Convidado pelo Sesc Jundiaí, o bacharel em pedagogia e mestrando em educação Nicanor M. Lopes, apresenta neste artigo um panorama sobre as políticas públicas que incidem ou se relacionam com a primeira infância no município de Jundiaí.
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*por Nicanor M. Lopes
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As políticas públicas são ações que tem por objetivo resolver um problema ou proporcionar melhorias na vida da comunidade a qual elas serão aplicadas. Trata-se de ações coletivas que vão desde a definição dos acordos internacionais entre os países até o tipo de alimentação servida em uma creche do bairro. São as políticas públicas que definem ou balizam o preço da gasolina ou o número de crianças por sala em uma escola, quanto de dinheiro deve ir para saúde e como o dinheiro deve ser gasto, ou seja, as políticas públicas afetam a vida de todos diariamente.
Sabendo que temos nossa existência permeada pelas boas e más políticas públicas devemos não só as aceitar, mas participar dos espaços nos quais elas são propostas, discutidas e elaboradas como sessão da Câmara de Vereadores, conselhos, reuniões de associações de moradores de bairro entre outros. No entanto, inicialmente deve-se conhecer as políticas públicas que afetam nossas vidas, para isso deve-se pesquisar as leis, decretos, portarias, planos e projetos sobre um determinado assunto para a partir daí conhecer a temática na qual se deseja interferir.
Para entender as políticas públicas que incidem ou se relacionam com a primeira infância (criança de zero a seis anos) no município de Jundiaí o “Programa Espaço de Brincar” do Sesc Jundiaí como parte do Projeto “Cuidar de quem cuida”, encomendou e financiou um estudo para responder qual o histórico, como e quais leis municipais existem que versam sobre a infância na cidade. A ideia leva em consideração que desde 2018, Jundiaí passou a integrar a “Rede Latino-Americana – Projeto Cidade das Crianças”, um projeto internacional coordenado pelo pedagogo e escritor Francesco Tonucci com objetivo de inserir e ouvir as crianças no processo de elaboração de políticas públicas para infância.
O primeiro resultado da pesquisa consiste prioritariamente de um levantamento de dados seguido de uma análise prévia, a partir dos dados contidos no site da Câmara Municipal de Jundiaí e das leituras das ementas dos textos legais.
O trabalho levantou 256 resultados que, após tratamento e seleção, foram reduzidos a um grupo de 97 leis e outras normas em vigor no município, as quais citam as palavras usadas como descritores para pesquisa no site, ou seja, estão ligadas direta ou indiretamente a crianças.
Com o intuito de averiguar qual foi o tom das leis e outras normas vigentes selecionadas, relacionadas à infância, dividiram-se e classificaram-se os dados em sete campos, ou seja, sete categorias de área de inserção de tais políticas públicas, resultando na Tabela 1.
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TABELA 1 – QUANTIDADE DE LEIS E OUTRAS NORMAS SOBRE A INFÂNCIA SELECIONADAS NA CIDADE DE JUNDIAÍ POR CAMPO DE INSERÇÃO
Campo | Quantidade | % |
Amplo | 7 | 7,22% |
Assistência Social | 21 | 21,65% |
Campanha Publicitária e Eventos | 18 | 18,56% |
Educação Formal | 17 | 17,53% |
Lazer, Recreação, Cultura e Esporte | 7 | 7,22% |
Proteção e Segurança | 10 | 10,31% |
Saúde | 17 | 17,53% |
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Observa-se que houve maioria de leis e outras normas voltadas para o campo da assistência social, assim como a maioria das leis e outras normas tem como ação regular ou regulamentar algo. Também se destaca a quantidade de leis e outras normas envolvidas com o universo infantil para firmar convênios de entidades com outros órgãos e instituições.
Indica-se, ainda que a partir de resultados preliminares, que entre as décadas de 1940 e 2020 houve mudança no foco das ações, havendo maior pluralidade a partir dos anos 1990. Também se constata que na década de 2000 houve o aumento da quantidade de convênios com organizações privadas.
O estudo destacou 26 leis e outras normas que poderiam ser utilizadas ou reivindicadas por pessoas comuns ou que interferem ou interferiram em carreiras de profissionais envolvidos com o ato de cuidar de crianças. Dentre elas tem-se o registro de quando aconteceu a reclassificação de cargos do magistério, unificando as classes de professor de Educação Infantil pela Lei n. 4.261, de 1993. As leis municipais também incidem sobre o currículo, visto que a Lei n. 6.877/2007 prevê o estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nas escolas, envolvendo todas as comunidades escolares e a comunidade externa.
