Leia a edição de agosto/22 da Revista E na íntegra
Em 2022, comemoram-se três décadas da demarcação da Terra Indígena Yanomami, reserva com área superior a 9 milhões de hectares de Floresta Amazônica, entre os estados de Roraima e Amazonas, na fronteira com a Venezuela. A homologação foi feita pelo então presidente Fernando Collor de Mello, em 25 de maio de 1992, dias antes da realização da Eco-92, no Rio de Janeiro [leia matéria publicada na Revista E nº 308, de junho de 2022]. Um dos maiores líderes políticos e porta-voz do povo Yanomami, que lutou durante décadas por essa conquista, é o escritor e xamã Davi Kopenawa.
Ele esteve pessoalmente na 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em 8 de julho, quando participou de um bate-papo, ao lado do jornalista Felipe Milanez e da filósofa e professora indígena Cristine Takuá, sobre a biodiversidade amazônica. A atividade aconteceu no Salão de Ideias, espaço do Sesc São Paulo na Bienal. Kopenawa também esteve no Sesc Pompeia, no último 19 de abril, quando integrou uma mesa de debate ao lado do filho, Dário Kopenawa, do fotógrafo Sebastião Salgado – que registrou, nos últimos anos, comunidades originárias isoladas que estão retratadas na exposição Amazônia, no Sesc Pompeia até 31 de julho [leia Depoimento publicado na Revista E nº 307, de maio de 2022] – e do antropólogo Marcos Wesley, coordenador do programa Rio Negro, no Instituto Socioambiental (ISA).
Reconhecido internacionalmente, Davi Kopenawa recebeu prêmios importantes, como o Global 500, da Organização das Nações Unidas (ONU), e a Ordem Nacional do Mérito, concedida pelo então Ministério da Cultura brasileiro. Kopenawa, cujo nome significa “vespa” em seu idioma nativo, é um dos fundadores da Hutukara Associação Yanomami e autor da autobiografia A queda do céu – Palavras de um xamã yanomami (Companhia das Letras, 2015), publicada originalmente em francês, em 2010, em colaboração com o antropólogo Bruce Albert. Ele também colaborou com o roteiro do documentário A Última Floresta (Brasil, 2020), dirigido por Luiz Bolognesi, filme que mostra como o xamã tenta manter a vida e as tradições do povo Yanomami. A produção audiovisual esteve presente na programação do projeto Luta Yanomami: Cinema como Aliado, realizado pelo CineSesc, entre julho e agosto de 2021.
Neste mês em que é celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9/08), esse Depoimento traz alguns trechos da fala de Kopenawa ao público do Sesc Pompeia, em abril, reflexões quanto à língua, conflitos, futuro e o trabalho de resistência para a defesa dos povos indígenas e da Amazônia.
Nós somos todos irmãos. Para vocês, não indígenas, o seu povo veio de outro mundo. [Mas aqui] Já havia as nossas palavras. Sou representante dos povos Yanomami [cuja palavra se origina de “filhos de Omama”, considerado o criador da floresta, dos seres humanos e dos animais], Ye’kuana e de outros parentes indígenas do Brasil, dos quais o meu povo cuidou no passado. É muito importante você escutar o povo Yanomami que mora lá na “cabeceira” do Brasil. A língua Yanomami está viva, e nosso povo não quer perder a sua própria língua. A sociedade, o povo [da] cidade quer acabar conosco, com a nossa língua, para só falarmos português. Isso nós não queremos. Mas estamos aprendendo a falar português para que possamos contar para vocês os problemas da nossa comunidade.
Vocês não conhecem mesmo os Yanomamis, nunca chegaram lá na nossa casa. Muito poucos [não indígenas] chegam à minha casa, em Roraima, no Amazonas, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Hoje em dia é muito importante escutar a nossa fala. O que estamos enfrentando é algo muito perigoso. Os destruidores aumentaram muito. Estão invadindo a nossa casa, nossa floresta, nossa terra-mãe. As autoridades não estão querendo nos ouvir. Só querem escutar grandes empresários, só pensam em dinheiro, desmatamento, destruição para tirar ouro, minério. Nós, povos indígenas, olhamos a floresta, amamos a floresta. É por isso que lutamos para ter a nossa terra Yanomami. A nossa terra é muito importante para nós. E para você [deveria ser] também, pois sem terra [protegida] não tem vida, não tem água limpa, não tem saúde. Tudo seria poluído. Nós, povo Yanomami, continuamos lutando com coragem até o fim. Não vamos abaixar a cabeça.
