Amor é a palavra que melhor pode resumir a relação de Nayuda e Edinho Poesia.
Amor um pelo outro, amor pelo filho e amor pela arte. Nayuda é uma poeta conhecida no circuito do Slam, principalmente pelo gênero feminista, materno e erótico. “Eu sou de Brasília, me mudei faz 6 anos para São Paulo e, no começo, eu não conhecia ninguém, não tinha conhecimento nenhum em arte. Eu vim para cá apenas pelo Edinho, e ele me levou para os Slams, para os museus e instituições culturais. Ele me mandava vídeos de poesia pelo WhatApps, eu fui me apaixonando. Mas no começo eu achava a poesia [na língua de sinais] uma brincadeira”, relembra Nayuda. E, mesmo não gostando dos Slams, ela sempre acompanhava Edinho. Aos poucos, Nayuda foi frequentando, conhecendo e se apaixonando pelo Slam. “O Edinho fala que depois que você começa a fazer poesia, nunca mais vai parar… e ele tinha razão, depois que comecei não parei mais”, conta.
“Me engajei, comecei a estudar mais sobre as opressões que nós, mulheres, sofremos, e conheci a poesia surda feminista e pensei: eu quero falar algo sobre o que eu gosto e está dentro de mim.” – Nayuda
Nayuda teve sua estreia na poesia em 2018 na competiçãoSlam do Corpo. Nesse mesmo período, iniciou seu estudo sobre o movimento feminista. “Me engajei, comecei a estudar mais sobre as opressões que nós, mulheres, sofremos, e conheci a poesia surda feminista, e pensei: eu quero falar algo sobre o que eu gosto e está dentro de mim”, relembra. Assim, falar sobre erotismo é uma forma de resistência, e Nayuda, em 2019 na Casa das Rosas, realizou a primeira apresentação de uma poesia feminista erótica. Ela relata que foi muito difícil, pois muitas pessoas foram contra, inclusive o Edinho.
Depois de ler, entender e conhecer mais sobre o assunto, muito além das referências estereotipadas que trazia consigo, “a minha mente se abriu”, destaca Edinho. Hoje ele é defensor deste gênero de poesia.
“A minha primeira experiência no MAM aconteceu aos 13 anos e para mim foi muito marcante. Eu, como estudante, visitando aquele lugar pensei como poderia ser um educador. Quando eu visitava museus e diversos espaços culturais, via tradutores e intérpretes [Libras] que não davam conta de explicar tudo aquilo” – Edinho Poeta
Edinho atua em diversas áreas. Já produziu e trabalhou no Bloco Vibramão, Festival Cultura Surda (Itaú Cultural). Como ativista, compôs o Congresso Nacional Social de Inclusão Negros Surdos e, como poeta, participa do Slam do Corpo. Em 2015, ganhou como melhor Slam em São Paulo. Como educador, já passou pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), Museu do Futebol, Bienal, Museu Afro Brasil e atualmente está no Itaú Cultural.
A experiência na infância como surdo foi revistaquando começou nos Slams. Segundo Edinho, ter as poesias apresentadas com intérpretes de Libras mexiam com ele. “Os Slams apareceram em um momento importante, sentia que estava perdendo muita coisa. Aquilo era muito forte, mexia comigo, me fazia reviver meu passado, revirar muitas coisas e comecei a pensar que eu era capaz. Lá virou meu espaço de estudo, e de lá decolei.”
Esse voo alcançou vários lugares: em 2018, surgiu a oportunidade de um teste na Netflix, que acabou por se tornar a participação no filme “O Matador” e, logo em seguida, com a visibilidade do filme, veio o convite para realizar participação da música Tô Feliz (Matei O Presidente) 2 de Gabriel Pensador, com mais de 2 milhões de acessos.
