Por Gabriela Graça Ferreira*
Natureza.
Qual a primeira imagem que surge na sua cabeça ao ouvir esta palavra?
Provavelmente, muitas pessoas descreverão ambientes naturais, idílicos, sem a presença humana, como algo muito distante de nossas vidas. Mas você sabia que esse é apenas um dos inúmeros imaginários possíveis sobre esse termo? O que queremos dizer aqui é que não há um conceito definitivo sobre o que é natureza, uma vez que, ao longo da história da humanidade, cada sociedade atribuiu significados diferentes, por vezes antagônicos, de acordo com a sua identidade cultural, contexto socioeconômico e interesses políticos.
Para as sociedades contemporâneas predomina a perspectiva antropocêntrica e individualista, que coloca o ser humano como centro do universo, rompendo o entendimento que as bases da vida estão conectadas à natureza, que passa a ser explorada pelos setores econômicos como fonte de recursos para a produção e consumo intensivo de mercadorias.
E qual foi o resultado deste modelo de desenvolvimento em que vivemos? Um quadro sem precedentes de degradação ambiental dos bens comuns à vida e a manutenção da desigualdade de acesso às riquezas e dos conflitos sociais. Vale ressaltar que a contaminação das águas e dos solos, alterações climáticas, desmatamento, redução da biodiversidade, dentre outros, atingem de forma direta grupos sociais mais vulneráveis, como as comunidades que habitam áreas periféricas e de risco nos centros urbanos e as comunidades que dependem dos bens naturais para sua subsistência, como populações indígenas, extrativistas, quilombolas, ribeirinhas, caiçaras e agricultores familiares.
A pandemia do novo Covid-19 é um exemplo recente e concreto do impacto de ações humanas não comprometidas com a relação de interdependência entre natureza e sociedade. Diversos estudos já apontavam o risco eminente da aceleração do processo de aparecimento de novos vírus devido a atividades como caça para consumo de animais silvestres e desmatamento de áreas de florestas para mineração e abertura de estradas[1]. A pandemia nos relembrou de forma abrupta a nossa fragilidade diante de um vírus e o despreparo dos nossos sistemas econômicos e sociais, que novamente penalizaram as populações economicamente mais pobres e sem possibilidades de adotar medidas preventivas.
Diante das novas dinâmicas de vida que se apresentam, decorrentes do isolamento social para contenção da Covid-19, algumas notícias veiculadas pela mídia chamam a atenção das pessoas para questões ambientais, como a melhora da qualidade da água, redução da emissão de poluentes na atmosfera e a presença de animais silvestres nas cidades europeias esvaziadas; por outro lado, no Brasil tivemos o aumento alarmante dos índices de desmatamento da Amazônia associado ao avanço da monocultura da soja, mineração e pecuária extensiva; e a presença de um novo tipo de resíduo nas ruas, rios e mares: as máscaras e luvas descartáveis. Estes fatos revelaram pontos de conexão invisíveis, onde foi possível constatar (o que os dados científicos exaustivamente já apontam há décadas) como nosso modo de vida é insustentável e que a degradação ambiental é fruto de uma crise social e política que vivemos.
Contudo, ao entendermos que a sociedade é diversa e composta pela ação de diferentes agentes, outras lógicas existem e resistem, como a narrativa das comunidades tradicionais, onde é reconhecida a relação intrínseca da natureza com a prática cultural, espiritual, religiosa e econômica desses povos, com base em saberes ancestrais e no desenvolvimento de tecnologias apropriadas ao contexto local.
A pandemia da Covid-19 é um marco histórico importante e uma oportunidade de revisão sobre os nossos modos de vida, sob o risco da pandemia acabar e enfrentarmos situações piores em termos socioambientais. É o momento de consolidar movimentos populares, que defendam políticas ambientais e de redução das desigualdades sociais e que também pratiquem mudanças culturais pautadas em compromissos éticos com os bens naturais (cuidados com a água, energia, consumo responsável, minimização e destinação adequada dos resíduos, etc.).
