Meninas e mulheres: a importância das redes de apoio nas periferias

20/04/2022

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Por Nós, mulheres da periferia 

Iniciamos nosso trabalho no Nós, mulheres da periferia com o principal objetivo de dar visibilidade às histórias das mulheres negras e periféricas que não tinham representatividade na mídia. Em 2014, lançamos um portal de notícias, mas tínhamos consciência que nem todas as mulheres brasileiras têm acesso à internet. 

Pensando nisso, realizamos em 2015 o projeto “Desconstruindo estereótipos”, com o qual circulamos em diversos bairros periféricos da cidade de São Paulo e realizamos oficinas com mais de 100 mulheres, entre 17 e 92 anos, refletindo sobre a imagem da mulher periférica na imprensa e na comunicação.  

Nesses encontros, conhecemos Estefânia Félix, moradora de Guaianases, bairro do extremo leste da cidade, com a qual criamos um vínculo e amizade que perdura até os dias de hoje. Estefânia frequentava a Casa Viviane dos Santos, Centro de Defesa e Convivência da Mulher, que presta atendimento a vítimas de violência doméstica.  

Durante as oficinas, Estefânia compartilhou sua história. Ela já havia sido vítima de violência doméstica do seu companheiro. Após as agressões, com apoio da Casa Viviane, decidiu manter a relação, mas se posicionou para, a partir de então, dar limites e conseguir romper o ciclo de violência.  

Para nós, foi muito importante escutar seu depoimento sem julgamentos, entendendo a sua escolha de continuar com o parceiro. Nós também desconstruímos nossos estereótipos. A partir daí, compreendemos que é necessário acolher a diversidade de mulheres, respeitando suas trajetórias, posicionamentos e experiências.  

Estefânia é uma mulher negra, periférica, dona de casa, evangélica e feminista. Além de atuante nas atividades da Casa Viviane dos Santos, participa como conselheira na escola pública de sua filha de 15 anos. É exemplo para a filha e tantas outras meninas.  Ser mulher, negra e da periferia é viver em constante aprovação sobre nossas capacidades e potências. Atravessar concreta e simbolicamente pontes para reverter essa lógica é uma tarefa árdua, mas que pode ficar menos pesada quando estamos juntas. 

O trabalho em rede, que passa também por sermos um veículo de comunicação composto por mulheres, cria conexões não apenas entre as integrantes do nosso coletivo, mas com todas as que estão, assim como a gente, fortalecendo a rede de mulheres que se apoiam. Essa identificação possibilita que uma história que contamos se torne sua, nossa. Estabelece uma conexão que nos aproxima e faz entendermos que estamos todas em busca de sermos tratadas de maneira equânime em uma sociedade machista. 

Sociedade esta que nos impõe, desde a adolescência, marcadores sociais excludentes, no momento de formação de nossa identidade, sobretudo quando se trata de meninas negras. Quando falamos de racismo, desde pequenas aprendemos a criar mecanismos de defesa, que passam também por redes de apoio para combatê-lo. Podemos citar o exemplo de oito iniciativas de meninas que estão combatendo o racismo na escola e mostraram como fortaleceram as identidades negras no colégio e em suas comunidades. Uma delas é a de estudantes de Maracanaú (CE), que, cansadas do preconceito racial de seus colegas, criaram o projeto “Meu Cabelo é Um Ato Político” e se reúnem mensalmente e promovem ações contra o racismo dentro e fora da escola. 

É também nesta fase que adolescentes enfrentam os estigmas e tabus em torno de sua primeira menstruação. Muitas, pela pobreza em que vivem, sequer têm dinheiro para comprar absorventes. Chamamos isso de pobreza menstrual, que significa falta de acesso a itens básicos de higiene, água, entre outros, por pessoas de baixa renda e em situação de vulnerabilidade. Pelo menos 713 mil meninas não têm banheiro ou chuveiro em suas casas, de acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos” feito pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em 2021; outras 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Meninas que crescem aprendendo desde muito cedo o que é escassez de direitos. 

Em meio a tantos desafios, encontrar apoio e trabalho em rede são direcionamentos para que meninas se tornem mulheres que consideram a solidariedade feminina como resistência. Durante a pandemia da Covid-19, contamos a história de mulheres que se ajudaram para minimizar os impactos em suas vidas. A crise econômica e social que foi aprofundada neste período prejudicou ainda mais quem vive nas periferias, e que tem em sua maioria o gênero feminino como arrimo de família. 

A rede de solidariedade tem rosto de mulheres, como as do Quilombo da Parada, organização social localizada na zona noroeste da cidade de São Paulo, com a qual fizemos parceria para distribuição de cestas básicas a famílias com dificuldades em colocar comida na mesa. Ou ainda os das Mulheres do Gau (Grupo de Agricultura Urbana),  que também atua para garantir alimento de qualidade para a comunidade, mas em outra frente, promovendo agricultura e culinária orgânica em São Miguel Paulista, na zona leste da cidade de São Paulo. O coletivo vende os alimentos para a comunidade, escolas e ONGs da região, além de oferecer oficinas de educação ambiental e aproveitamento total dos alimentos.  

São exemplos de iniciativas de mulheres inspiradoras que se uniram para cuidar uma das outras. Todos eles nos mostram o quanto é importante, desde a adolescência, nos apoiarmos em redes que nos fortaleçam e mostrem a potência que nós e tantas outras podemos adquirir para seguir nossas trajetórias. Apontam que o caminho pode ser menos pesado quando trilhamos juntas. 

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A partir do dia 25 de abril, o Sesc São Paulo abre inscrições para a 3ª edição do Encontro Internacional Nós Tantas outras. A chamada é voltada a coletivos e grupos de mulheres do estado de São Paulo interessados em receber formações para aprimorar sua atuação. Clique aqui para saber mais e fazer, gratuitamente, a inscrição do seu grupo ou coletivo.

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