Os Tempos de Brincar

19/05/2017

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Foto: Marco Antônio

Numa das beiradas do rio Amazonas, um menino certa vez me disse que no tempo das cheias, quando as “águas grandes” transbordam, sente saudade de pé no chão, de roçar a terra ao brincar. Um outro menino, esse de um sertão de estradas de um poeirão sem fim, contou sempre esperar a chuva cair para molhar o chão, que, batidinho, é puro convite para rodar pião. Assim, os meninos das águas e do sertão, cada um a seu modo e em seu território, falaram de uma sabedoria que só o tempo da natureza ensina.

O ambiente, com seus ciclos, convoca temporadas do brincar. Até mesmo nas cidades, de chãos já tão cimentados e poucas árvores para acolher a brincadeira. Ali, quando o vento assobia mais forte, os meninos já olham saudosos para o céu. Espiam longe por entre os fios da eletricidade que guardam antigos vestígios de um brinquedo que rompe os ares. Brincares. O tempo da natureza é um preciso chamado.

Existe também o tempo do brinquedo, da brincadeira. Quanto tempo para se fazer um carrinho? Quanto tempo para se aprender a rodar um pião (objeto que demanda uma boa medida de tenacidade)? Quanto tempo para montar toda a casinha, preparar a comida de folhas e flores, ajeitar as “filhinhas” (de pano, sabugo, pau ou plástico) naquele viver-brincar? O brinquedo pede afinco, obstinação, persistência. Uma teimosia infantil.
E ainda tem o tempo da criança. Na Grécia Antiga, existiam três palavras para falar do tempo: Chrónos, Kairós e Aión. Chrónos é medida do tempo, fatiado em calendários. Kairós é o tempo da oportunidade. Já terceira dimensão é Aión, que é o tempo da experiência e da contemplação. É o tempo do brincar de uma criança ou, segundo o pensador Heráclito, “é uma criança que brinca”, alargando e suspendendo o Aión.
Todos esses tempos – da natureza, do brincar e da criança – se misturam nas águas de um mesmo rio, que corre para um mesmo lugar dentro da gente. É urgente respeitá-los. O tempo do brincar é o da descoberta, da intensidade, da conexão, do encontro, da partilha, do transbordamento, da entrega, do fascínio. Do encantamento.

É tempo da Semana Mundial do Brincar. Que seja de todos os tempos.

Por Gabriela Romeu – jornalista, documentarista e pesquisadora da infância. É autora do livro Terra de Cabinha (editora Peirópolis) e uma das idealizadoras do Infâncias.

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