Por Luciana Diogo1
Estimulada a seguir nos estudos pela mãe – uma mulher negra alforriada – a escritora Maria Firmina dos Reis foi uma autodidata que se tornou professora, poetisa, prosadora, romancista, jornalista e musicista. Em 1859, ela publicou um livro que acabou de completar 160 anos e é um marco literário: Úrsula – o primeiro romance escrito por uma autora negra brasileira; o primeiro romance em que personagens negras expõem suas visões de mundo em primeira pessoa; e o primeiro romance antiescravista da língua portuguesa escrito por uma mulher.
As ideias de Firmina tiveram impacto sobre as pessoas de seu tempo e de seu espaço mais próximo, principalmente, pelo prestígio que a função de professora e artista lhe conferia. Podemos inferir que sua posição social de intelectual reconhecida e respeitada pode ter contribuído para aproximar seus conterrâneos dos debates sobre a condição das mulheres e dos debates abolicionistas que começavam a fermentar à época e que estavam presentes em sua obra.
Em homenagem ao bicentenário de nascimento de Maria Firmina, o Sesc Carmo propõe uma programação para pensar o seu legado e em quantas mulheres como ela escrevem, inspiram, lutam e revolucionam olhares.
2022 marca os 200 anos do nascimento de Maria Firmina dos Reis, uma das figuras inaugurais da história literária brasileira do século XIX.
Maranhense de São Luís, Maria Firmina nasceu em 11 de março de 1822, filha de Leonor Felipa dos Reis, uma mulher escravizada e alforriada que serviu ao Comendador Caetano José Teixeira, um comerciante e proprietário de terras local. Nessa condição, Leonor Felipa conseguiu alfabetizar a sua filha e despertar nela o amor pela literatura, incentivando-a a escrever, a cantar e a pensar2, de tal forma que, mesmo tendo perdido a mãe muito cedo e vivido com uma tia, uma avó, uma irmã e uma prima na Vila de Guimarães, no interior do Maranhão, Maria Firmina seguiu como autodidata tornando-se professora de primeiras letras em 1847, aos 25 anos, além de poetisa, prosadora, romancista, jornalista e musicista; publicando, em 1859, um livro que é um marco literário brasileiro e que acabou de completar 160 anos.
O romance Úrsula entra para a história da literatura nacional por ser o primeiro romance de autoria feminina publicado no Brasil, em volume único e formato de livro3 e, ainda, por ser o primeiro romance em que personagens negras expõem, sem a intermediação de um narrador, as suas visões de mundo e de liberdade, sendo, por isso, um livro pioneiro na história da literatura antiescravista de língua portuguesa.
No momento em que Maria Firmina se inseriu no campo literário brasileiro, eram raras as mulheres leitoras e escritoras, e mais raras ainda aquelas que apresentavam um posicionamento político claro acerca da condição das mulheres na sociedade e, sobretudo, acerca de um problema tão estrutural como a escravidão. Tudo isso mostra o quanto Firmina estava comprometida com a realidade que a cercava e o quanto acompanhava os debates de seu tempo.
Firmina publicou amplamente nos jornais literários maranhenses oitocentistas como Pacotilha, Eco da Juventude, Semanário Maranhense, O Jardim das Maranhenses, O Federalista, A Verdadeira Marmota, Almanaque de Lembranças Brasileiras, entre outros. Ela participou da antologia poética Parnaso maranhense (1861) e teve poemas reunidos no livro Cantos à beira-mar (1871). Entre 1861 e 1862, publicou Gupeva, romance brasileiro (1861-1862), uma novela em cinco episódios, de temática indigenista que foi republicado em 1863 e 1865; por fim, publicou o conto abolicionista A Escrava (1887). Deixou-nos quarenta e dois poemas avulsos publicados em diversos periódicos, dez jogos de palavras, sete composições musicais e um diário com registros esparsos anotados entre os anos de 1853 e 1903, publicado postumamente4.