Estou muito contente, me sinto forte, porque [muitos de] vocês estão ao nosso lado. Hoje em dia, o indígena não está sozinho. Tem muita gente guerreira que mora nas cidades e luta por nós, pela Amazônia. Antigamente, o meu povo estava muito sozinho e “apanhava” muito das [decisões] políticas, era maltratado. Hoje, nós aprendemos também a “bater” no homem branco. Se você pensa que estamos sozinhos, estamos junto com xamãs e milhares de xapiris [guardiões invisíveis das florestas; espíritos nos quais se acredita que os ancestrais animais dos Yanomami se transformam] dentro do nosso planeta Terra. A força da natureza está nos protegendo. Se não tivesse a natureza, nossos povos Yanomami, Ye’kuana e outros parentes já teriam morrido há muito tempo. Pessoas como Claudia Andujar [fotógrafa e ativista suíça naturalizada brasileira de 91 anos, cuja carreira, a partir da década de 1970, concentrou-se na defesa dos Yanomami] e Beto Ricardo [antropólogo que participou da fundação da Comissão para a Criação do Parque Yanomami (CCPY), em 1974, primeiro passo para a demarcação da Terra Indígena Yanomami, 18 anos depois] brigaram por nós, para que a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o governo demarcassem as nossas terras. Eu agradeço o trabalho dele [Ricardo].
Uma minoria jovem [indígena] está sendo manipulada pelos políticos, esse é um dos problemas. Então nos ajudem, ajudem nossos filhos. Os filhos de vocês vão precisar da Floresta Amazônica, vão precisar tomar água. Sem água, vão morrer de sede. Água é vida, onde você vai tomar água limpa? No rio Tietê? É por isso que nós, Yanomami, não queremos que invasores continuem sujando os nossos rios. Então, vamos juntos para conseguir tirar 50 mil garimpeiros que estão lá. Se você não ajuda, é porque não conhece a nossa realidade. Nossa terra-mãe é onde nós nascemos, e vocês também. Então vamos lutar juntos. Nossas gerações futuras vão precisar da Floresta Amazônica viva e em pé.
Assista abaixo à íntegra do vídeo “Ciclo de Debates: Comemoração dos 30 anos da demarcação da Terra Yanomami”, mediado pelo jornalista Leão Serva e ação que integrou a mostra Amazônia, no Sesc Pompeia:
O depoimento de Davi Kopenawa faz parte da ação Abril Indígena, do Sesc São Paulo, que este ano teve como tema SP: Terra Indígena, buscando dar visibilidade à presença de povos tradicionais em territórios paulistas, por meio de bate-papos oficinas, séries, documentários, apresentações presenciais e online. Saiba mais sobre a ação Abril Indígena.
Outro projeto que fez parte da Abril Indígena foi o lançamento de Amazônia, Arqueologia da Floresta (2022), série documental dirigida por Tatiana Toffoli que acompanha as pesquisas realizadas pelo arqueólogo Eduardo Góes Neves no sítio arqueológico Monte Castelo, em Rondônia. Eduardo também esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E [leia Encontros, na edição 302, de abril de 2022]. A série, disponível sob demanda no SescTV, mostra que a presença humana ajudou a moldar a floresta e que, ao contrário do que até então se pressupunha, a Amazônia sempre foi ocupada e transformada pelos povos que a habitam.
A EDIÇÃO DE AGOSTO/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
Neste mês, quando o mundo comemora o Dia Internacional da Juventude (12/08), o Sesc São Paulo promove mais uma edição da Juventudes: Arte e Território, ação que segue até dezembro discutindo e incentivando a potência das produções culturais das diferentes juventudes. Em reportagem desta edição, damos voz a iniciativas artísticas, em todo o estado de São Paulo, que provam que a arte, em suas diferentes linguagens, dá vazão à expressão e ao potencial criativos dos jovens, impactando os territórios que habitam.
Além dessa reportagem, a Revista E de agosto/22 traz outros conteúdos: um texto sobre os desafios e a importância da amamentação para a saúde dos bebês e o vínculo entre mães e filhos; uma entrevista em que a escritora portuguesa Isabel Lucas, que esteve presente na 26ª Bienal do Livro, defende a literatura como um mapa para se conhecer um país; um depoimento de Davi Kopenawa sobre a defesa da cultura indígena e a preservação da floresta; um passeio fotográfico pelos trabalhos de Eustáquio Neves, artista que reflete sobre o lugar histórico dos afrodescendentes e cuja obra será celebrada em exposição no Sesc Ipiranga, a partir de setembro; um perfil que mergulha no legado plural de Flávio de Carvalho (1899-1973), multiartista que protagoniza uma exposição no Sesc Pompeia, a partir do fim de agosto; um encontro com Renato Maluf, pesquisador que aponta os rostos da fome no Brasil; um roteiro por lugares, atividades e intervenções que espalham poesia pela cidade de São Paulo; um conto inédito da escritora Ieda Magri, intitulado “Vida e amores da senhorita X”; e dois artigos que relacionam língua, discursos e diversidade: Gabriel Nascimento escreve sobre racismo linguístico e Dri Azevedo, sobre linguagem neutra.
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