Uma estratégia política potente para provocar estas mudanças são as áreas naturais protegidas, que nascem a partir de outros significados atribuídos à natureza, e que são definidas como espaços geográficos planejados e geridos com o objetivo de conservar a natureza, os seus serviços ecossistêmicos e os valores culturais associados[2]. No Brasil, estas áreas compreendem tanto as terras indígenas e territórios quilombolas, reservas legais, áreas de preservação permanente, parques urbanos, áreas tombadas; como também as Unidades de Conservação (UC) que, dependendo da sua categoria, podem ter como objetivo a proteção integral ou o uso sustentável.
As áreas naturais protegidas, se adotadas como eixo prioritário para o desenvolvimento, são vetores de transformação social e de promoção da sustentabilidade ambiental e da saúde pública nos territórios onde estão inseridas. Suas contribuições no campo ecológico envolvem desde a conservação dos serviços ecossistêmicos (garantia da qualidade da água e do ar, equilíbrio do microclima, permeabilidade do solo, preservação da biodiversidade, polinização, controle biológico de pragas e doenças), como também desempenham papel fundamental na prevenção de desastres naturais, adaptação e mitigação frente às mudanças climáticas.
Estas áreas também possuem o papel social de garantir a manutenção da cultura, modos de vida e saberes das populações tradicionais e meios de subsistência para as comunidades em situação de vulnerabilidade social que moram dentro destas áreas e nas suas vizinhanças.
Ao mesmo tempo, uma outra função social (e que está conectada com as demais contribuições) é reaproximar as pessoas da natureza e suscitar novas formas de aprendizagem, principalmente para as populações que moram em ambientes urbanos. Isto pode ser realizado por meio de experiências contemplativas e sensoriais, convivência e o intercâmbio de saberes oferecidos por atividades educativas, turísticas e de recreação, como estudos do meio, oficinas e cursos, trilhas e caminhadas, banhos de rio, vivências de observação de fauna, práticas esportivas, degustação de alimentos nativos, dentre outros.
No Brasil, onde 84,72% da população[3] é urbana, a necessidade de contato com áreas naturais por essas populações aparece nos resultados da pesquisa do programa USP Cidades Globais[4], onde do total de pessoas entrevistadas em diferentes estados do Brasil, 86% afirmaram sentir falta de estar em áreas verdes e 90,8% pretendem frequentar estes espaços após a flexibilização do isolamento social.
Neste sentido, estamos em um momento em que as áreas naturais protegidas urbanas ou remotas podem, a partir de protocolos sanitários exigidos e planejamento adequado para o uso público, assumir uma maior relevância e serem espaços seguros e saudáveis para a retomada das atividades humanas ao ar livre, reforçando o benefício destas áreas para a saúde pública, para a geração de renda a partir dos serviços que mobilizam, bem como para a sensibilização das pessoas e comunidades sobre todo o contexto socioambiental que está associado a estas áreas.
Agora, convido você leitor para parar e refletir: o que é natureza? Você conhece alguma área natural onde você mora, na sua cidade? Como as pessoas e grupos se relacionam com ela? Qual a importância destas áreas para a sua vida? Qual o seu papel como cidadã/o para o cuidado com as áreas naturais? Você já conversou com outras pessoas sobre esse assunto?
Para enriquecer esta discussão, acerca do papel social das áreas naturais protegidas, ouça também a matéria em áudio onde entrevistamos Cristine Takuá, professora indígena, formada em Filosofia pela UNESP, Maura Pereira, monitora ambiental e residente da comunidade Vila da Mata em Bertioga, Juliana Castro, da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo e Emerson Costa, supervisor da Reserva Natural Sesc Bertioga.
*Gabriela Graça Ferreira é graduada em gestão ambiental e especialista em educação ambiental. Atua como assiste técnica da área de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.
