Gianni Ratto – 100 Anos

30/01/2017

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Gianni Ratto ®Acervo Instituto Gianni Ratto

“Eu acho que o Teatro, o verdadeiro Teatro, é aquele que permanece na memória dos tempos; aquele do qual o espetáculo não foi visto mas dele permanece uma gravura, uma máscara, uma foto desbotada, o relato falado de alguém que tendo muito tempo atrás assistido ou ouvido falar de um acontecimento teatral nos dá uma informação imperfeita, apaixonadamente romântica, absolutamente inexata e todavia fascinante.”                                                

                                                                                                                                             Gianni Ratto

 
De 7 de fevereiro a 29 de abril, a área de convivência do Sesc Consolação será o palco de Gianni Ratto – 100 anos. Com curadoria da historiadora da arte Elisa Byington e da designer Antonia Ratto, filha do artista, a exposição celebra a vida e obra deste diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador, escritor, ator e pensador da cena, apresentando sua trajetória desde a Itália, onde atuou na reconstrução do teatro nacional e sua inovação no pós-guerra, até o Brasil onde foi figura fundamental na criação de um teatro moderno no país.

Com projeto expositivo de Lidia Kosovski e Claudia Pinheiro, Gianni Ratto – 100 anos está estruturada como uma grande caixa cênica que convida o público a atravessar as cortinas e entrar no universo do artista. Como num palco, as obras estão dispostas em painéis pendurados por cordas, onde fotos, esboços, croquis finais em diferentes técnicas (originais e fac-símiles), maquetes, objetos e recortes de jornal recompõem fragmentos do que foi cada espetáculo para o qual as obras foram criadas. Recursos multimídia, como projeções, maquetes virtuais e instalações sonoras são também utilizadas para aproximar ainda mais o público do universo do teatro.

Com obras dos acervos do Instituto Gianni Ratto, Funarte, Teatros Piccolo, Scala de Milão, Maggio Musicale Fiorentino e dell’Opera de Roma, a exposição é resultado de um processo de cerca de dois anos de pesquisa, que trouxe muitas descobertas sobre o artista,  conforme conta Antonia, “ele sempre foi muito discreto a respeito de seu passado, fomos surpreendidas com alguns materiais inéditos, assim como com a complexidade e o êxito de alguns projetos desenvolvidos na Itália. Com o Scala de Milão, por exemplo, tivemos acesso aos desenhos de figurino e cenário criados para o balé Pulcinella, de Strawinsky. Esses croquis acabaram norteando um dos temas centrais da exposição, a Commedia Dell’Arte, linguagem que é substrato da formação e da poética de meu pai”.

Segundo Elisa, outra surpresa foi “confrontando as fotos do espetáculo Assassinato na Catedral de T.S. Elliot, de setembro de 1948, com as imagens da Igreja de San Francesco em San Miniato na Toscana, notamos que nos arcos ogivais da igreja não havia os vitrais que estavam na encenação. A confirmação de que se tratava de um cenário, apesar da perfeição, nos foi dada pelo Piccolo Teatro, que nos enviou um artigo que louvava a excelência do vitral desenhando e realizado por Ratto. Mais um feito, entre tantos, que ele nunca contou”.


Imagem reforça a paixão de Ratto pela cenografia, recriando na encenação da peça de Elliott, a Igreja de San Francesco em San Miniato na Toscana com vitrais que não existiam na própria catedral.

Afinal, quem é Gianni Ratto?

Gianni Ratto nasceu em Milão, no dia 27 de agosto de 1916. Desde pequeno se interessava pelas artes, influência de sua mãe, Maria Ratto, que era pianista e compositora. Aos 16 anos se tornou aprendiz do arquiteto Mario Labò e, três anos depois, foi admitido no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma. Em 1938, iniciou o serviço militar e, no exército, conheceu Paolo Grassi, com quem anos depois iria fundar o Piccolo Teatro. Durante a Segunda Guerra Mundial foi com sua tropa para a Grécia, mas, em 1943, desertou para unir-se a membros clandestinos da Resistência Italiana.

Em 1945, estreou O Luto Condiz À Elettra, de Eugene O´Neil, em Milão. Com cenários de Gianni Ratto e direção de Giorgio Strehler, essa foi a primeira cenografia de uma sequência de 120 espetáculos montados em apenas 9 anos, principalmente nos teatros Piccolo e Scala de Milão. “Eu trabalhava sem parar. Lembro-me de ter projetado sete cenários em um dia”, relatava o artista.

