Carlos Daniel Escalona Barroso | Foto: arquivo pessoal
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Por Carlos Daniel Escalona Barroso, refugiado venezuelano*
Sem dúvida alguma, minha vida como refugiado está cheia de mudanças, no âmbito mais íntimo e também no social. Hoje, posso dizer que esses quatro anos que tenho morado aqui no Brasil, nesta megalópole chamada São Paulo, me ajudaram muito a me conhecer e amadurecer como ser humano. Hoje, meu olhar e percepção da vida são totalmente diferentes do que eram há cinco anos, e isso faz parte da evolução que temos quando saímos da nossa zona de conforto.
A chegada ao brasil não foi por acaso. Tive a oportunidade de conhecer este maravilhoso país em 2007, e desde esse momento, sempre vinha de férias, e a cada vez, ficava mais apaixonado pela cultura ampla, pela diversidade gastronômica e o carisma das pessoas. Em cada viagem, sempre me senti em minha própria casa, coisa que infelizmente nunca senti em meu próprio país. Assim, quando tive que sair de minha casa e do meu país de origem, não tive dúvida alguma de vir para cá.
Como jornalista, trabalhei durante dez anos na administração pública. Por denunciar, e me negar a participar em um esquema de corrupção, minha vida mudou drasticamente, até o ponto de sofrer um sequestro e ter minha família ameaçada de morte. Isso gerou a necessidade de uma mudança rápida para todos nós: o primeiro foi tirar meus pais do perigo, e depois, a mim mesmo.
Foi assim que, quatros anos atrás, cheguei de ônibus até Manaus, e peguei um vôo para Fortaleza, lugar onde tenho grandes amizades, família e muitas lembranças inesquecíveis. Apesar disso, naquele momento, infelizmente, eu vivia uma bagunça emocional muito grande: tinha o trauma do sequestro, as ameaças à minha família, todos espalhados em diferentes países… Havia também um sentimento de culpa e medo que não me deixaram dormir por meses. Após seis meses na chamada “terra do sol”, tomei a decisão de vir para São Paulo, procurando melhores oportunidades de trabalho para recomeçar minha vida.
No começo, morei em uma cidade no interior de São Paulo, para qual não gostaria de voltar novamente, já que foi o primeiro lugar onde senti na pele o preconceito por ser estrangeiro e usar dreadlocks, algo que nunca havia sentido no nordeste. Depois de dois meses morando lá, tive que sair do Brasil por assuntos familiares e me reencontrar com minha família. Quando voltei, cheguei ao centro de São Paulo, e foi onde conheci a Casa do Migrante, graças a uma família peruana que me levou até lá. Posso dizer que foi o lugar onde consegui a estabilidade emocional e espiritual que eu estava precisando e procurando desde muito tempo.
Umas das coisas que até hoje fico sem entender, é por que as possibilidades no mercado do trabalho são menores se você tem estudos? Meu caso foi assim. Ter um diploma sempre foi limitante nas entrevistas de trabalho. Isso era muito frustrante para mim, porque eu só queria uma oportunidade para recomeçar, e esse sonho estava cada vez mais distante. Lutei muito para não perder as esperanças, e conseguir as ferramentas necessárias para empreender meu próprio negócio, algo que pudesse sustentar minha família.
Em novembro de 2017, inauguramos o “Nossa Janela” que faz comida venezuelana oferecendo o serviço de catering para empresas, feiras, realizando workshops e experiências gastronômicas para compartilhar nossa cultura e temperos. Em nossa trajetória, vamos aprendendo e superando cada obstáculo que se nos apresenta. Neste ano, a pandemia de Covid-19 mudou todos os planos, e tivemos que nos reinventar para a situação que todos estamos vivendo. Umas das mudanças foi ajudar aos outros, assim como muitas ongs e pessoas nos ajudaram quando mais precisamos: arrecadamos cestas básicas e fizemos comidas para pessoas em situação de rua em ações conjuntas com instituições que conhecemos.
São muitas as vivências de alegria e de dor em toda esta trajetória, mas prefiro ficar com as coisas que podem somar em minha vida e na vida de minha família. Lógico que nada foi fácil, e cada um tem um jeito de olhar e enfrentar as dificuldades. Sou muito grato às oportunidades que o Brasil oferece, não fico reclamando e lembrando das coisas que deixei em meu país. Cada recomeço é muito difícil, mas não impossível, tudo depende de cada um de nós, até onde queremos chegar, e como queremos conquistar nossos objetivos e sonhos. Cada um tem sua própria história e sua forma de olhar a vida. Temos duas opções: ficar reclamando e ver o tempo passar, ou aproveitar cada oportunidade e lutar a cada dia por nosso objetivo.
* Carlos Daniel Escalona Barroso é Jornalista pela Universidade Bicentenária de Aragua (UBA), de Caracas, Venezuela. Vive no Brasil há 4 anos em situação de refúgio na cidade de São Paulo, é sócio do restaurante venezuelano Nossa Janela e trabalha na Agência de Publicidade Tônica.
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Para conhecer mais do trabalho do Sesc nesse âmbito, clique aqui, ou acesse: sescsp.org.br/culturas_emtransito
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