Ruas no feminino e no plural

07/03/2022

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Imagine virar à esquerda e caminhar pela Julieta Bárbara. Ou, quem sabe, margear o rio até chegar à Maria Paula para, então, dobrar à esquerda e encontrar Josefa Júlia da Conceição Ferreira. Como seria uma cidade desenhada por ruas, avenidas, praças e outros logradouros com nomes de mulheres? Poderiam inspirar ainda mais poemas e músicas como Augusta, Angélica e Consolação, de Tom Zé, imortalizada no álbum Todos os Olhos (1973)? Ou melhor: aprenderíamos outras narrativas sobre os lugares por onde andamos e onde moramos? Quem sabe, histórias protagonizadas por professoras, artistas, médicas, escritoras ou catadoras de papel e de palavras como Carolina Maria de Jesus (1914-1977). 

Hoje, no entanto, a cidade de São Paulo é recortada por 84% de vias com nomes de homens, segundo levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo em 2019, a partir de dados do Dicionário de Ruas, serviço da Prefeitura de São Paulo, e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, por trás da maioria das placas azuis (padronização adotada em 1915), contam-se os feitos de barões, brigadeiros, pintores e escritores. À exceção, pouco mais de 16% trazem nomes e histórias de personalidades femininas. Neste Almanaque, são elas que irão nos guiar pela cidade num passeio pelo tempo e pela história.

Você sabia?

Dicionário de Ruas foi criado quando o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo tinha sob gestão o escritor modernista Mário de Andrade, nos anos 1930. Desde então, essa ferramenta de pesquisa que o Arquivo Histórico Municipal paulistano disponibiliza na internet vem sendo atualizada. Na página, é possível conhecer o histórico de cerca de 60 mil logradouros públicos, além do histórico dos nomes das ruas da cidade, mapas e fotografias antigas.

Rua Dona Maria Paula, na Bela Vista. Foto: Adriana Vichi

PRIMEIRA DA LINHA

Rua Dona Maria Paula (Bela Vista, na região central)

Aberta ao trânsito do público em 1894, a rua é uma homenagem a d. Maria Paula Machado, avó da Baronesa de Limeira. Essa, aliás, foi a primeira rua a ser oficializada com nome de mulher na capital paulista, segundo a base do Dicionário de Ruas. Dois anos antes, havia sido oficializada a Rua Cristóvão Colombo, na Sé. Há ainda, na família, outros parentes cujos nomes batizaram ruas e avenidas da cidade. Caso dos pais do marido da Baronesa de Limeira, Vicente de Souza Queirós, o Barão de Limeira: Brigadeiro Luís Antônio de Souza (Av. Brigadeiro Luís Antônio) e d. Genebra de Barros Leite (Rua Genebra), ambas na Bela Vista, região central da cidade. 

A escritora Carolina Maria de Jesus. Foto: Acervo UH/Folhapress 

ESCRITORA DA RESISTÊNCIA

Rua Carolina Maria de Jesus (Sapopemba, na zona leste)

De catadora de papel a uma das mais importantes escritoras brasileiras, Carolina Maria de Jesus (1914-1977) nasceu em Sacramento (MG) e se mudou para São Paulo aos 33 anos. Na favela do Canindé, zona norte da capital, quando não estava trabalhando, escrevia sobre sua vida e a dos moradores da favela, sobre a cara da fome. Um desses diários deu origem ao seu primeiro livro, Quarto de Despejo – Diário de Uma Favelada, publicado em 1960 e traduzido para mais de 40 idiomas. Carolina também lançou outras obras literárias, além de músicas e poemas. Na exposição Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros, em cartaz até 27/3 no Instituto Moreira Salles (IMS) de São Paulo, é possível conhecer a trajetória dessa multiartista.

Julieta Bárbara. Foto: Reprodução 

POETA MODERNISTA

Rua Julieta Bárbara (Capão Redondo, na zona sul)

Poeta e pintora, Julieta Bárbara Guerrini (1908-2005) foi ao mesmo tempo protagonista e testemunha da efervescente cena cultural brasileira no século 20. Ainda que conhecida pelo casamento com Oswald de Andrade, a artista não foi devidamente reconhecida por sua obra. Julieta escreveu um dos poucos livros da fase modernista de autoria feminina, Dia Garimpo (1939), que em janeiro deste ano ganhou uma nova edição pelas editoras Fósforo e Luna Parque. No documentário Julieta É Bárbara (2003), do artista plástico José Roberto Aguilar, em parceria com Pichi Martirani e Lucila Meirelles, é possível conhecer um pouco mais sobre essa artista nascida em Piracicaba, interior paulista.

Josefa Júlia da Conceição Ferreira. Foto: Arquivo da família 

PELA COMUNIDADE

Rua Josefa Júlia da Conceição Ferreira (Sacomã, na zona sul)

Nascida em Paudalho (PE) e moradora de Heliópolis (bairro do distrito de Sacomã, zona sul de São Paulo) desde a década de 1970, Josefa Júlia da Conceição Ferreira (1956-2006) sempre esteve envolvida em ações pelos direitos dos moradores da região. Entre os cuidados com a filha e o trabalho no comércio, nas horas vagas era conhecida por participar de reuniões, fóruns e outras ações relacionadas à questão da moradia. O reconhecimento de seus méritos pela comunidade foi manifestado por um abaixo-assinado e ofício da Associação Ação Comunitária Nova Heliópolis.

Fontes: Dicionário de Ruas e Folha de S.Paulo.

A edição de março/22 da Revista E está no ar!

Nas páginas deste mês, você conhece o projeto “Infindável Viagem: Takeo Sawada – artista, educador” (imagem de capa), composto por ações no Sesc Thermas de Presidente Prudente e no Sesc TV.

Além disso, a revista de março traz outros destaques, como a exposição “DARWIN, O ORIGINAL”, do Sesc Itaquera; um levantamento que, no mês da mulher, apresenta as ruas da capital paulista que homenageiam personalidades femininas; um depoimento dos jornalistas Tatiana Vasconcellos e Nando Andrade sobre sua rotina no rádio; um perfil da diva Elza Soares (1930-2022); uma reportagem sobre iniciativas que mostram a força de uma economia baseada na solidariedade e na coletividade; um passeio pelas ilustrações criadas para o experimento literário Folhetim, do Sesc Pompeia; uma entrevista com o economista Marcio Pochmann sobre modelos econômicos e o futuro da sociedade; e artigos que abordam os desafios do envelhecimento das pessoas LGBTQIA+.

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