“Inundação da Várzea do Carmo”, de Benedito Calixto, 1892.
Exposição traça um resgate histórico da região do centro de São Paulo e traz à tona as transformações da cidade
Antes de ser canalizado, era ali que o Rio Tamanduateí serpenteava e transbordava suas águas durante as cheias. Ainda não havia Parque algum, nem na paisagem, nem no nome. Até o início do século XX, a região era chamada de Várzea do Carmo, um lugar em que se podiam encontrar lavadeiras à beira do rio, embarcações transportando mercadorias e onde viria a acontecer o primeiro jogo de futebol reconhecido no Brasil, em 1885.
O Parque Dom Pedro II surgiu em 1922 mas, de lá pra cá, só o nome permaneceu igual. Se hoje a ideia de parque parece perdida em meio à profusão de carros, avenidas e viadutos, é revelador constatar que a paisagem nem sempre foi assim.
A obra Monumento, do coletivo Garapa, compõe a exposição.
Resgatar o passado (literalmente) soterrado dessa área é a proposta da exposição São Vito: uma escavação, em cartaz no Sesc Parque Dom Pedro II até 5 de maio. Montada ali, no mesmo terreno em que o icônico edifício esteve, a mostra traz a oportunidade de refletir, comparar e observar in loco o resultado das transformações urbanas causadas por interesses e necessidades muitas vezes divergentes entre o poder público, o mercado imobiliário e os moradores e trabalhadores do centro da cidade.
“A gente investigou a história do São Vito para descobrir o que ele tem a dizer da história do Parque Dom Pedro e da cidade de São Paulo como um todo” – conta a jornalista Thais Gurgel, que assina a concepção da exposição ao lado de Camila Mouri e Lygia Rodrigues.
Fotografia mostra o Parque Infantil Dom Pedro II, em 1937.
“Treme-treme”
O apelido nada carinhoso atribuído ao Edifício São Vito é um indício dos conflitos que o cercaram – e vieram a derrubá-lo, em 2011.
Com mais de 600 apartamentos de 28 a 30 metros quadrados, o São Vito foi construído na década de 50 para atender a demanda de moradia popular no centro, a partir da influência da arquitetura modernista.
Ao lado do edifício Mercúrio, construído na mesma época, sua trajetória acompanhou a paisagem urbana que os cercava. Se no início, o Parque Dom Pedro II fazia juz ao nome, com áreas verdes e de lazer, o cenário mudou rapidamente com o plano de avenidas e a popularização dos automóveis, transformando-o em local de passagem. “Logo o parque deixou de ser visto como parque e, quando se descaracterizou como espaço de lazer, começou a ser degradado”, explica a curadora Thaís Gurgel.
A degradação foi se tornando visível também na fachada do São Vito. Na década de 80, a imprensa passou a retratá-lo como cortiço ou favela vertical e até caso de polícia.
– matéria do jornal O Estado de S.Paulo de 1987
As propostas de atuação na região passaram pela intenção de reformas, “revitalizações” e desapropriações, culminando na demolição dos dois edifícios, em 2011.
Longe de ser o fim dessa história de tantos caminhos, a demolição abriria mais um capítulo de transformações desse território em disputa.
Ao realizar a ocupação do terreno, desde 2015, o Sesc procura resgatar a vocação histórica do espaço como lugar do lazer e do encontro, abrindo as portas para a população e os trabalhadores do entorno.
Funcionário da Zona Cerealista, Antônio Fernandes Jr. aproveitou o horário de almoço para visitar a exposição no Sesc Parque Dom Pedro II e conta que acompanha as mudanças na paisagem desde que era adolescente, ao frequentar a Escola Estadual de São Paulo, que fica ao lado.
Vista aérea do Sesc Parque Dom Pedro II, ao lado do Mercado Municipal.
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