Do ponto de vista de acesso e permanência à educação, a Lei n. 8.103/2013 prevê fornecimento gratuito pela prefeitura de uniforme e material escolar para alunos da rede pública municipal, enquanto a Lei n. 7.812/2018 garante que crianças com deficiência locomotora sejam matriculadas nas escolas mais próximas de suas residências, garantindo ao menos o acesso às unidades escolares.
Interligando as áreas saúde e educação, duas leis chamam a atenção: a Lei n. 4.564/2016 disserta sobre a realização de exames médicos periódicos que alunos da rede municipal de ensino deveriam fazer e coloca a cargo da Secretaria de Saúde a responsabilidade de garantir a realização dos exames e ainda de manter nas escolas serviço odontológico volante. Por seu turno, a Lei n. 9.086/2018 exige a apresentação de comprovante de vacinação em creches e em todas as etapas da Educação Básica no ato da matrícula do aluno.
No campo da saúde propriamente dito, destacam-se três leis que obrigam e exigem práticas em hospitais da cidade. A Lei n. 5.547/2000 obriga os hospitais a afixarem cartazes informando sobre o direito de os responsáveis permanecerem com a criança em caso de internação. No mesmo sentido de exigência, a Lei n. 6.445/2004 exige o registro do “índice de Apgar” nos prontuários de recém-nascidos, enquanto a Lei n. 7.966/2012 apresenta que em todas as crianças internadas, recém-nascidas ou não, deve-se instalar dispositivo de controle de saída em hospitais, maternidades ou serviços hospitalares da rede municipal. Já a Lei n. 9.309/2019 altera a Lei n. 9.033/2018, que disserta sobre o atendimento prioritário em hospitais particulares, incluindo no grupo prioritário crianças. Ainda no campo da saúde, mas voltada também para lazer e recreação infantil, a Lei n. 9.521/2020 prevê que a areia utilizada em espaços de recreação e lazer infantil devem passar por análise e assepsia.
Pensando na saúde, mas também no lazer e na segurança infantil, encontram-se mais três leis em destaque, sendo a exigência de cadeiras infantis em restaurantes pela Lei n. 7.605/2010; a exigência de lavadouros e bebedouros adaptados para crianças em terminais de ônibus pela Lei n. 6.900/2007; a regulamentação do acesso a carrinho de bebê em ônibus do serviço público pela Lei n. 8.765/2017.
Além das exigências, existem leis que proíbem, como a Lei n. 6.016/2003 que proíbe a venda de tabaco ou produtos com tabaco para menores de 18 anos; a Lei n. 7.968/2012, que proíbe fumar em áreas públicas que tenham área de recreação infantil; a Lei n. 7.522/2010, que proíbe o acesso de crianças e adolescentes a jogos considerados violentos em lan house.
Destacam-se ainda as leis de combate à exploração sexual infantil, dentre elas a Lei n. 6.746/2006, que prevê sanções a estabelecimentos que favorecem de alguma forma a prostituição infantil; as Leis n. 7.820/2012 e 9.600/2021, que dissertam sobre o atendimento a crianças vítimas de violência sexual e garantem a priorização no atendimento em programas de proteção.
Em 2021 foi instituído pela Lei n. 9.612/2021 o programa “SOS Infância”, que trata das providências em casos de rapto, sequestro e desaparecimento de crianças ou de adolescentes.
Por fim, destaca-se a Lei n. 6.055/2003, que prevê a distribuição de cartilhas informativas sobre a importância do aleitamento materno e sobre prevenção de gravidez. A lei tem apenas três artigos: o primeiro destaca a distribuição das cartilhas de forma gratuita, o segundo define que o financiamento do material virá de instituições privadas e o terceiro apenas define que a lei entra em vigor assim que publicada.
Leis e outras normas como a destacada acima que apenas definem campanhas publicitária ou datas comemorativas são de grande valia quando atreladas a outras que preveem ações que de fato garantem o direito. No caso citado, percebe-se que apesar de valida a distribuições de cartilhas, muitas vezes a não amamentação está atrelada a outros fatores que não a falta de conhecimento sobre a importância, por exemplo, fim das licenças ou espaços adequados nas empresas para isso.
Ainda sobre o resultado do primeiro levantamento exposto, indica-se o baixo volume de resultados para o descritor “bebê”, podendo indicar que são poucas as leis e outras normas na cidade de Jundiaí que têm com público-alvo os primeiros meses de vida das crianças. Em contrapartida, os termos “infantil”, sua variação “infância” e os descritores “criança” e “crianças” predominaram no resultado, respectivamente 35,94% e 63,28% de um total de 256 resultados.
