Imagens amefricanas: os percursos da arte de Thaylla Barros

15/03/2022

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Conheça a artista por trás das ilustrações do projeto “Amefricanidade, o caminho das mulheres negras

Em novembro de 2021, a artista visual Thaylla Barros expunha alguma de suas obras em uma galeria localizada na Avenida Anchieta, região central de São José dos Campos. Em um certo momento, uma pessoa que fazia parte do público presente comentou com a artista: “O seu trabalho é bem representativo, ele traz essas coisas…”. De bate pronto, Thaylla respondeu: “E o que mais eu vou fazer?”.  

Narrando essa cena, Thaylla sintetiza a essência de seu trabalho como artista visual. E não apenas como uma mera afirmação de militância, mas compreendendo essa expressão como inerente ao seu contexto e à sua individualidade.  “Eu sou uma pessoa negra, nordestina, artista visual, numa cidade em que a cultura, de maneira geral, não é valorizada, que é um polo industrial. Então eu entendo que a gente não tem o que fazer além disso”, conta.  

A artista nasceu em Montes Altos, interior do Maranhão, e ainda pequena mudou-se com sua mãe para São José dos Campos. Em 2016, fez parte da residência cultural Magia do Amor, espaço que reunia jovens artistas da cidade e promovia ações culturais independentes. Lá ela chegou à conclusão de que as Artes Visuais poderiam ser sua ferramenta de trabalho e expressão. 

Em 2017 embarcou rumo a Salvador, onde morou por algum tempo. A vivência na capital mais negra do Brasil, proporcionou um mergulho intenso na arte afro-brasileira. “Qualquer lugar que você fosse, você tinha esse boom de coisas acontecendo e de pessoas produzindo. Eu acho que foi a partir daí, dessas referências que eu peguei lá, que eu consegui trazer para o meu trabalho e fui adaptando”, explica a artista que hoje tem como foco de sua produção o protagonismo e empoderamento negro, cultural e ancestral. Essa imersão foi responsável pela incorporação das cores fortes que atualmente marcam o seu trabalho:  Tanto que ser se você olhar os meus trampos antigos, eles vão fazendo uma trajetória de traço, de estilo e de cor. Eu fui acrescentando cores, pra chegar no que eu estou fazendo hoje”. 

Com essa bagagem, foi chamada para elaborar a identidade visual do projeto “Amefricanidade, o caminho das mulheres negras”, realizado pelo Sesc São José dos Campos, em parceria com o Instituto Lélia Gonzalez. Dentro dessa proposta, também foi criada uma série de ilustrações que femenageam mulheres que representam o conceito de amefricanidade na prática.  

Como não poderia deixar de ser, Lélia Gonzalez, autora do conceito orientador do projeto, abriu a série. Para essa representação, Thaylla procurou fugir do óbvio: “Nas outras coisas que eu vi sempre era a mesma foto. Ela com aquela bandana na cabeça, que é uma foto super icônica, que eu gosto muito. Mas eu queria trazer outro lado, que é aquela foto dela toda linda parada no parapeito da janela”, conta. Essa criação visual pautou as cores e a estética de todos os cards. 

Na série, publicada no Instagram e Facebook do Sesc São José dos Campos, as personagens são apresentadas sempre em duplas: uma figura do passado, com uma representação histórica abrangente, e uma personalidade valeparaibana atual ou ancestral.  

Em conversas com a produtora cultural Patricia Ioco, e a assistente social Rosa Miranda, coordenadora do Instituto Lélia Gonzalez, foram se alinhando as histórias e as imagens propriamente ditas, de maneira que elas se complementassem e conversassem entre si. “Nesse projeto específico nem tinha muito o que pesquisar. Cada figura já tinha sua história, a sua representação… eu só coloquei o meu estilo em cima, e usei as referências, a história, e a força que essas pessoas tinham”, conta. 

Sobre o papel das artes e dos artistas na luta antirracista, Thaylla é categórica: “Eu acho que a arte está aí pra isso, a gente tem que usar essa ferramenta a nosso favor. Não só as artes visuais, todos os tipos de arte, música, dança, tudo que a gente conseguir produzir, pra que a gente consiga levar essa ideia, tentar combater isso”.  

Mesmo considerando que talvez essa seja uma batalha sem fim, ela destaca que é fundamental nunca parar: “É uma coisa que a gente nunca pode deixar de fazer, e eu acho que todo mundo tem que fazer mesmo, pessoas pretas, pessoas não pretas, pessoas indígenas… É uma luta constante”

Veja as ilustrações a as minibiografias das mulheres retratadas:

Lélia Gonzalez (1935-94), mulher negra, nasceu em Belo Horizonte, filha de ferroviário e empregada doméstica, a família se mudou para o Rio de Janeiro quando tinha 7 anos, onde instalou-se. Teve uma formação acadêmica fortemente marcada pelas humanidades e destacou-se, em sua carreira, como professora da PUC-RJ. Tornou-se referência preciosa para os estudos dos processos de branquiamento da sociedade brasileira e dos marcadores sociais de gênero, raça, religião e classe. Dentre seus textos, destaca-se aquele que inspira e nomeia esse projeto – “A categoria político-cultural de amefricanidade” (1988).  

