser para reunir fotografias, gravuras, desenhos, pinturas, colagens e tapeçaria de artistas de seu relacionamento como Antônio Henrique Amaral, Edmar de Almeida, Ely Bueno, Fred Forest, Gabriel Borba, Haroldo de Campos, Mira Schendel, Niobe Xandó, Samson Flexor e Sérgio Lima. Como não poderia deixar de ser, os textos também são apresentados num diálogo direto com cada uma das obras na galeria.
O celebrado texto “Filosofia da Caixa Preta – Ensaios para uma futura filosofia da fotografia”, originalmente publicado na Alemanha como “Für eine Philosophie der Fotografie” em 1983, é o ponto de partida para o módulo “Caixa-Preta”, ambiente escuro semelhante a um estúdio fotográfico, repleto de aparelhos e objetos produtores de imagens técnicas – câmeras diversas, projetores, rolos de filme, chapas de vidro e celulares – que o público pode tatear às cegas à medida que ouve um áudio.
Para Flusser, a escrita é cálculo, processo de codificação em dígitos de um mundo cênico. A partir dessa reflexão, a intervenção “O gesto e a escrita”, situada na parede entre as galerias, propõe uma atividade improvável, em que o visitante faz uso de linha para criar um colar de contas com combinações de letras, ideogramas e pictogramas que é afixado com pinos a uma superfície de madeira, criando uma instalação coletiva a que se somam diversas camadas de escrita.
O último ambiente de “Flusser e as dores do espaço” chama-se “A casa furada”, reduto da intimidade que ora não mais nos protege do mundo. Ele perfaz o que Flusser chama de “terceira catástrofe da humanidade”, precedida por duas outras, a do bipedismo e a da sedentarização. Na casa com janelas e portas lacradas, aparentemente segura do ambiente externo, uma sala branca, um pouco suja, e excessivamente iluminada, tem suas paredes preenchidas por dezenas de telas novas e antigas de TV, além de aparelhos celulares ligados, furos e espelhos de tomadas, por onde o ambiente é invadido pela “ventania da informação e o furacão da mídia”. Nesse documentário sonoro, pensado como uma colagem informacional, a sensação de acolhimento e segurança do lar se esvaem, compondo um cenário de catástrofe.
“O concreto da presença no presente do gesto e do corpo, o registro de cenas em superfícies bidimensionais, a linha unidimensional dos códigos da escrita, e o vazio espacial dos algortimos computacionais são alegorizados por Flusser como uma escalada decrescente rumo a abstração, na qual, descer um degrau, equivale a subtrair uma dimensão espacial na forma de concebê-lo. Nesse pensamento: subtrair é abstrair”, arrematam os curadores.
Vilém Flusser
Nascido em Praga, na República Tcheca, em 1920, Vilém Flusser veio para o Brasil em 1941, fugido do avanço das tropas nazistas, fixando-se em São Paulo. Sua condição de exilado está refletida no plano filosófico de toda sua obra, em temáticas que vão da teoria da linguagem verbal aos gestos humanos, passando por preocupações com o futuro da escrita e das comunicações e, principalmente, nos conceitos da pós-história e da imagem técnica. Em 1972, inconformado com o período ditatorial, Flusser retorna à Europa, onde sua obra ganhou maior divulgação. No Brasil, a valorização de seu legado intelectual tem se dado de forma relativamente recente se comparada ao seu reconhecimento no exterior. Traduzida para mais de 20 línguas, sua produção está organizada desde 1992 e encontra-se salvaguardada em edições originais em alemão e, sobretudo em português, em arquivos digitalizados de textos, além de dezenas de horas de áudio e vídeo no “Vilém Flusser Archiv”, na Universidade das Artes – UdK (Berlim), e também no Arquivo Vilém Flusser São Paulo, no campus Ipiranga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP.
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Sesc ao pé do ouvido
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Bom para acompanhar você quando estiver correndo, com saudade do Angeli e do Laerte dos anos 80 e outras cositas más. Chega mais!
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