Em vida, Maria Firmina foi reconhecida mais por sua produção poética, mas atualmente é a sua faceta como romancista que se sobressai. Entre 2017 e 2020, o romance Úrsula recebeu dezesseis novas edições impressas. Quatro foram publicadas em 2017, nove em 2018, duas em 2019; em 2020, saiu a primeira edição de capa dura e em 2021, a primeira tradução de Úrsula para o inglês, trabalho realizado pela professora Cristina Ferreira Pinto-Bailey.
Entretanto, esse livro ficou esquecido por quase um século, até que em meados da década de 1970, Horácio de Almeida e Nascimento Morais Filho resgataram sua história dos porões da biblioteca pública Benedito Leite, em São Luís. O caso é que Firmina se insere num panteão de escritoras do século dezenove silenciadas pelo fato de serem mulheres. Mas é também preciso dizer que o desconhecimento posterior sobre Maria Firmina advém de sua dupla condição de gênero e de raça.
Concluímos com isso, que a sua visão de mundo – fundada na experiência articulada de gênero e raça – permitiu-lhe construir um ponto de vista diferenciado e inovador. Maria Firmina constituiu uma voz dissonante em seu tempo que buscava romanticamente revisar o mundo, a mulher, o negro e o indígena.
1 Luciana Martins Diogo é: Doutoranda em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharela e Licenciada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Mestra em Culturas e Identidades Brasileiras pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), com a dissertação Da sujeição à subjetivação: a literatura como espaço de construção da Subjetividade, os casos das obras Úrsula e A escrava de Maria Firmina dos Reis. Foi professora de Sociologia da Rede Pública do Estado de São Paulo, ministrando aulas para o Ensino Médio, entre 2009 e 2013. É criadora, organizadora, gestora de conteúdos e editora do portal Memorial de Maria Firmina dos Reis e editora da Revista Firminas – Pensamento, Estética e Escrita.
2 “Minha Mãe! – as minhas poesias são tuas. […] É a ti que devo o cultivo de minha fraca inteligência; – a ti, que despertaste em meu peito o amor à literatura; – e que um dia me disseste: Canta! Eis pois, minha mãe, o fruto dos teus desvelos para comigo; – eis as minhas poesias: – acolhe-as, abençoa-as do fundo do teu sepulcro. E ainda uma lágrima de saudade, – um gemido do coração…” Trecho da dedicatória do livro de poesia Cantos à beira-mar, 1871.
3 Provavelmente, formato brochura, pequeno, in 12.º, 198 páginas e mais o índice das matérias em uma página sem numeração.
4 Maria Firmina: fragmentos de uma vida. Nascimento Morais Filho, 1975.
Acompanhe a programação
Para iniciar o projeto, o Sesc Carmo convidou escritoras, poetas, atrizes e pensadoras negras para a leitura de fragmentos do romance “Úrsula” e a partilha de impressões sobre o legado de sua autora.
Com
Elizandra Souza (escritora, poeta, jornalista),
Elisa Lucinda (Poeta, atriz, cantora, jornalista).
Bixarte (poetisa, escritora, atriz, rapper),
e Jarid Arraes (poeta, cordelista, contista).
29/3 a 19/4, terças, 11h30.
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Livre
O objetivo do curso é divulgar relevantes obras literárias produzidas por escritoras brasileiras – desde Úrsula (1859), de Maria Firmina dos Reis, até as produções atuais – destacando a violência contra a mulher apresentada nos textos, a fim de criar um panorama que evidencie o quanto essa questão é recorrente na literatura brasileira e, mais além, na vida das próprias mulheres.
Com
Luciana Lima Silva, escritora, tradutora e doutoranda em teoria e história literária no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Pesquisa violência, fronteiras e deslocamento em obras de escritoras brasileiras.
5/4 a 3/5, terças e quintas, das 18h às 19h30
Inscrições, de 29/3 a 4/4, em sescsp.org.br/inscricoes
Não recomendado para menores de 16 anos
Grátis
A partir de narrativas produzidas por escritoras africanas, motivar e criar uma comunidade de leitores interessados em conhecer a história e a cultura africanas, a fim de possibilitar a construção de laços de troca de conhecimentos e cultura através do espaço crítico e reflexivo.
