Por Rachel Sciré*
Em cartaz desde 28 de abril no teatro do Sesc Vila Mariana, o espetáculo Henrique IV, adaptação do texto de Luigi Pirandello, é a 50ª produção do encenador mineiro Gabriel Villela. Apesar do marco temporal, o diretor explica que não determina a sua trajetória a partir do tempo cronológico, mas talvez por um tempo emocional, em que combina a desavença com uma grande aceitação a respeito do que acontece politicamente no Brasil. “As peças caminham muito em função desse cronograma político e social brasileiro. Ao se ocupar com essas questões, a contagem numérica de um ano ou de 50 espetáculos fica de lado”, explica.
Villela reconhece que a “nossa frágil democracia anda aos trancos e barrancos”, assim, a trama de sua montagem mais recente destaca os mandos e os desmandos de um nobre que acredita (ou finge acreditar) ser o imperador Henrique IV, que viveu há oito séculos. A fachada de insanidade do protagonista, que teria perdido a razão ao sofrer um acidente de cavalo, serve à manipulação dos demais personagens em cena, que também tomam parte na simulação. Ao mesmo tempo, é a loucura que faz algumas verdades emergirem.
O ator Chico Carvalho, no papel do protagonista, concorda com o diretor quanto à vitalidade do texto: “Pirandello é um autor deslumbrante, que diz respeito ao nosso tempo atual, do quanto nós somos cooptados por loucos, por ditadores, por tiranos e também mostra quanto há de humanidade nessas figuras todas, amalucadas”.
O jogo de espelhamento promovido pelo protagonista, no texto de Luigi Pirandello, sempre chamou a atenção de Villela. O diretor conta que chegou ao dramaturgo italiano quando cursava a Universidade de São Paulo, mas já vinha sensibilizado pela obra do escritor argentino Jorge Luis Borges (autor de O Aleph e diversos textos que tematizam labirintos, máscaras e espelhos), apreciada por ele e por seu pai.
“Nenhuma peça de Pirandello é fácil porque, com esse desdobramento, com a característica de escavação, de texto estratificado, com vários níveis de leitura e abordagens, é preciso que a pessoa esteja muito acostumada a praticar as metáforas, as figuras de construção literária, e nem sempre a época é propícia.” Do mesmo dramaturgo, Villela já havia encenado “Os Gigantes da Montanha”, com o Grupo Galpão, espetáculo premiado que estreou em 2013. “Eu gosto muito dessas peças dele que jogam a gente para vários ângulos, caminhos e espelhos”, diz.
Na versão de Henrique IV dirigida por Villela, mais uma camada é acrescentada ao público, já que a história é contada por uma companhia de circo mambembe italiana (fictícia) chamada “Francisco Eugydio do Calvário”, que apresenta o drama de circo-teatro “Enrico IV” ao público. Dessa forma, a montagem evidencia como todos representam papeis – seja na sociedade, na vida e mesmo no palco, como é o caso dos atores do circo/espetáculo.
Para materializar a linguagem circense, referência muito forte nas pesquisas estéticas de Villela, o encenador retoma a parceria com o cenógrafo J.C. Serroni, que traz para o palco arquibancadas e uma carroça da commedia dell’arte, que abriga o trono de Henrique IV. O nariz de palhaço também está presente, como a menor e a primeira máscara que os atores adotam em cena. A partir do pancake branco (base da máscara japonesa), que serve para anular o rosto do ator, a maquiagem vai desenhando algumas formas que ressaltam o tipo representado, por exemplo, os traços de vilania no Barão Tito Belcredi (André Hendges).
Outra parceira de longa data na montagem é Babaya, que trabalha há 30 anos com Gabriel Villela e assina a direção musical do espetáculo ao lado de Jonatan Harold – também em cena. O repertório, apresentado ao vivo pelo elenco, passa por “The Logical Song”, hit do Supertramp, “Bohemian Rhapsody, sucesso do Queen, “I Started a Joke”, que ficou conhecida com os Bee Gees, entre outras. “Henrique IV é muito rock’n’roll, transgressor. Começa a peça e ele já foi excomungado pelo Papa!”, defende Villela. De acordo com o diretor, a performance musical desempenha uma função idêntica ao que acontece no melodrama do circo-teatro, ou seja, a canção introduz o tema ou arremata a cena, destacando o assunto central.
Já o figurino, sempre requintado nos trabalhos do diretor, traz cortes medievais, que são vestidos pela trupe no palco, depois do início do espetáculo. O traje inicial, todo branco, remete à fantasmagoria muito própria de Pirandello, na leitura de Villela. Já as golas elisabetanas dos palhaços/conselheiros Oração (Artur Volpi) e Sonho (Breno Manfredini) são uma brincadeira com o Henrique IV de Shakespeare.
O Henrique IV de Luigi Pirandello e Gabriel Villela fica em cartaz no Teatro Antunes Filho, no Sesc Vila Mariana, até 5/6, com sessões às quintas, sextas e sábados, às 21h, e aos domingos, às 18h.
* Editora web do Sesc Vila Mariana
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