Essa história foi passada entre nossa família por tia Lurdes e primas…
Na Vila Nova, em Registro, existe um poço. Um poço que está na residência desses familiares por um bom período. Hoje em dia, esse poço já foi até desativado.
Certa vez, por volta dos meus seis anos, estávamos no ônibus vindo para Registro, e minha mãe começou a contar a história desse tal poço, dizendo para que eu nunca chegasse perto dele. Mesmo eu sendo muito nova, tenho uma recordação muito clara e boa desse dia! E isso ficou marcado na minha cabeça.
Como naquela época as casas eram mais afastadas, as pessoas pegavam água daquele poço para abastecer suas famílias. Uma vez, minha vó foi buscar água a noite e, chagando lá, ela ouviu um som vindo de dentro do poço, parecendo um assovio. Mesmo estando ressabiada, ela resolveu perguntar: “Quem está aí?”. E ninguém respondeu… Como ninguém respondeu, ela apenas seguiu o que estava fazendo e começou a puxar o balde para cima. Quando ela olhou em direção ao poço, viu um menino bem pequeno dentro do balde. Rapidamente, ela largou o balde, saiu correndo e começou a gritar, chamando todas as pessoas para irem ajudar a socorrer o menino! Coitado dele!
Quando o pessoal chegou, começaram a procurar pelo menino, mas ele não estava dentro do balde. Procuraram por toda parte. Todos procurando com suas lamparinas, chamando, chamando… e nada! Em meio à busca, começa uma forte ventania. Meu avô, motorista de ônibus, já estava acostumado com situações como esta, pois muitas coisas aconteciam durante as madrugadas, tranquilizou a turma toda. Mas logo, percebendo a ventania, já imaginou o que poderia ser. Então começou a assoviar também.
Dizem que não devemos assobiar na mata, pois acabamos por chamar o saci. De repente, em resposta ao meu avô, veio outro assobio da mata. A maioria das pessoas que estavam ali já estavam a quilômetros de distância, correndo de medo! E como já sabemos, o saci vem para aprontar e assustar as pessoas.
Meu avô, em alto e bom tom falou, então, para o Saci: “Não mexa nesse poço. Aqui usamos para reabastecer as casas! Se você continuar por aqui, vamos ter um embate!”. O saci gritou: “Esta marcadoooooo!”. E logo em seguida, veio uma ventania forte e fomos tomados todos pelo silêncio. “A briga com o Saci estava armada!”, disse meu avô para minha avó. Ele ficou pensando em como poderia enganar o Saci, pois, se ele perdesse a briga, perderíamos o poço.
Naquela noite ninguém saiu de casa, todos ficaram tensos e preocupados. Até que chegou o momento que meu avô encontrou com o Saci novamente no poço. O Saci falou: “O que você tem pra mim?”. “Eu tenho um cachimbo e fumo de rolo. Vou colocar aqui na beira do poço. Aproveite e venha fumar aqui comigo!”, respondeu meu avô. Sentou-se, ascendeu o cachimbo e ficou esperando o menino Saci parar de se esconder.
O Saci saiu da mata, pegou o fumo de rolo, e ficou olhando para meu avô.
Enquanto o Saci preparava seu cachimbo, meu avô começou a conversar e distrair o Saci. E quando o Saci já estava mais tranquilo, fumando o cachimbo, meu avô mais do que rápido puxou o gorro do Saci – que é o que dá forças para ele! E o empurrou no poço, fazendo com que o menino começasse se debater na água.
Meu avô gritou “Ôoooo Saci, tem muitos de você por aqui! Fique aí dentro desse poço!”. Ele selou o poço e ninguém nunca mais pegou água lá. Tem gente que fala que quando passa por aquela região, às vezes, escuta um assovio. Acreditamos que ainda pode ser o Saci tentando atrair alguém que possa abrir o poço para ele escapar.
Conto “O Poço” por Mih Chilena | Mih Chilena é moradora de Registro/SP, oficineira, palestrante e escritora.
Ilustrações por Sávio Soares.
*Esse conteúdo editorial faz parte da série online “Histórias Míticas do Vale do Ribeira” que integra a programação especial em comemoração aos 100 anos do prédio histórico do Sesc Registro, nominado “KKKK”, como ficou conhecido o conjunto arquitetônico instalado em 1922 pela Companhia Ultramarina de Desenvolvimento (de cujo nome em japonês -Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha- deriva a sigla dos quatro Ks). No canal do YouTube do Sesc, o público também pode acompanhar o processo de criação das ilustrações pelo artista Sávio Soares. Além de lendas e causos populares que povoam o universo da cultura tradicional regional, as publicações trazem também crônicas sobre locais, acontecimentos, paisagens e personagens históricos do Vale do Ribeira.
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