Um Guia, várias aplicações

24/07/2020

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Em novembro de 2019 o Ministério da Saúde publicou a nova versão do Guia Alimentar Para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos. O documento, em sua segunda versão – a primeira data de 2002 – é um marco importante em diversos aspectos: conversa harmoniosamente com o atual Guia Alimentar para a População Brasileira e com a classificação dos alimentos por grau de processamento (in natura, minimamente processados, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados) e, como estes, é inovador e avançado em termos mundiais.  

O processo de concepção do Guia levou 4 anos, envolveu uma equipe de mais de 100 pessoas de diversas especialidades, teve três versões preliminares, revisões e consultas públicas até chegar à versão final. A nutricionista e mestre em Saúde Pública Inês Rugani fala sobre a importância e os desafios presentes no novo Guia, que está em fase de divulgação e implementação e, nas próximas etapas, deve ganhar versões em aplicativos, cartilhas e telefone para dúvidas. 

Qual a importância de termos um documento oficial no Brasil que fale da alimentação das crianças nos primeiros anos de vida? E por que preciso atualizar os Guias Alimentares, o que mudou? 

Já há algum tempo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendam que os países elaborem guias alimentares baseados em alimentos – não em nutrientes – e que sirvam de diretrizes para abordagens de aconselhamentos e políticas públicas em geral. O Brasil respondeu a esse chamado com um material de grande profundidade e que se destaca pelo pioneirismo em falar disso abordando questões de gênero e de autonomia culinária. É importante também por ser uma fala e uma narrativa oficial e confiável sobre o assunto, já que a quantidade de informações na internet e em meios de comunicação que têm confiabilidade questionável é enorme. E o terceiro aspecto é reconhecer o Guia como um ponto que organiza políticas públicas em geral e não apenas recomendações e aconselhamentos. Esse guia novo conversa com as famílias, mudando a linguagem do anterior, que conversava com os profissionais de saúde, e tem a preocupação de ser o mais inclusivo e diverso possível em texto e imagens. 

O perfil epidemiológico da população e as práticas alimentares mudam e um Guia deve ser sintonizado com o seu tempo. Há 20 anos, por exemplo, não existia um celular na mão de um bebê. O Guia não é só sobre qual alimento comer, ele reconhece e parte do pressuposto de que alimentação é uma prática social. A ciência evoluiu muito em relação a esse assunto. 

Quando chega um bebê na família, há a angústia de se fazer tudo certo. Como o Guia aborda essa questão? 

A proposta é que o Guia seja o mais próximo possível da vida real e que não empurrasse as famílias para aquele lugar de culpa. A gente reconhece as dificuldades, mas lidamos com a chegada de uma criança na família como uma oportunidade de rever os hábitos de alimentação. A comida do bebê não deve ser separada ou diferente do resto da família, pelo contrário. Adianta muito pouco blindar a criança nos dois primeiros anos e a família continuar com uma alimentação inadequada e depois a criança entrar nesse hábito. De toda forma, o Guia é muito variado e flexível no geral e não tem regras como “ofereça isso ou aquilo, tal hora, de tal forma”. A proposta é que cada um faça como for melhor para o seu filho. E isso é uma libertação para muitas famílias, que sentem confortáveis para experimentar. Aos 6 e 7 meses, o que alimenta efetivamente é ainda o leite materno. É um processo de descoberta muito mais fluido e singular de cada criança e é ela que protagoniza. 

Uma das regras rígidas é sobre o açúcar, vetado nessa fase da vida. Como fica a comensalidade e as receitas afetivas da família nesse caso? 

Temos sido questionados sobre os porquês de termos banido o açúcar, mas não o sal. E isso é por conta das evidências científicas. Temos muitas de que o açúcar não deve fazer parte da dieta antes dos dois anos, diferentemente do sal, que deve ser usado em quantidades mínimas, o que é bom para a família toda. Sobre o açúcar, temos ciência de que é uma mensagem radical e cada família vai se apropriar dela de maneiras diferentes. A nossa sugestão é que se busquem adaptações das receitas preservando a comensalidade, o bolo de aniversário, as sobremesas. No início é complexo, mas mudanças assim já ocorreram em outros momentos de educação nutricional e social na história. Um exemplo é como colocar cinto de segurança ao entrar no carro já foi algo impensável e hoje é automático. É um período curto da vida da criança, isso deve ser encarado como uma proteção, não uma privação. 

Dá para notar que há mais mudanças nas orientações sobre a introdução alimentar do que sobre a amamentação. A questão do aleitamento está mais consolidada? 

Em partes. Há mesmo uma estratégia de incentivo ao aleitamento que vem de décadas, mas é a primeira vez que há um documento que trata o aleitamento e a alimentação de uma forma integrada. Historicamente isso não era feito nem pelo Ministério da Saúde e nem pelo ativismo social. Há evidências de que a forma como a mãe se alimenta influencia a criança a ficar mais disposta aos sabores que recebe pelo leite materno. E ainda há um conjunto de dúvidas que as famílias têm e que são tabu: como mães que tomam álcool, fumam, usam drogas. Decidimos abordar isso também, pois há evidências científicas sobre esses assuntos e eles fazem parte da realidade. O Guia deve servir de empoderamento e autonomia das famílias e temos um compromisso de não falar com a mulher ou família idealizadas, mas sim com as versões reais. 

É possível acessar e fazer o download do guia aqui.

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Esse conteúdo faz parte das ações do projeto Do Peito ao Prato que, durante a Semana Mundial do Aleitamento Materno, aborda a alimentação de bebês e crianças de até dois anos, enfatizando a importância do aleitamento materno e da adequada introdução da alimentação complementar. Em destaque, está a live A Alimentação nos Primeiros Dois Anos de Vida, com as nutricionistas Rachel Francischi e Regicely Aline Brandão, transmitida pelo YouTube do Sesc São Paulo no dia 4/8, às 16h. 

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