*Por Marcela Tiboni
O projeto Acervo Vivo surge do desejo de colocar em destaque um recorte das obras do Acervo Sesc de Arte Brasileira, instaladas na unidade do Sesc São José dos Campos. Com um total de mais de duas mil peças entre Arte Popular, Moderna e Contemporânea, o Acervo oferece ao público das diversas unidades do Sesc São Paulo uma coleção representativa da produção artística nacional das últimas décadas. A unidade do Sesc São José dos Campos conta com 37 obras e aqui escolhemos algumas para alçar reflexões e experiências pontuais.
Partindo de duas linguagens distintas – a gravura e a pintura – o recorte busca como elemento em comum o tema apresentado em cada uma delas: o retrato. Com maneiras, técnicas e formas diferentes de retratar, o convite principal da mostra é incentivar o visitante a perguntar às obras qual sua motivação criativa individual, e desta forma se deparar com a multiplicidade de possibilidades da criação artística.
Para o dicionário retrato é a “imagem de uma pessoa (real ou imaginária)”. Pensando desta forma, você seria capaz de definir qual é o seu retrato? Mesmo sabendo que a nossa imagem permanece a mesma desde que nascemos? Como nos vemos é a mesma maneira que os outros nos veem? Você já apareceu em alguma fotografia em que sua imagem, de tão estranha, nem mesmo você se reconheceu?
Na História da Arte os retratos sempre tiveram a intenção de descrever um sujeito, mas, sabemos, existem tantas formas de descrever alguém. Na época da monarquia e dos grandes impérios, os reis e imperadores contratavam retratistas para registrá-los como homens vitoriosos, muitas vezes montados em cavalos ferozes como guerreiros, com estaturas de homens enormes e jeito de mandantes desbravados. Mas o que se via na realidade eram monarcas pequeninos, frágeis, medrosos e de saúde debilitada. Ora, se um retrato nunca teve por obrigação contar a verdade de alguém, será que temos uma única forma de nos representarmos?
Quando pintamos o retrato de alguém podemos fazê-lo a partir da presença do próprio retratado, que chamamos de modelo vivo, mas podemos também fazer através de uma fotografia ou algum documento, ou ainda podemos fazer o retrato baseado em nossa memória deste alguém e por fim também podemos inventar. Se olharmos para as obras escolhidas para esta exposição a partir do Acervo Sesc de Arte Brasileira veremos todas estas formas de retratar.
Pode ser que Clóvis Graciano tenha registrado a banda enquanto acompanhava sua passagem animada por alguma rua. Talvez ele estivesse também em movimento enquanto retratava estes músicos que passavam agitados. Já Ivonaldo pode ter registrado o ônibus com frutas, a partir de uma memória que teve sobre o Nordeste, sobre como era o ônibus por lá, sobre as cores, a gama de frutas. Pode ser que Ivone tenha sonhado com a imagem do homem que arranca seu próprio rosto e o substitui por um outro, ou talvez ela tenha imaginado esta cena um tanto improvável e que muitos de nós já desejamos ser possível ao menos uma vez. Irene não parece criar um álbum de colagens com fotografias tiradas de jornais ou revistas, cria uma composição única colocando lado a lado retratos para contar uma história, enquanto Siron pode ter se inspirado nos desenhos das cavernas, ou em garatujas feitas por crianças? Uma imagem feita sem perspectiva, luz e sombra, volume ou excesso de realismo nos levando para um lugar de pessoas sombra com narrativas diversas. E Gilvan? Será um retrato baseado em uma fotografia? Ou uma cena imaginada? Ou ainda um registro de algo que ele realmente viu e presenciou?
Muitas vezes só podemos supor e imaginar como estes artistas fizeram seus retratos, porque a “verdade” na arte às vezes não existe ou é desimportante. Aqui, o que o artista quis dizer pode ser substituído por: o que você pode nos contar através desta imagem?
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*Marcela Tiboni já desenvolveu projetos de ativação e mediação das obras do Acervo Sesc de Arte Brasileira. Formada em Artes Visuais pela FAAP, mestre em Historia da Arte pela USP e pós graduada em Gestão Cultural pelo Senac, é diretora cultural da empresa Acontemporanea na qual coordenou diferentes projetos educativos na Bienal de São Paulo, Sesi e em diversas unidades do Sesc SP. Como curadora assinou as pesquisas das exposições “Eu Vi Uma História” no Sesc Taubaté, Santos, Itaquera e Sao Caetano; “Acervo a Vista” no Sesc Santo André.; “Mãos as Obras” no Sesi Itapetininga, Rio Preto, São Jose dos Campos e Campinas.
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