Sergio Amadeu, Maraiza Adami, Fred Paulino e Cris Bartis no estande do Sesc | Foto: Danny Abensur
Com máquinas de costura, notebooks e um ferro de passar roupas de um lado, e uma cortadora a laser do outro, a poucos passos de um casal totalmente imerso em óculos de realidade virtual, o público do estande do Sesc na Open Campus, área de acesso gratuito da Campus Party Brasil 2019, se acomodou, na última quarta-feira à tarde, em dezenas de banquinhos de papelão e colocou seus fones de ouvido, em meio ao ruído permanente do pavilhão da Expo Center Norte, para se concentrar em um bate-papo descontraído sobre um tema que levanta paixões: tecnologias livres vs. tecnologias proprietárias.
Sergio Amadeu, pesquisador da cibercultura e grande defensor do software livre no Brasil, logo de cara desfez uma confusão que não chega a ser incomum. Segundo o sociólogo, quando falamos em softwares livres ou qualquer outra coisa desenvolvida a partir de tecnologias livres, não se está falando de produtos gratuitos. Algum tipo de remuneração acaba, sim, entrando em jogo. E isso não é um problema. O fundamental, no entanto, é que o conhecimento que foi usado para fazer aquele software esteja livre, esteja aberto para que outras pessoas possam criar em cima desse saber.
A recente popularização das impressoras 3D, disponíveis em Espaços de Tecnologias e Artes do Sesc e em diversos fab labs, no Brasil e no mundo, se deu, em grande parte, à expiração de importantes patentes relacionadas a essa tecnologia nos últimos anos, pontuou Maraiza Adami, educadora do ETA no Sesc Avenida Paulista. Com a quebra da propriedade intelectual, mais gente pode ter acesso ao conhecimento de como montar esse tipo de equipamento. Trata-se da quebra do monopólio sobre um saber, percebe a Maraiza, dentro da perspectiva de um outro modo de perceber as trocas sociais.
O movimento em defesa do software livre – e, no limite, em prol de tecnologias livres, em geral –, embora faça referência ao pensamento hacker dos anos 70, acaba tomando mais corpo nos anos 80, com o surgimento do projeto colaborativo que desembocaria, no início dos anos 90, no sistema operacional GNU/Linux – totalmente baseado em softwares livres, ou seja, passível de ser copiado e modificado por qualquer programador.
Cris Bartis, do podcast Mamilos, mediadora do debate, lembrou que a filosofia que fundamenta o projeto GNU e a visão dos envolvidos na iniciativa sobre softwares livres prevê quatro liberdades: a liberdade de executar o programa; a liberdade para estudá-lo e modificá-lo conforme as necessidades; a liberdade para redistribuir cópias desse programa; e a liberdade para distribuir cópias modificadas dele, beneficiando a comunidade. Amadeu, no entanto, ressaltou que faz parte dessa filosofia uma noção importante: “Tudo que a gente fizer coletivamente tem que continuar coletivo”. Ou seja, as tecnologias livres não devem ser apropriadas para o desenvolvimento de produtos que passassem a restringir o acesso à sua natureza, ao conhecimento de como operam.
A internet pode ser utilizada de diversas maneiras, não necessariamente por meio das aplicações mais populares e proprietárias, comentou o sociólogo. Ela é uma obra coletiva, aberta. É livre. Mas, “não basta ser livre, tem que cuidar da liberdade”. E aí é que entra toda uma mudança de perspectiva de como se pode levar adiante o desenvolvimento tecnológico e econômico das nações. “O caminho proprietário é importante para poder aprender a usar“, diz Amadeu, mas “nós temos que aprender a fazer”. E, para isso, seriam as tecnologias livres as mais úteis.
E quem paga a conta? Fred Paulino, artista visual e gambiólogo, não vê a questão como um problema: “As maneiras de remunerar hoje são tão variadas quanto as possibilidades tecnológicas”. Para Paulino, a criatividade é chave para se estabelecer outras maneiras de tornar as trocas sustentáveis para programadores e criadores em geral.
Nos últimos minutos da conversa, o foco voltou-se especificamente à realidade brasileira e como as tecnologias livres e o espírito da gambiarra – que nada mais é do que identificar padrões para poder adaptar qualquer coisa – deveriam ser aplicados de forma mais contundente no campo digital por aqui, particularmente, em temas de ponta, como a nanotecnologia, a inteligência artificial e o machine e o deep learning. Para Sergio Amadeu, trata-se de uma questão de desenvolvimento nacional: “Nós precisamos apostar em tecnologias livres”. Seria o caminho para migrar de uma postura em grande medida usuária para uma postura mais criadora.
Clique aqui para ver a programação completa do Sesc na Campus Party, que vai até o dia 16 de fevereiro, na Expo Center Norte. Ao longo do ano, acontecem nos Espaços de Tecnologias e Artes das unidades do Sesc São Paulo diversos cursos e oficinas voltados à prática e à reflexão sobre tecnologias livres, fique de olho de programação.
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