“Ele [Noan] sabe que não escutamos, e quando precisa chamar, ele puxa o rosto em sua direção” – Nayuda
CODA é uma sigla em inglês para Children Of Deaf Adults que em português significa Criança de Pais Surdos. Noan, de 4 anos, filho de Nayuda e Edinho, é um CODA e foi educado desde o nascimento em duas línguas, o português e a Libras. “A gente sempre leva o Noan nos Slams. Ele fica fissurado assistindo à performance do Edinho e diz: ‘mamãe, mamãe aquele é o meu papai né?!’”, relata Nayuda.
Para Edinho, é muito importante levar o filho para todos ambientes, pois, de acordo com ele, “a educação não é só ficar em casa, você precisar ir para escola, ter contato com universo artístico, estar dentro da comunidade surda, entender o que é a periferia, a educação se faz em todos os lugares”.
O Slam é uma palavra do inglês que traduzida para o português significa batalha de poesia. Segundo Edinho, no Brasil, ele se disseminou nas periferias, devido às diversidades de pessoas que desejam falar algo, principalmente populações invisibilizadas como negros. LGBTQIA+, população rural, entre outros.
“O que nós surdos queremos é construir junto com a sociedade ouvinte, em pé de igualdade” – Nayuda
O primeiro Slam sinalizado em Libras no Brasil foi o Slam do Corpo. Segundo Edinho, essa ação consegue conectar as pessoas ouvintes e surdes. “As pessoas estão acostumadas a ouvir poesia, mas não a olhar para si. Parece que dentro de si tudo está guardadinho em uma caixa escura. O Slam do Corpo ajuda a abrir essas caixinhas e a botar para fora tudo o que você está querendo dizer. Isso é muito especial, todo mundo tem vontade de dizer alguma coisa, e a gente estimula para que as pessoas falem”, afirma Edinho.
Nayuda complementa: “O que nós surdos queremos é construir junto com a sociedade ouvinte, em pé de igualdade. A sociedade ouvinte está acostumada a falar, falar e falar, e quando a gente faz esse beijo de línguas¹ [encontro do português e Libras] é para que as duas línguas estejam em pé de igualdade, e não é para que as pessoas tenham medo de se comunicar com o surdo, como se ele fosse um extraterreste ou monstro, a partir da arte a gente consegue trocar”.
Nayuda e Edinho formam um casal e, embora trabalhem com estilos diferentes de poesia e tenham formas distintas de organizar o seu processo de criação, eles partilham do mesmo ponto de vista no que se refere à importância de equidade e espaços para surdes e ouvintes se apresentarem, assim como o trabalho em conjunto da Língua Portuguesa e Libras como elemento que potencializa a arte da poesia.
Os poetas relataram que o vídeo Poesia A e Z Brasil foi gravado em sua casa. Até chegarem a esse formato, eles contaram, de forma cômica, que houve várias discussões. “É essa diversidade de formas de trabalho que possibilita a criação de novas poesias e sentidos”, avalia Edinho.
O vídeo de Nayuda e Edinho é uma performance poética em Libras, que segue utilizando as letras do alfabeto e discute sobre a situação de estar em casa durante a quarentena de COVID-19 no Brasil, rotina que surdes e ouvintes passaram.
Assista abaixo o vídeo:
A Semana Modos de Acessar, ação do Sesc São Paulo, aconteceu de 3 a 10 de dezembro e promoveu diversas atividades para incentivar a participação social das pessoas com e sem deficiência. Diante do momento de pandemia, o evento aconteceu inteiramente no ambiente digital.
A apresentação de Nayuda e Edinho é uma das sete performances que compõem a proposta pelo Coletivo Home Art.
Acompanhe mais apresentações em www.sescsp.org.br/modosdeacessa.
***Entrevista realizada por plataformas virtuais com auxílio de intérpretes em Libras:
Sylvia Sato é intérprete de libras atuante na esfera artística, produtora cultural, integrante do Coletivo Deriva e também do Coletivo Grão, onde atua também como atriz. Com os parceires Erika Mota (intérprete de libras) e Leo Castilho (artista e produtor surde) produz o LiteraSurda
Andrey Gonçalves Batista. graduação em tradução e interpretação de Libras. Intérprete da Universidade Federal do ABC.
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