Profa. Dra. Bárbara Castro em entrevista realizada no Sesc Pompeia | Foto: Karla Priscila
Inspirada pela ação em rede As Mulheres e as Tecnologias, que acontece em setembro nos Espaços de Tecnologias e Artes do Sesc, a EOnline conversou com Bárbara Castro, professora de sociologia da Unicamp, a respeito de sua pesquisa sobre gênero, tecnologia e as assimetrias da sociedade
Bárbara Castro começou seu doutorado em 2009, na Unicamp. Ela estava investigando o impacto da flexibilização dos contratos de trabalho na vida de profissionais de TI, quando se deparou com um tema recorrente, que lhe chamou a atenção: a baixa participação das mulheres nos setores de tecnologia em geral – por volta de 20%, ao longo da última década, segundo os dados anuais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
“Eu comecei a me interessar muito por esse histórico da construção social da associação entre tecnologia e masculinidade. Por que é que as mulheres não entram? A pergunta era um pouco essa. [Eu queria] tentar entender por que é que as mulheres não se interessam pela área“, explica Bárbara.
Especialmente na Inglaterra, os estudos sobre gênero e tecnologia já haviam produzido um vasto material sobre o tema e permitiram à pesquisadora obter algumas respostas. A noção de que a automatização de tarefas nos espaços de trabalho, no final dos anos 80 e durante a década de 90, permitiria que mais mulheres ocupassem funções nos escritórios e nas indústrias acendeu um alerta para sociólogas feministas no período: como foi que as tarefas tecnológicas consideradas mais pesadas passaram a ser associadas exclusivamente à masculinidade?
Bárbara, em entrevista à EOnline, contou que essas autoras revisitaram as origens da Revolução Industrial e analisaram como a divisão sexual do trabalho foi se modificando. “No fim das contas, com a saída da organização do trabalho de dentro da unidade doméstica – onde se dividiam as tarefas para a produção de determinados bens – e o processo de concentração dessas atividades no interior de uma indústria, as mulheres ficaram confinadas no espaço doméstico, tomando conta dele”. Determinados setores da indústria, como o têxtil e a lavação de roupas, absorveram parte mão de obra feminina, mas, como explica a pesquisadora, “os homens é que foram com força para as indústrias de grande maquinário“. É nesse ambiente que se constitui um certo imaginário da relação homem-máquina e de tecnologia, no qual as máquinas são grandes, requerem o uso de força em tempo integral e há suor, graxa e energia. No final do século XX e início do século XXI, pesquisas foram mostrando também como essa associação entre tecnologia e masculinidade foi sendo carregada para as atualizações tecnológicas mais recentes.
Bárbara, assim como outras pesquisadoras e pesquisadores da área gênero, defende a ideia de que os papéis que os gêneros desempenham em um grupo são construídos socialmente: “Nascemos com um determinado corpo, mas esse corpo não determina o nosso comportamento social, não determina nossas habilidades, não determina a maneira de a gente pensar, se mover no mundo, a maneira de a gente se vestir ou os nossos interesses. Isso vai sendo ensinado ao longo da nossa vida“.
O esforço de resistência à reprodução desse imaginário do que seriam “naturalmente” os interesses de meninas e o que seriam “naturalmente” os interesses dos meninos, requer espaços de sociabilidade para crianças que desafiem a lógica binária e ofereçam condições para que tanto meninas quanto meninos se interessem, por exemplo, por robótica. O entusiasmo das garotas em espaços com os quais Bárbara tomou contato deixa muito claro que “não é um traço da natureza a gente se interessar por tecnologia ou não se interessar por tecnologia. É o estímulo que a gente oferece, demonstrando através de exemplos o quanto que a área de tecnologia, de maneira geral, pode ser ocupada tanto por mulheres quanto por homens, que ambos temos essas habilidades. O que a gente precisa fazer é desenvolvê-las”.
Para sua tese de doutorado, a socióloga realizou, em 2011, entrevistas com homens e mulheres que atuam no setor da Tecnologia da Informação em São Paulo e Campinas. Com frequência, os homens diziam que a aproximação com o campo das tecnologias fora algo natural e lembravam brincadeiras da infância. Já as mulheres traziam uma narrativa diferente: com raras exceções, contavam terem sido estimuladas pelo pai, por um namorado ou pelo irmão que atuava na área e que permitia a elas se verem como pessoas que também poderiam trabalhar e atuar no setor. Bárbara tem a impressão de que essas narrativas vêm se transformando desde a defesa de seu doutorado para cá, uma vez que surgiram, com grande força no Brasil, grupos de mulheres ativistas na área, buscando ampliar a participação feminina no setor por meio de oficinas, postos de trabalho, treinamentos, produzindo textos, produzindo formação para mulheres. Mais ainda, essas ativistas têm buscado também exemplos históricos de mulheres nos campos da tecnologia – como a figura de Ada Lovelace, considerada uma das primeiras programadoras. “Com isso começou a se formar um imaginário social mais largo de que as mulheres sempre programaram, sempre tiveram nessa história e sempre fizeram parte dessa história, mas foram invisibilizadas […] – mais um traço de como a cultura machista da sociedade também faz o apagamento e o silenciamento de mulheres e quanto a gente precisa sempre fazer o movimento de revelá-las ao longo dessa história e mostrar como não apenas participamos dessa história mas fomos fundamentais para a produção de conhecimento e continuamos fundamentais para produção de conhecimento“, defende Bárbara.
Por que é importante haver programações e espaços prioritária ou exclusivamente voltados para mulheres?
“Muitas vezes”, diz a socióloga, “[nas oficinas mistas] os meninos zombam das meninas – ‘ah, duvido que você seja capaz de fazer isso’ ou ‘ah, alguém te ajudou em casa a desenvolver esse material’ – e isso é muito violento. Isso vai expulsando também as meninas de se interessarem por tecnologia. E é por isso que, com frequência, as pessoas que dão essas oficinas começaram a perceber que precisava se desenvolver espaços seguros, em que essas mulheres e essas meninas se sentissem seguras para levantar a mão e fazer uma pergunta, para tirar uma dúvida sem ser marcada como… ‘ah, sabia, só poderia ser uma pergunta de uma mulher que não entende nada do que a gente está falando’ – quando, muitas vezes, esses homens também não estão entendendo nada do que está sendo falado, porque, no fim das contas, estão todos ali para aprender“.
Segundo bell hooks (em minúsculas mesmo), autora feminista negra norte-americana, comenta Bárbara, “obviamente, o movimento feminista busca a transformação da sociedade e, para isso, a gente precisa do engajamento e do envolvimento ativo de todo mundo que faz parte dessa sociedade. Então, para a transformação da desigualdade de gênero, a gente precisa da participação ativa de homens e mulheres lutando por essa causa. […] Isso não quer dizer que a gente não possa entender e reconhecer a necessidade dos espaços fechados, que não vão necessariamente permanecer fechados ao longo da história, mas que são necessários em um determinado momento da luta feminista, da luta antirracista, para as pessoas se sentirem à vontade para compartilhar suas histórias, para se reconhecerem, em processos duros de perpetuação de violência que foram sofrendo ao longo da vida“.
Utilizamos cookies essenciais, de acordo com a nossa Política de Privacidade, para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando, você concorda com estas condições.