Denise de Paula | Cantora e compositora da Acadêmicos de Vila Gerty | Fotografia: Dalmir Ribeiro Lima
Experimente fechar os olhos por um momento e lembrar de uma saudade de Carnaval. Esta memória é acompanhada de alguma música especial? Qual é o som que desperta suas lembranças?
Nestes tempos de distanciamento e cuidados, em que a festa mais popular do país é adiada e a saudade da folia ganha espaço na avenida, as unidades do Sesc São Caetano e do Sesc Santo André lançam a série documental “No ABC do Samba”, que faz um retrato da contribuição artística, cultural e social das agremiações carnavalescas na região do ABC paulista.
A memória dos desfiles, os sambas-enredos, os desafios e as alegrias vivenciados por toda uma comunidade na construção coletiva da festa de carnaval são apresentados por meio de depoimentos de personagens representativos na trajetória das principais escolas de samba nas cidades de São Caetano do Sul e Santo André. Palmares, Ocara Clube, Tradição da Ponte e Acadêmicos de Vila Gerty protagonizam os quatro episódios desta série, que desfila com suas histórias na plataforma Sesc Digital, a partir de 25 de fevereiro, sexta, às 19h.
As escolas de samba começaram a se organizar na região do ABC paulista no fim da década de 1970. Apesar do embrião carnavalesco nas cidades ter sido fomentado bem antes, foi nesse período que o Carnaval passou a ter uma organização mais robusta. Escolas como a tradicional Ocara já figuravam em Santo André desde o fim da década de 1960, tendo realizado seu primeiro desfile, ainda como bloco, em 1957. Outra agremiação muito importante do município é a Escola de Samba Palmares. Fundada em 1977, com o objetivo de preservar as raízes africanas, surgiu por intermédio do pernambucano e filho de sanfoneiro Luiz Gonzaga Alves, o Marinheiro, que chegou em São Caetano em 1952. O ano de 1958 marcou o desfile da primeira escola de samba da cidade, no bairro Vila Gerty.
Apesar de haver alguns raríssimos registros do Carnaval de São Caetano, desde a década de 1950, o desfile de escolas de samba na cidade só ganhou o prestígio de um grande evento nos anos 2000, a partir do surgimento de mais escolas, como a tetracampeã Tradição da Ponte e a Imperatriz do Bairro Nova Gerty, que foi fundada por uma mulher sul-caetanense, a Rose Calixto, uma das primeiras intérpretes do Carnaval do ABC.
Hoje os desfiles não acontecem mais oficialmente na região desde 2016, mas as lembranças do tempo de folia ainda pulsam forte na memória das famílias e comunidades envolvidas com a história da festa na região, como nos confessa Marília Fonseca, presidente do Ocara Clube, em seu depoimento para o documentário “No ABC do Samba”.
“A construção de um Carnaval faz falta na minha vida! Porque era gostoso participar, era gostoso fazer, era gostoso ver pronto na avenida… mas só quem fez sabe a dificuldade que é chegar este carnaval na avenida.” – Marília Fonseca
Como o som forte de uma bateria de escola, ainda pulsa nas cidades do ABC Paulista a paixão pelo Carnaval e a dedicação ao pavilhão, palavra esta que nomeia o estandarte oficial de uma escola de samba, mas que não é só uma bandeira, e sim um manto sagrado que representa toda a organização da comunidade e seu amor pelo samba. Este amor alimenta a tradição carnavalesca que une várias gerações no mesmo compasso, na mesma avenida.
A rivalidade de outros tempos impulsionava o empenho das escolas em realizar uma participação cada vez mais bonita na avenida, mas a união e a colaboração entre as comunidades envolvidas no samba da região também sempre foi presente e alimentou a cultura carnavalesca nas cidades do ABC paulista, com grande destaque para o protagonismo e importância da cultura negra na construção coletiva desta história.
“O Carnaval é uma das festas que mais identifica o povo negro. Mesmo estando presente em outras culturas, no Brasil a celebração teve nos toques e ritmos africanos sua grande força motriz. O projeto ‘No ABC do Samba’ tem por intuito visibilizar as escolas de samba das cidades do ABC Paulista, tendo como protagonistas personagens importantes do samba da região.” – ressalta Jair Netto, diretor do projeto.