[1] Dados presentes na entrevista: A pandemia nos lembra que também somos parte da natureza
[2] Definição da IUCN: Governança de Áreas Protegidas
[3] Dados do IBGE: População rural e urbana
[4] Acesso a pesquisa do programa USP Cidades Globais: Pesquisa identificou expectativa da população para uso dos espaços públicos e semipúblicos pós-quarentena
O Sesc São Paulo, a partir do seu compromisso com a sustentabilidade e com as pautas sociais emergentes, também busca efetivar o potencial educador das áreas naturais presentes em suas unidades.
Um dos projetos que realiza para alcançar este objetivo é a Reserva Natural Sesc Bertioga, que foi criada em 2016 com a intenção de inspirar valores de cidadania e gerar bem-estar por meio de um vínculo maior das pessoas com os ambientes naturais de forma acessível. A área, adquirida e cuidada pelo Sesc São Paulo desde a década de 1940, está encravada na zona urbana da cidade de Bertioga e possui cerca de 60 hectares de Mata Atlântica, com uma rica diversidade de fauna e flora nativas de floresta alta de restinga, muitas das quais ameaçadas de extinção.
Em processo de reconhecimento para se tornar uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), a Reserva possui um cardápio de atividades e projetos para atingir os seguintes objetivos: proteger a biodiversidade, realizar atividades de educação e turismo, integração e valorização das comunidades e culturas locais, além de incentivar pesquisas científicas e o diálogo com outras Unidades de Conservação.
O envolvimento e o diálogo com a comunidade local são pressupostos para a atuação na Reserva. Aconteceu durante as etapas de elaboração do seu plano de manejo e no planejamento do traçado de sua primeira trilha, bem como acontece de forma processual por meio de visitação de escolas e instituições e projetos coletivos junto a comunidade para o plantio de hortas comunitárias, formação de monitores locais de turismo e criação de conteúdos educativos junto aos jovens.
Uma das linhas de ação do Sesc SP vinculadas a Reserva é a realização do Curso de Gestão de Áreas Naturais Protegidas, ciclos de formação que envolvem o Centro de Pesquisa e Formação, Sesc Bertioga, Sesc Interlagos e Sesc Itaquera. A realização também conta com a parceria da Colorado State University (CSU) e apoio da Secretaria do Verde e Meio Ambiente do município de São Paulo, Fundação Florestal e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O curso aborda temas e discussões emergentes para a gestão de áreas naturais protegidas no Brasil para profissionais, pesquisadores, estudantes, ativistas e lideranças que atuam neste campo ou possuem interesse no tema.
Assista o vídeo e conheça mais sobre o Curso de Gestão de Áreas Naturais Protegidas:
Acompanhe no CPF Sesc as inscrições para os futuros ciclos do Curso de Gestão de Áreas Naturais Protegidas.
Uma outra realização do Sesc SP é o projeto Ideias e Ações para o Novo Tempo, que mapeia, nos territórios onde as unidades do Sesc SP estão inseridas, iniciativas socioambientais focadas na valorização da comunidade e no desenvolvimento local, sob a perspectiva da educação para sustentabilidade. Estas iniciativas são convidadas a realizarem ações educativas junto com o Sesc SP e participarem em espaços de encontro para a troca de conhecimentos e saberes.
No intuito de dar visibilidade a esses exemplos e, principalmente, trazer referências para o debate e a mobilização das pessoas, o Sesc SP desenvolveu o webdocumentário “Ideias e Ações para um Novo Tempo”, que inspirado no projeto de mesmo nome, traz uma diversidade de perspectivas de representantes de iniciativas socioambientais e especialistas sobre suas percepções acerca da relação entre natureza e ser humano.
Confira abaixo o webdocumentário e conheça mais sobre estas iniciativas que propõem modos de viver mais sustentáveis:
Veja o webdocumentário com Legenda Closed Caption
Veja o webdocumentário com Audiodescrição
Veja o webdocumentário com LIBARAS E LSE
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