Naíma, em seu estúdio, montando a arte de As Mulheres e as Tecnologias | Foto: Danny Abensur
Curiosa para saber como nasceu a arte do caderno de programação de As Mulheres e as Tecnologias, a EOnline fez uma visita à designer gráfica Naíma Almeida e acompanhou algumas etapas do processo de concepção e produção do material
As tardes ensolaradas são particularmente generosas no estúdio de Naíma Almeida. A luz que preenche o espaço de trabalho da designer gráfica realça o colorido de carretéis, pedaços de tecido, a samambaia ao pé da janela, pincéis, canecas e outras folhagens pendentes de estantes discretas. No microcosmo do gabinete de criação da artista, teares totalmente manuais, linhas, tesouras e fitas adesivas convivem amistosamente com delgadas telas de computador, pequenas mesas digitalizadoras e um par de fones de ouvido.
Saindo da reunião de briefing para a elaboração da identidade visual de As Mulheres e as Tecnologias – ação em rede dos Espaços de Tecnologias e Artes (ETAs) do Sesc São Paulo que acontece durante todo o mês de setembro nas unidades da capital e do interior – cores e aspectos geométricos se insinuaram na mente de Naíma como o embrião de uma linguagem figurativa que passaria ainda por diversas mutações.
Imagem do projeto de Naíma Almeida (ainda sem a ilustração) para o caderno de programação de As Mulheres e as Tecnologias
Diante de seu notebook e com as dimensões do caderno de programação estabelecidas previamente, ela reservou apenas cerca de um quarto da capa – a faixa vertical mais próxima da abertura do impresso – para as informações textuais (títulos, logotipos e período da ação). Antes de mergulhar na plasticidade das imagens que se acomodariam no restante da peça, selecionou, entre tantas, as tipografias adequadas ao projeto. Para os elementos de destaque, encontrou uma fonte “com uma pegada tecnológica”, com certa neutralidade e sem tanto futurismo: TT Tunnel (2017), criada por Philipp Nurullin e Vika Usmanova. As cavidades interiores das letras M e N maiúsculas, levemente inclinadas e um pouco alargadas na ponta, são especialmente marcantes nessa tipografia. Para os outros textos, como tipografia de apoio, optou por uma fonte de código aberto criada por Paul D. Hunt para a Adobe: a Source Sans Pro (2012), conveniente tanto para textos corridos impressos quanto no meio digital.
Naíma Almeida em seu estúdio produzindo da identidade visual de As Mulheres e as Tecnologias | Foto: Danny Abensur
Daí para frente, Naíma retomou os esboços mentais de cores e formas geométricas e mergulhou, com seu computador e a mesa digitalizadora, em um processo de criação de imagens que durou sete longos dias. Caso se tratasse da escrita de um texto ou da composição de uma partitura, poderia se ilustrar o passar das horas com aquela imagem clássica (ou clichê) de páginas sendo rabiscadas e amassadas repetidamente até se chegar na estrutura ideal. Foi uma semana cheia de crises, confessa. O objetivo era equilibrar dois conceitos: as mulheres e as tecnologias. E, invariavelmente, Naíma desconfiava que a arte estava pendendo em demasia para um dos eixos e, então, tinha de mudar tudo novamente. A disposição das formas e a seleção de cores lhe pareciam, por vezes, um tanto poluídas; às vezes, limpas demais. O elemento humano trazia uma armadilha: acabar estabelecendo um corpo específico e particular, em detrimento da multiplicidade de corpos possíveis e existentes. “Quis me afastar dos clichês usualmente associados ao feminino, tanto nas cores quanto nas representações”, explica. A solução encontrada foi deixar rostos de lado e ficar simplesmente com a figura das mãos – várias delas, coloridas, inclusive mãos robóticas, surreais, colaborando umas com as outras, cercadas por ferramentas e uma variedade objetos que remetem às atividades da programação.
Esse processo, segundo Naíma, é caótico. Surge um olho sobre o dorso de uma das mãos – sugestão de sensibilidade, o “ver” por meio das mãos, a feliz con(fusão) dos sentidos…
Imagem (ainde de matriz digital) do projeto de Naíma para o caderno de programação de As Mulheres e as Tecnologias
Os testes de cores trazem ainda outra peculiaridade: é preciso levar em consideração a reprodução digital dessa identidade visual nas telas de celulares, tablets e computadores, mas também a oferta de tonalidades de tintas para a impressão dos cadernos de programação e, especialmente, as variedades disponíveis de chapas de acrílico. Chapas de acrílico? Sim, chapas de acrílico! Uma vez estabelecida a ilustração digital, Naíma propôs decompô-la em uma dezena de camadas. Para cada trecho isolado de camada, de cor específica, ela encomendou segmentos de peças de acrílico obtidos por meio de corte a laser. A arte final seria produzida a partir da remontagem da ilustração digital no universo analógico, concreto, das pecinhas de acrílicio: sacando-se uma fotografia desse quebra-cabeças de recortes de chapas coloridas.
Camadas de peças de acrílico compondo a arte da ação em rede | Foto: Danny Abensur
Para a designer gráfica, todo esse percurso combina o processo de criação e produção da identidade visual com a diversidade de técnicas e suportes correntemente trabalhados nos ETAs – além de poder “gerar uma riqueza de detalhes ainda mais interessante”.
Naíma levou duas horas para concluir a primeira montagem das pecinhas de acrílico sobre sua mesa de trabalho. Elas haviam sido entregues a ela separadas por cor, em saquinhos plásticos. Essa primeira montagem serviu apenas para ter certeza de que as partes estavam todas lá, corretamente recortadas, e também para ter uma primeira noção da estrutura final.
Resultado da primeira montagem das peças de acrílico | Foto: Danny Abensur
Vestindo luvas pretas e com o auxílio de uma pinça, a designer desfez, então, todo o seu trabalho, deixando as peças preparadas para a etapa seguinte: a montagem final. Dessa vez, Naíma levaria quase cinco horas para remover as películas protetoras das peças e, com uma cola especial para uso em materiais acrílicos, fixar cada camada da obra, com todo o cuidado necessário. Nessa etapa, Naíma utiliza uma máscara de proteção respiratória para evitar a toxicidade da cola.
A secagem leva um dia todo. Parte-se, então, para o registro fotográfico daquela estrutura acrílica tridimensional. As fotos digitais levam Naíma de volta para computador, onde aplica tratamentos de cor, repara imperfeições e remove manchas e rebarbas. A arte finalizada é recortada digitalmente para inserção nos espaços destinados a ela no projeto de caderno de programação de As Mulheres e as Tecnologias – na capa e também em outras páginas internas. O arquivo aprovado segue para a gráfica e para as equipes de comunicação digital do Sesc. A primeira dará novamente materialidade à criação de Naíma, dessa vez, por meio da impressão sobre papel. Já a comunicação digital, por sua vez, cuidará de espalhar pela rede a peça virtual de matriz analógica, quer dizer, matriz digital, quer dizer…
“Eu não deixo de ser designer quando faço uma tapeçaria”, resume Naíma. Para ela, design é um termo que acolhe tudo que é visual disposto de alguma forma – analógica, digital ou, melhor ainda, quando tudo é misturado.
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