Com
Providence Bampoky (Senegal), doutoranda em Teoria e História Literária no Instituto de Estudos da Linguagem, na Universidade de Campinas (IEL / UNICAMP). Integrante do projeto África Na Literatura (financiado pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo).
24/05 a 14/06, terças, das 17h às 19h
Inscrições em sescsp.org.br/inscricoes
Não recomendado para menores de 16 anos
Grátis
Nesta mesa a proposta é contextualizar o período no qual viveu Maria Firmina dos Reis, além da cidade e de sua vida, bem como tratar os aspectos de sua obra e reverberações.
Com
Fernanda Miranda, escritora, professora Adjunta da Universidade Federal do Sul e Sudoeste do Pará (UNIFESSPA), doutora em Letras – área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, pela Universidade de São Paulo (2019).
Régia Agostinho da Silva, possui mestrado em História pela Universidade Federal do Ceará (2002). É professora da Universidade Federal do Maranhão e no Programa de Pós-Graduação em História/ CCH- São Luís.
9/5, segunda, das 18h às 20h
*A atividade será presencial, com transmissão ao vivo pelo youtube.com/sesccarmo
Inscrições, de 2 a 8/5, em sescsp.org.br/inscricoes
Grátis – Classificação Livre
A proposta deste encontro é trazer a escrita e literatura de mulheres negras como processo de conversa com suas ancestralidades, ruptura com o silenciamento das mulheres e o papel político-social da escrita.
Com
Jessyka Rodrigues, assistente Social e Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Esmeralda Ribeiro, escritora e jornalista. Desde 1999 edita, com Marcio Barbosa, os Cadernos negros, entre outras publicações.
11/5, quarta, das 18h às 20h
*A atividade será presencial, com transmissão ao vivo pelo youtube.com/sesccarmo
Inscrições, de 2 a 10/5, em sescsp.org.br/inscricoes
Grátis – Classificação Livre
Tradução em Libras
Esta mesa propõe o encontro entre mulheres que entre continentes, trazem na escrita exercícios de subjetivação, de conversa, da memória e da escrita como ruptura e fazer social.
Com
Dina Salústio (Bernardina de Oliveira Salústio), natural de Cabo Verde, ilha de Santo Antão. Professora, Jornalista e Assistente Social. Tem obras publicadas nas áreas: prosa, poesia e ensaio. Membro fundador da Academia Cabo-verdiana de Letras.
Zélia Amador de Deus é artista, militante do movimento negro e professora universitária. Graduada em Letras pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em Ciências Sociais pela UFPA.
12/5, das 18h às 20h
Transmissão via youtube.com/sesccarmo
Com tradução em libras e legendas
Uma releitura sobre a vida e obra da primeira romancista afro-brasileira da história, Maria Firmina dos Reis. Em paralelo a vida de Firmina, a atriz Júlia Martins, traz a sua história de vida e de outras mulheres e homens negros que se intercalam com a história de vida de Maria Firmina dos Reis.
Com Júlia Martins, atriz, publicitária, pesquisadora e produtora cultural, proprietária da Afrodite Produções, Pós- graduanda em Arte, Mídia e Educação pelo Instituto Federal do Maranhão (IFMA).
10/5, terça, 18h – Duração: 40 minutos
Grátis – Retirada de ingressos com 1 hora antes do espetáculo.
Não recomendado para menores de 12 anos
Cantos à Beira-mar é um espetáculo de música e poesia concebido e apresentado pela compositora e cantora Socorro Lira para celebrar, em 2021, os 150 anos do livro “Cantos à Beira-mar” e, em 2022, o bicentenário da primeira romancista brasileira, poeta, compositora, abolicionista e professora Maria Firmina dos Reis.
Socorro Lira dedica-se à música desde 2001. Sua discografia inclui 13 CDs, 1 DVD e 2 EPs. Foi premiada em 2012 e indicada em 2016 e 2017 ao Prêmio da Música Brasileira. É idealizadora e diretora artística do Prêmio Grão de Música.
13/5, sexta, 19h30 às 20h45
Não recomendado para menores de 16 anos
Ingressos R$30,00 inteira / R$15,00 meia-entrada
Acompanhe a programação e todas as atividades do projeto.
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