Maria Conceição Moreira de Sousa, 78 anos, nascida em Rolândia – estado do Paraná, viúva, uma filha e um neto, equede*, professora de História e Geografia, servidora pública aposentada da área da saúde. Militante do Movimento Negro, Movimento de Mulheres e Movimento Sindical de São José dos Campos – SP. 

*Equede (em iorubá: ekedi), ajoiê e macota (makota) são nomes dados de acordo com a nação do candomblé para um cargo feminino de grande valor: a de “zeladora dos orixás”.  

Adelina Charuteira, nasceu no Maranhão, em 1859. Era filha de um branco, senhor de escravos, e de uma escrava. O apelido de charuteira ela ganhou quando começou ajudar o pai na venda de charutos pela cidade.  

Boa vendedora, Adelina conhecia muita gente, o que facilitou seu trabalho a favor da liberdade dos negros escravizados. Vendia seus charutos para estudantes abolicionistas e, com isso, ajudou a criar o Clube dos Mortos, um grupo de pessoas que facilitava a fuga dos escravos. 

Cláudia Camilo, casada, mãe de cinco filhos, nascida em São José dos Campos, militante do Movimento Negro, Membra da Conen (Coordenação Nacional de Entidades Negras) Mulher, Conen Vale do Paraíba e membra da Secretaria estadual de combate ao racismo. 

Maria Felipa de Oliveira, foi líder na Ilha de Itaparica, Bahia. Tinha como missão principalmente libertar seus descendentes e avós. Em 26 de julho de 2018 foi declarada Heroína da Pátria Brasileira pela Lei Federal nº 13.697. 

Albina Silva, mais conhecida como Tia Albina, casada com José Francisco, mãe de quatro filhos. Grande líder comunitária, desde cedo dedicou sua vida a trabalhar em prol das pessoas. Foi coordenadora da Pastoral Vocacional da Igreja Coração Eucarístico de Jesus do bairro Jardim Novo Horizonte.  

Começou sua militância racial dentro do SequeNegro, onde com outras mulheres fez um trabalho de informação e formação no combate ao racismo. Atuou em vários grupos ,   foi uma das fundadoras do Geração de Renda das Mulheres do Novo Horizonte. Recebeu femenagens da Câmara Municipal de São José dos Campos e da Assembleia Legislativa de São Paulo. Faleceu em 2019. 

Aqualtune (séc. XVI) é lembrada como rainha guerreira e avó de Zumbi do Quilombo dos Palmares. Quando no Congo, a princesa liderou guerreiros congoleses numa batalha que teria perdido, o que acarretou sua prisão e vinda como escrava para o Brasil.  

Desembarcou no Recife e foi tida como escrava reprodutora, por ser forte e saudável. Nos idos de 1600 se rebelou e fugiu em direção a Palmares, ao chegar lá, com seus conhecimentos estratégicos, políticos e de organização, assumiu a liderança do Quilombo. Sua morte é controversa, mas Aqualtune tornou-se figura simbólica da luta de mulheres e homens negros. 

Dandara dos Palmares (séc. XVII), guerreira do período colonial do Brasil, foi esposa de Zumbi, líder daquele que foi o maior quilombo das Américas: o Quilombo dos Palmares. Ela foi uma das lideranças femininas negras que lutou contra o sistema escravocrata e auxiliou quanto às estratégias e planos de ataque e defesa do quilombo.  

Embora o nome de Dandara não apareça na documentação até agora localizada e registrada sobre Palmares, sua figura representa tantas mulheres invisíveis e anônimas e sua fundamental importância a despeito do silêncio imposto a elas pelas fontes e pela história. 

Elaine Justino, nascida em São José dos Campos, foi professora por formação e trançadeira, cabeleireira especializada em trançar cabelos à moda africana por vocação. Foi coordenadora da Pastoral Afro do bairro Jardim Novo Horizonte e responsável pela realização das missas Afros no 20 de novembro, além de presença sempre marcante nos Festivais Comunitários Negro Zumbi – FECONEZU.  

Recebeu o troféu Destaque Negro, pela sua dedicação, colaboração e preservação da cultura afro-brasileira. Casada com Emerson Justino, mãe de Ana Lívia e Amilton José. Faleceu em 2018, aos 44 anos. 

Acotirene (séc. XVI) foi uma das primeiras mulheres do Quilombo dos Palmares, inclusive femenegeada com seu nome em um dos Mocambos. Como matriarca, aconselhava negros e negras que chegavam ao Quilombo em busca da sonhada liberdade. Líder palmarina, cuidava de questões políticas nas esferas individuais e coletivas. 

