Por Jailton Carvalho
Mulheres na periferia, desde que me conheço por gente, sempre trabalharam por conta própria. Sustentaram casas onde pais estavam desempregados, ou onde nem havia pais.
Cresci em São Matheus, zona leste da cidade de São Paulo. Fui criança nos anos 80 numa periferia típica de uma grande cidade brasileira, convivendo com violência, pobreza, precariedade, desemprego, preconceito, mas também com as estratégias criadas pelos moradores da quebrada: rede de solidariedade para cuidar das crianças dos vizinhos na ausência de creches, mutirões para encher a laje e ajudar na construção de casas populares na ausência de políticas habitacionais, a senhora que vendia leite fermentado com lactobacilos vivos, o tiozinho do carrinho de sorvete, as tias que vendiam cosméticos ou roupas por catálogos, ou as famosas reuniões para vender roupas íntimas e que nos instigava a curiosidade, pois nestes encontros, os moleques não eram bem-vindos. Sem esquecer dos cuidados das benzedeiras, tão procuradas e respeitadas quanto os (raros) médicos do postinho mais próximo.
Estamos em 2022 e o Brasil passou da década perdida (anos 1980) para a sexta maior economia mundial, em 2011, e para um novo momento de crise nos últimos anos. Passamos de um cenário no qual nossos pais na periferia tinham – quando muito – estudado o primário ou ginásio para um momento atual no qual muitos de nós foram os primeiros da família a terem terminado uma faculdade.
Neste período histórico, o Sesc também mudou, sendo mudado e mudando o contexto em sua volta, ocupando territórios, se fazendo presente em diversas frentes de ação cultural e se comprometendo com o bem estar não só dos comerciários mas de pessoas com baixa renda e que também vêm utilizando os seus serviços. Tomou corpo, consciência e força nesta instituição ações programáticas em prol do Meio Ambiente, da Acessibilidade, Sustentabilidade, afirmação das Diversidades.
Aqui no Sesc Pinheiros, temos acompanhado essa mudança e nos aproximado dos conceitos da Economia Solidária, da formação de Redes, do protagonismo periférico, feminino, negro. A partir de uma parceria realizada em 2015, com o Centro de Convivência e Cooperativa – CECCO Previdência e a UBS Boa Vista, equipamentos públicos ligados à Saúde Mental, entramos em contato com o Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã, que também é um equipamento público nascido na luta antimanicomial e que realiza a inclusão de pessoas com deficiência intelectual no mercado de trabalho. Além disso, ainda promove o comércio justo, valoriza a agroecologia e os pequenos produtores familiares que encontram no Ponto um local para comercializar seus produtos.
Desses encontros, também tomaram parte o Núcleo de Economia Solidária – NESOL/ USP e a Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã. Desde então, regularmente, temos oferecido atividades culturais, artísticas ou formativas conduzidas sobretudo por mulheres participantes destes grupos para os usuários do CECCO e da UBS.
Durante a quarentena, a partir de 2020, a Unidade tomou a iniciativa de mapear o território e reconhecer na vizinhança os coletivos de artistas, permacultores, associações, entre outros que porventura estivessem em dificuldades e pudessem contar com a parceria do Sesc Pinheiros para auxiliar a manter as atividades apesar das complexidades advindas da pandemia.
Neste território entre Jardim Jaqueline, COHAB Raposos Tavares e Jardim D’Abril, também descobrimos que há um movimento muito forte de solidariedade conduzida pelo Espaço Cultural Cachoeiras, que distribuiu toneladas de alimentos orgânicos entre os moradores, em uma ação que envolvia a Rede Butantã, Rede Zona Oeste Contra a COVID-19, escolas públicas e a Coalizão Negra por Direitos. Esta iniciativa nos mostrou a importância e força que podem ter as soluções locais e nos inspirou a participar ainda mais fortemente como parceiros destes grupos que já vem atuando com tanta propriedade em seus territórios.
Neste sentido, ainda durante a quarentena, incluímos o grupo do CECCO/UBS no Programa Mesa Brasil SP e iniciamos junto aos moradores da COHAB Raposo Tavares, Comunidade Viela da Paz e funcionários do Ponto de Economia Solidária do Butantã uma série de atividades formativas, elaboradas em conjunto, para instrumentalizar estes moradores com o objetivo final de criar, nas duas comunidades, Pontinhos de Economia Solidária, nos moldes do único existente na cidade, situado na mesma região.
Em encontros on-line, paradoxalmente, também nos aproximamos mais da Feira Agroecológica de Mulheres no Butantã, que nos apresentou esta maneira de construir juntas, num processo que é mais lento, mas que ouve todas as partes, que assume os riscos da autogestão. Tais encontros têm sido um aprendizado para a equipe do Sesc Pinheiros: educação anti-racista, feminista, de valorização do comércio justo, da agricultura familiar, alimentação saudável e cooperativismo em rede são pontos em comum entre estes grupos e o Sesc, que os tem assumido como princípios norteadores de nossas ações programáticas.