Além das 26 leis destacadas, temos mais uma que pode ser considerada um destaque especial. Trata-se da Emenda à Lei Orgânica (ELO) n. 75, de 2018, que “Prevê implementação de políticas públicas para proteção à primeira infância.” (JUNDIAÍ, 2018). Dentre as previsões de ação, está a construção do Plano Municipal da Primeira Infância, que deve ser renovado a cada cinco anos. No entanto, não se encontrou registro da construção de tal plano, mas apenas uma reportagem do dia 17 de setembro de 2021 no site da prefeitura de Jundiaí. Nela é relatado que
As crianças que recebem as visitações do programa Criança Feliz participaram, nesta sexta-feira (17), de uma atividade de uma escuta especializada no Mundo das Crianças. Esta é uma etapa que compõe a construção do Plano Municipal da Primeira Infância e contou com as participações de grupos de diversos bairros de Jundiaí, com foco nas crianças de quatro a seis anos, inclusive crianças com deficiência, incluídas no Benefício de Prestação Continuada (BPC) (JUNDIAÍ, ASSESSORIA DE IMPRENSSA, 2021). [1]
Além do Plano Municipal, a ELO n. 75 põe em relevância princípios e diretrizes que devem reger as políticas públicas para a primeira infância, o que significa desde priorizar a atenção aos interesses próprios da criança até prevenir e combater a violência obstétrica. Acompanhar se tais previsões têm se concretizado poderia ser de grande valia para educadores e outras pessoas ligadas ao cuidado na primeira infância. Inclusive, um dos pontos citados em tal lei é a construção do Plano Municipal da Primeira Infância da cidade de Jundiaí (SP).
Este estudo também contribui para municiar os agentes envolvidos com a primeira infância de ferramentas que permitam buscar as leis e outras normas em vigor na cidade por meio do site: Leis e Outras Normas – Câmara Municipal de Jundiaí – SP (jundiai.sp.leg.br).
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* Nicanor M. Lopes é graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas (2018), é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação pela mesma universidade. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE) desde 2016.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 11274, de 06 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Brasília, 07 fev. 2006. Disponível em: planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11274.htm. Acesso em: 10 set. 2021.
BRASIL. Lei nº 12796, de 04 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências. Brasília, 05 abr. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12796.htm. Acesso em: 10 set. 2021.
BRASIL. Lei nº 13257, de 08 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei nº 12.662, de 5 de junho de 2012. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm. Acesso em: 10 set. 2021.
BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. (Vide Lei nº 14.154, de 2021) Vigência Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%208.069%2C%20DE%2013%20DE%20JULHO%20DE%2
01990.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20Estatuto%20da,Adolescente%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&t
ext=Art.%201%C2%BA%20Esta%20Lei%20disp%C3%B5e,%C3%A0%20crian%C3%A7a%20e%20ao%20adolescente.&text=Nos%20cas
os%20expressos%20em%20lei,e%20um%20anos%20de%20idade. Acesso em: 10 set. 2021.
JUNDIAÍ (Município). Lei nº 9321, de 19 de novembro de 2019. Revisa o PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ; e dá outras providências. Jundiaí, SP, p. 03-48. Disponível em: https://jundiai.sp.gov.br/planejamento-e-meio-ambiente/wp-content/uploads/sites/15/2019/11/lei-9-321_2019-plano-diretor-texto-1.pdf. Acesso em: 15 set. 2021.
KUHLMAN JR., Moysés Histórias da educação infantil brasileira. Revista Brasileira de Educação [online]. 2000, n. 14 pp. 5-18. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-24782000000200002>. 20 Dez 2012. ISSN 1809-449X. https://doi.org/10.1590/S1413-24782000000200002. Acesso em: 15 set.2021
VINAGRE, Elizabeth da Silva Galastri. INSTITUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA EM JUNDIAÍ (1880-1984). Revista Educação [online]., Jundiaí, v. 1, p. 1-16, jun.- dez., 2009. Semestral. Disponível em: https://revistas.anchieta.br/index.php/RevistaEducacao/article/download/520/444/. Acesso em: 10 set. 2021.
SITES CONSULTADOS
http://www.jundiai.sp.leg.br/atividade-legislativa/leis-e-outras-normas
https://www.galeaocoutinho.com.br/
https://casadacriancajundiai.org/a-casa
[1] Atividade lúdica no Mundo das Crianças faz escuta especializada com participantes do Criança Feliz | Notícias (jundiai.sp.gov.br)
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