A série documental “No ABC do Samba“, realizada em parceria pelo Sesc São Caetano e o Sesc Santo André, contou com a pesquisa do músico e instrumentista Yvison Pessoa, presidente do Instituto Cultural de Tradição e Memória do Samba de São Mateus, e grande conhecedor da história do samba, e de Jair Netto, professor e produtor cultural, e que também assina a concepção artística do projeto.
Dentre os entrevistados estão Adilson Gonzaga Martins Alves, apelidado de Tiziu, que é músico e percussionista e hoje ocupa a posição de presidente da Escola de Samba Palmares. Sua ligação com o carnaval vem desde sua infância, pois é filho do grande Marinheiro, pioneiro do samba na região e famoso compositor de sucessos do gênero, como a música Desejo de Amar. Atualmente o Adilson coordena o projeto Palmares, Ontem, Hoje e Amanhã, no qual ministra oficinas de percussão para crianças, com o intuito de conservar a tradição e essência rítmica do samba.
Representando a Acadêmicos da Vila Gerty está a cantora Denise de Paula. A partir de 1996, com a fundação da escola que tinha como presidente Amauri Lúcio e contava com a luxuosa voz de Rose Calixto como intérprete oficial, Denise começou a se envolver com o carnaval de São Caetano. Atuou em várias áreas e no terceiro ano assumiu a responsabilidade de sair como intérprete oficial da Acadêmicos da Vila Gerty com o samba-enredo “Samba Alusivo”.
A história do Ocara Clube está representada no depoimento da Marilia Fonseca. Antes de assumir a presidência, em 2015, passou por vários setores, como passista, bateria, diretoria social e secretaria, dentre outros. Marilia está no seu terceiro mandato consecutivo, contribuindo para que seu protagonismo feminino sirva de referência para outras mulheres na conquista de novos espaços dentro do samba.
Em São Caetano o entrevistado Mario Souza Pastel, é o vice-presidente da Escola de Samba Tradição da Ponte que narra a trajetória desta tetracampeã do carnaval, na qual ele é engajado desde sua adolescência. Mesmo não desfilando desde 2013, Miltão ainda desenvolve vários projetos sociais voltados para jovens e adolescentes, em parceria com entidades da região.
Assim como a letra de um bom samba, o saudosismo é latente nos depoimentos dos participantes da série documental “No ABC do Samba”, mas, para além disto, também fica evidente o quanto o espírito carnavalesco permanece presente e ativo em suas vidas. Mesmo sem a realização dos desfiles oficiais, as organizações realizam reuniões e algumas se apresentam em pequenos blocos, enquanto os entrevistados permanecem atuando em diversas atividades artísticas relacionadas ao universo do carnaval. Alguns seguiram carreira na área musical ou gerenciam empreendimentos socioculturais, e muitos deles realizam apresentações e participações em escolas e desfiles em outras localidades, principalmente na cidade de São Paulo. Mas em toda a comunidade carnavalesca da região metropolitana a saudade da festa e a esperança do retorno dos desfiles oficiais das escolas ainda ressoam forte.
No ritmo desta saudade, voltemos àquela memória de carnaval com os olhos fechados. Consegue imaginar a batucada de uma bateria de samba lentamente se aproximando na avenida? Está percebendo que o ritmo vem seguindo um compasso que se confunde com a pulsação que bate no peito? E o naipe de surdos marcando forte os passos das alas que despontam em movimentos coreografados e multicoloridos? Observe agora o agogô estrilando no vento enquanto a cuíca vem cantando o seu lamento. No fundo, tem aquele reco-reco que não fica quieto. Enquanto isso, no repique a caixa e o pandeiro desenham o roteiro de todo o enredo. Por fim, o cavaco e o tamborim abrem alas por onde desfilam a melodia e a voz de toda a poesia do Carnaval.
Conseguiu imaginar? Escutar? Pois é, este é o som da saudade de quem tem sua vida pautada “No ABC do Samba”.
O que: Série Documental “No ABC do Samba”
Quando: Estreia dia 25/02, sexta-feira, às 19h
Onde: sesc.digital
Realização:
Sesc São Caetano e Sesc Santo André
Ficha Técnica:
Jair Netto – Diretor, Pesquisador, Roteirista, Produtor
Ale Machado – Produção de Audiovisual, Direção de Fotografia e Edição
Yvison Pessoa – Pesquisador
Silvana Silva – Produção Executiva, Logística
Marcelo Coutinho – Assistente de Produção
Co-Produção – Almas do Brasil Produção – Toka Produtora
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