Gabriela Cherubini, do Ateliê Vivo, mostrando que é hacker também
Por Juliana Ramos
Alinhavar.
Cerzir.
Coser.
São todos sinônimos de costurar, mas poderiam ser palavras em grego antigo tamanha a distância que sinto ao ouvi-las.
Ouvir mesmo só nas conversas com minha avó, que não só sabe operar linha e agulha com maestria, como também sabe tricô, crochê e usa expressões que me parecem até mais estranhas como “pesponto”e “caseado”.
Nesse choque de gerações, sou eu quem fica perdida e pede pra falar mais devagar e explicar de novo. Nas tecnologias analógicas minha avó é hacker.
A minha geração viveu o boom tecnológico do final do século XX. Fomos das fichas telefônicas para os smartphones, das fitas K7 para os streamings de música, do fazer um miojo para o iFood, do correio elegante para o Tinder. Entre o digital e o analógico, a tecnologia à mão nos afastou do passado sem que a gente percebesse, afinal sempre tem um app pra resolver um problema. A nossa relação com o consumo também é parte fundamental disso. Com a facilidade de se encontrar tanta coisa a venda, criar, produzir, construir o que consumimos deixou de ser uma necessidade. Muitas mulheres da geração da minha avó costuravam para que pudessem fazer os próprios vestidos da moda, com moldes emprestados de amigas ou de revistas compradas em bancas de jornal. Hoje nós compramos roupas aos montes, e perdemos parte de nossa história e identidade ao optarmos entre as escolhas disponíveis nas lojas, sem que aquilo que consumimos expresse quem nós somos.
Foi com tudo isso em mente que no meio de tantas tecnologias familiares dentro do espaço do Sesc na Campus Party, fui decidida a experimentar uma diferente de tudo aquilo que eu já tinha experimentado. Dei as costas pros óculos de realidade aumentada e me coloquei de frente para uma máquina de costura. Gabi Cherubini do Ateliê Vivo me recebeu com um sorriso. Enquanto conversava com ela, notei as pedras que servem como peso pra segurar o molde enquanto risco o tecido. As pedras, tecnologia wireless usadas pela minha avó. Ela contou sobre como seu trabalho a coloca de frente com as mais diferentes reações. “A costura resgata a memória das pessoas e com esse resgate vem o reencontro.”
Do reencontro com as lembranças até colocar a mão na massa existem caminhos diferentes. Enquanto eu me preparo para começar a desbravar a tecnologia da máquina de costura, Gabi explica que tem gente que se encontra tão completamente que se pergunta o porquê não começou a costurar antes. E tem aqueles que tem que lidar com a frustração que ronda qualquer processo de aprendizado: errar, errar e errar, antes de acertar. O meu caminho é este último.
A máquina de costura é de 1940 – mas o mesmo modelo é fabricado desde 1890 – e demoro pra conseguir controlar a velocidade do pedal. “Tem que acelerar devagar” ela explica. Depois de alguns minutos errando e refazendo, finalmente a costura começa a dar forma à minha criação. Olhando o produto final com a sensação de ter desbravado o desconhecido, me pergunto “Por que é que não comecei a costurar antes?”.
A bolsinha fruto do meu árduo trabalho na máquina de costura. Minha avó vai ficar orgulhosa.
*Juliana Ramos é editora web do Sesc SP
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