Preta Ary, nasceu em Araraquara, é MC, pedagoga, promotora legal popular, artesã, proprietária da marca Negrita Arteira. Em 2002, conheceu o Rap mais de perto frequentando festas do gênero onde se identificou com o elemento MC. Com influência das pessoas e do encanto pelo movimento Hip-Hop, em 2004 inicia sua carreira na música e torna essa cultura o seu estilo de vida. Junto com Meire D’ Origem, é integrante do D’ Origem, grupo de rap feminino.    

Anastácia (sécs. XVIII – XIX), cultuada no Brasil como santa e heroína, considerada uma das mais importantes figuras femininas da história negra, a vida de Anastácia é um misto de luta, bravura, resistência, doçura e fé.  

Nas versões orais ou escritas, os registros falam sobre uma bela mulher que não cedeu aos apelos sexuais de seu senhor e, por isso, foi estuprada e amordaçada. Sua luta transformou-se em exemplo e até hoje sua força inspira milhares de devotos.  

Mãe Cida Preta, filha de Maria do Carmo Silva, negra, ativista e yalorixá. Em meados de 1970, abriu seu terreiro que ficou conhecido como Tenda de Umbanda Caboclo 7 Flecha e Vovó Cabinda de Quiné. Foi representante da Federação Estadual de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo.  

Recebeu Femenagem – termo cunhado durante a Marcha Mundial de Mulheres para trazer reverência e reconhecimento ao femenagear as mulheres e assim nos sentimos representadas – da Câmara Municipal de Carmo de Cachoeira com nome de uma Rua da cidade e da Câmara de São José dos Campos com nome de Rua no Jd. Califórnia. Mãe Cida faleceu em 19 de maio de 1990. 

Rosa Miranda, assistente social, pós-graduada em Gestão Pública e Sociedade Civil, educadora em Direitos Humanos e Igualdade Racial, ativista do Movimento Negro, Promotora Legal Popular, membra do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de São José dos Campos e autora do Livro “Otília Minha Mãe”.  

Fundadora e coordenadora do Instituto Lélia Gonzalez. Dirigiu o Departamento de Igualdade Racial da Prefeitura de São José dos Campos no período de 2013 a 2016. Rosa já esteve à frente de importantes espaços de construção de políticas de promoção da igualdade racial e combate ao racismo.  

Luiza Mahin, nascida em Costa Mina, na África, no início do século XIX, foi escravizada e trazida para o Brasil. Esteve envolvida na articulação de todas as revoltas e levantes de escravizados que sacudiram a então Província da Bahia nas primeiras décadas do século XIX. 

Como negra africana, sempre recusou o batismo e a doutrina cristã, e um de seus filhos naturais, Luís Gama (1830-1882), tornou-se poeta e um dos maiores abolicionistas do Brasil. Descoberta, Luiza foi perseguida, até fugir para o Rio de Janeiro, onde foi encontrada, detida e, possivelmente, deportada para Angola. Não existe, entretanto, nenhum documento que comprove essa informação. 

Rigleia Alves Carvalho dos Santos (Léia), sambista, cantora da noite taubateana e voluntária na área da saúde. Foi militante em frentes de luta junto com outras mulheres, deu vida ao Movimento Negro no Vale do Paraíba. 

Tereza de Benguela, guerreira no Quilombo do Quariterê, em Cuiabá. Foi presa em um dos confrontos e como não aceitou a condição de escravizada, suicidou-se. No Brasil, dia 25 de julho é comemorado o Dia de Tereza de Benguela em femenagem à líder quilombola. 

Efigênia Augusta de Freitas (Profª Efigenia), nascida em 21 de Setembro de 1945, filha de José Afonso de Freitas e de Benedita Santana de Freitas, professora, pós-graduada em História da África e Cultura Brasileira, ministra cursos nas Secretarias de Educação Municipal, Estadual e em escolas de cidades do Vale do Paraíba.  

Em 1988, junto com amigos, criou na cidade de Aparecida, o Grupo Namíbia, coletivo que realiza ações afirmativas nas escolas e Centros Culturais, difundindo a História e Cultura Negra. 

Zeferina, de origem angolana, na primeira metade do século XIX, foi trazida ainda criança para o Brasil nos braços de sua mãe Amália, direto para Salvador. Fundou o Quilombo do Urubu e se tornou uma importante personagem das insurreições negras na Bahia no século XIX.  

Valente mulher, ela organizou indígenas, escravizados fugidos e libertos que queriam a libertação para todos os negros na província do Salvador. As histórias relatam que ela confrontava os capitães do mato com arco e flecha. 



A série segue sendo publicada às terças e sextas no Instagram e Facebook do Sesc São José dos Campos. 

Acompanhe o trabalho da artista no perfil @___thayllabarros

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