Reconhecido como um dos principais cenógrafos da Itália, Ratto inovava a cada espetáculo. Seja com a polêmica montagem de La Traviata na reabertura do Teatro Alla Scala de Milão, em 1947, quando optou por usar aquarelas como cenário. Com as soluções de cenários adaptados a um espaço muito pequeno como nos espetáculos Ralé, Arlequim, Servidor de dois Patrões e tantos outros criados para o Piccolo Teatro. Ou com o espelho de água criado para A Tempestade, espetáculo apresentado a céu aberto, no Jardim de Boboli, em Florença. Quatro montagens resultantes de sua parceria com Strehler.

Ainda na Itália, Ratto trabalhou com Vittorio Gassman, Maria Callas e Igor Stravinsky – para quem fez o cenário da estreia mundial de La Carriera di Un Libertino, além do cenários e figurinos para a estreia do ballet Pulcinella, em Milão -, entre tantos outros artistas dos mais variados gêneros, da lírica, à comédia ao teatro de revista. Mas foi do encontro com a atriz Maria Della Costa que surgiu o convite para que viesse ao Brasil.

A estreia no Brasil foi também a estreia de Gianni Ratto como diretor, com o espetáculo O Canto da Cotovia, de Jean Anouilh, que inaugurou o Teatro Maria Della Costa, em 1954. No ano seguinte, dirigiu A Moratória, a primeira montagem de um texto de Jorge de Andrade e a estreia de Fernanda Montenegro num papel principal; ficava claro, então, o desejo de Ratto em trabalhar um teatro brasileiro. Segundo o artista, “A partir do momento no qual eu vou fazer teatro aqui no Brasil, daí para diante, esse país passa a ser o meu. É a minha terra, a minha mente, meu pensamento”. Ainda com Fernanda Montenegro, trabalhou em sua breve passagem pelo Teatro Brasileiro de Comédia, em 1956, e, em 1959, juntos com Fernando Torres, Ítalo Rossi e Sergio Britto, fundaram a companhia Teatro dos Sete, que entre as montagens destaca-se O Mambembe, de Arthur de Azevedo.


Jocy de Oliveira, Italo Rossi, Fernanda Montenegro, Gianni Ratto e Luciano Berio nos bastidores da peça Apague Meu Spotlight (1961)

Engajado na resistência a restrição das liberdades democráticas, durante o regime militar Ratto dirigiu os espetáculos Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come (de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar) e Dura Lex, Sed Lex, no Cabelo só Gumex (também de Oduvaldo Vianna Filho), ambos em colaboração com o Grupo Opinião. Foi também a ditatura militar que colocou fim a um de seus grandes projetos, o Teatro Novo. Criado como um espaço cultural com companhia de teatro, corpo de baile, orquestra sinfônica e oficina de dramaturgia, o Teatro Novo foi inaugurado em 1967 e fechado no ano seguinte, pela ditadura.

Ao longo dos anos foram inúmeros trabalhos no Brasil, entre eles a direção de Gota D’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, com Bibi Ferreira, em 1975. Os cenários de PIAF, com direção de Flavio Rangel – parceiro em 12 outros espetáculos – e VARGAS, de Dias Gomes e Ferreira Gullar, ambos em 1983. Cenário e iluminação de AQueda Da Casa De Usher, de Philip Glass, com direção de Harry Silverstein, em 1992. Direção e iluminação de Porca Miséria, de Marcos Caruso e Jandira Martini, que estreou em 1993 e permaneceu em cartaz por 6 anos. Já nos anos 2000, Ratto assinou o cenário e a iluminação dos espetáculos de Ariela Goldmann, dos textos de Bosco Brasil: O Acidente, Novas Diretrizes em Tempos de Paz e O Dia Redentor.

Criador incansável, atuou como diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador, ator e, aos oitenta anos, tornou-se escritor na língua portuguesa, publicando seu primeiro livro, a autobiografia, “A Mochila do Mascate” – que acaba de ser relançado pela Bem-Te-Vi Produções Literárias, seguido por outros quatro títulos. O livro se transformou em documentário dirigido por Gabriela Greeb. Seu talento foi reconhecido por inúmeros prêmios ao longo dos anos, entre eles, o Prêmio Shell, em 2002, por sua contribuição para o teatro brasileiro.

Faleceu em 30 de dezembro de 2005 em São Paulo, aos 89 anos de idade. Sua obra, no entanto, continua a influenciar os mais diversos campos do teatro e essa influência é o tema da programação paralela preparada pelo Sesc Consolação, que inclui cursos, bate-papos e oficinas.

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Leia aqui uma entrevista com o artista.

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