Esse olhar para o território, para os processos e para a ação em rede tem se descortinado e mostrado um cenário esperançoso, pleno de potências, povoado de atores e principalmente atrizes que estão muito conscientes de seu papel, de modo que tem sido uma nova fase em meu percurso de trabalho o poder dividir este esperançar com os vizinhos e vizinhas da ponte pra cá e da ponte pra lá. Sem perder a humildade de se assumir como apenas uma parte de uma rede extensa de grupos, coletivos e instituições, não podemos esquecer a força que tem o Sesc na região onde atua e a importância de sermos mediadores e difusores desses saberes e fazeres.
É, portanto, com imensa alegria e senso de responsabilidade que recebemos no Sesc Pinheiros a abertura desta ação em rede Nós: criação, trabalho e cidadania. O Sesc SP pretende consolidar o trabalho de Valorização Social desenvolvido pelas Unidades, uma ação que pretende dar maior visibilidade para iniciativas que fomentam a inclusão produtiva, a geração de renda e o desenvolvimento comunitário.
NÓS NO SESC PINHEIROS
Em Pinheiros, abriremos a ação Nós: criação, trabalho e cidadania com um bate-papo sobre o contexto atual das Feiras que acontecem na cidade de São Paulo, a diversidade, o protagonismo e trabalho em rede. Para tanto, contaremos com as presenças de Milena Nascimento (Rede Nois por Nois), Ana Luzia Laporte (Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã), Ednusa Ribeiro (Coletivo Meninas Mahin) com mediação de Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta.
A Praça da unidade receberá uma Mostra de Iniciativas, com a participação de algumas das principais Feiras que se desenvolveram na cidade de São Paulo principalmente na última década, destacando a Rede Nóis por Nóis, coletivo formado na região do Grajaú, extremo Sul da cidade, que além de fortalecer a economia local de forma solidária, busca criar um espaço de trocas e vivências culturais, oferecendo atividades como meditação e terapias.
Outro destaque é o Coletivo Meninas Mahin, idealizadoras da Feira Afro Meninas Mahin, com sede na Zona Leste de SP (Cidade A.E Carvalho). O grupo, cujo nome faz referência a uma ex-escrava de origem africana, radicada no Brasil, que teria participado na articulação dos levantes de pessoas pretas que sacudiram a Bahia nas primeiras décadas do século XIX, fomenta o empreendedorismo de mulheres negras contemporâneas, inserindo-as no mercado de trabalho através da realização de diversas feiras durante o ano, buscando parceiros públicos e privados e ocupando espaços públicos na cidade.
Por fim, teremos a participação da Feira Agroecológica de Mulheres no Butantã. O coletivo está situado na Zona Oeste de SP e se articula com a Rede local que envolve diversas atrizes sociais, coletivos, associações e equipamentos públicos que discutem e trazem para o cotidiano os princípios da Economia Solidária como autogestão, respeito à diversidade, igualdade, inclusão social.
Fico imaginando que aquelas meninas que brincavam nas quebradas de queimada, pega-pega, corre-corre hoje em dia coordenam estes coletivos e organizam estas feiras. Se mulheres trabalhando por conta própria e sustentando famílias não são novidade: novidade é serem chamadas agora de empreendedoras e estabelecerem suas redes de contato. Novidade é a apropriação, por parte destes grupos, de editais como o VAI (municipal) ou o Proac (estadual) para manter e ocupar os espaços públicos com dignidade. Novidade são os aportes da Economia Solidária a que estes coletivos de mulheres têm acesso agora.
Vemos aí uma valorização do protagonismo feminino, um esforço para fortalecer a formação de redes e o trabalho cooperativo. Isso se reflete em ações como os cuidados terapêuticos para mulheres, presente na Feira Agroecológica de Mulheres no Butantã ou na ênfase no afroempreendedorismo do Coletivo Meninas Mahin ou ainda no Laboratório de Inovação em Economia Periférica da Rede Nóis por Nóis.
Todos estes aspectos que nos deparamos no dia a dia do trabalho destes grupos são também tijolinhos que vão nos ajudando enquanto instituição a criar estes espaços de abrigo e convivência, nos quais cabem nossas lembranças, nossa bagagem, nosso presente e nossas esperanças na construção coletiva de uma vizinhança mais inclusiva e solidária.
*Jailton Nascimento Carvalho é mestre em História da Educação pela FE/USP e Animador Sociocultural no Sesc Pinheiros
NÓS: CRIAÇÃO, TRABALHO E CIDADANIA
A ação em rede Nós: criação, trabalho e cidadania visibiliza iniciativas que fomentam a inclusão produtiva, a geração de renda e o desenvolvimento comunitário. Priorizando grupos mapeados nos territórios onde Unidades do Sesc estão inseridas, em 2022 o projeto será realizado de 18 a 27 de março, contando com ações presenciais. Integram a programação coletivos de empreendedores periféricos, cooperativas, grupos de consumo, organizações sociais, empreendimentos comunitários e de povos tradicionais.
Confira a programação completa e participe!
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