Sem escuta não há voz

29/10/2018

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A fonoaudióloga e arte-educadora Renata Gelamo fala sobre as formas de se construir a nossa voz.

A primeira memória que vem à cabeça de Renata Gelamo quando ela pensa em voz, é acalanto de sua mãe entoando a cantiga Boi da Cara Preta.  “Apesar de ser uma cantiga que tem um texto de horror, é uma memória de muito afeto, afeto bom, gostoso, de um acolhimento”, relembra. Também vêm à sua mente os versos que a avó entoava enquanto preparava sopa para o jantar: “As andorinhas voltaram… e eu também voltei…”.

Você pode fazer o mesmo exercício, mergulhando em suas histórias. Quais vozes te ensinaram a se verbalizar para o mundo?

Renata, que é fonoaudióloga e arte-educadora, orienta as atividades Ateliê de Voz e Sentidos da Voz, na programação do projeto Boca pra que te quero?. Em suas pesquisas, busca entender os efeitos que a voz tem como linguagem. Quer dizer: a forma como, ao usar diferentes colocações vocais, estamos também produzindo sentidos. “Se eu dou um grito, se eu falo forte, é como se eu tivesse bantendo no outro”, exemplifica. Nesta análise, a voz em sí é uma forma de afeto, no sentido em que alcança fisicamente o outro.

O Ateliê de Voz é um espaço de experimentação desta capacidade. Sem separar corpo e voz, é trabalhada a abertura dos espaços de articulação, de respiração, as formas de ajuste das pregas vocais e do trato vocal como um todo, experimentando diferentes sonoridades e, consequentemente, as diferentes possibilidades de se colocar no mundo.

Este trabalho é feito com uma base muito forte na escuta, pois, segundo Renata, sem escuta não há voz. Trata-se de um de uma forma de abrir espaço para o outro: “Essa escuta que não está para o julgamento, que não começa a prever o que o outro vai falar pra já responder. Uma escuta que espera, que tem espaço no corpo pro outro. Ela é uma possibilidade de criação do novo. De algo que a gente nem sabe que pode vir a ser”.

Nascemos com uma voz ou aprendemos essa voz?

As duas coisas. Nascemos com um corpo, mas na relação com o outro aprendemos as vozes. Ao conviver com alguém, assimilamos os gestos da boca, da língua, do palato, da prega vocal e de todos os músculos envolvidos.

“Eu penso muito a voz nesse lugar da polifonia. Eu tenho muitas vozes na minha voz. E essa vozes vão emergindo, ou se apagando, ou se escondendo, de acordo com a experiência de estar com o outro. Isso tem muito a ver com esses ajustes do nosso corpo que são aprendidos pela escuta, pela convivência”.

Além das referências sociais, a estrutra da boca pode influenciar na forma como falamos. Um exemplo é o alinhamento dos dentes, que quando bem ajustado, proporciona um espaço adequado para o posicionamento da língua, e consequentemente, capacidade maior para a clareza na fala. 

Se a voz não é um elemento separado do corpo, pensar na saúde vocal é pensar no bem estar da pessoa como um todo. Ou seja, tudo que faz bem para o corpo, faz bem para a voz.

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