* Por Leonardo Morjan Britto Peçanha
Janeiro é um mês importante na agenda política da comunidade LGBTQIAP+ (Lésbica, Gay, Bissexual, Trans/Travesti, Queer, Intersexo, Assexual, Pansexual) no Brasil – principalmente, da comunidade Trans e Travesti. No dia 29 de janeiro, é comemorado o Dia da Visibilidade Trans.
Pessoas trans são aquelas que, ao nascer, foram atribuídas a um gênero com o qual não se identificam. Ou seja, quando bebê nasce – pode acontecer antes do nascimento, no exame de ultrassom, ainda na barriga -, ao observar um determinado genital, cria-se uma expectativa em torno do gênero da pessoa, buscando algum alinhamento relacionado ao tipo de genital. Essa expectativa nem sempre acontecerá. Por isso, existem homens de vagina e mulheres de pênis. Existem pessoas trans que fazem reconstruções corporais e reposição hormonal para se sentirem mais confortáveis com seus corpos. Por outro lado, nem toda pessoa trans faz uso desses tipos de procedimentos de modificação corporal por diversos motivos. Algumas podem fazer, outras não – e isso é muito subjetivo de cada pessoa.
Travestis, mulheres transexuais, homens trans e pessoas não binárias são algumas das identidades trans. Travestis e mulheres trans sempre devem ser respeitadas e tratadas no gênero feminino, homens trans no masculino. As pessoas não binárias são as que não se identificam necessariamente como homens ou mulheres especificamente, algumas podem preferir ser tratadas na linguagem neutra usando E ou I; ou no masculino e ou feminino. O ideal é perguntar, para que não haja desconforto.
As travestis são as pioneiras no movimento organizado político de direitos civis de pessoas travestis e transexuais no Brasil. Em diálogo e articulação política delas com o governo federal, no dia 29 de janeiro de 2004, foi lançada a campanha: Travesti e Respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos no congresso nacional. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), juntamente com Programa Nacional de DST/AIDS, lançou a campanha que tinha o objetivo de levar e visibilizar o respeito e inclusão social para população de travestis e transexuais. A data ficou marcada e, todo ano, diversos eventos são organizados, onde se mostra a importância de dialogar sobre questões sociais, de cidadania e políticas públicas específicas para pessoas trans e travestis.
Desde a campanha, até os dias de hoje, tiveram conquistas importantes para as demandas de travestis e trans no Brasil. Todas construídas pelo trabalho do movimento social organizado de travestis, mulheres transexuais e homens trans. Algumas são: resoluções – nacionais, estaduais e municipais – do uso do nome social; portaria do processo transexualizador, que rege as questões de saúde trans e modificações corporais; a retificação civil nos documentos, que hoje pode ser feita no cartório, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Porém, ainda existem muitos desafios que pessoas trans e travestis passam cotidianamente. Acessar os poucos direitos, muitas das vezes, vem com violência transfóbica junto. A transfobia, que é a violência que pessoas trans passam, especificamente, por serem trans. Além da violência física e psicológica, existem os não lugares e a invisibilidade das demandas e da condição trans. São negados e dificultados acessos e direitos relacionados à cidadania, à saúde, à educação, à empregabilidade, etc. pelo fato de ser uma pessoa trans.
Muitos ligados à leitura social, ou o que é chamado de passabilidade. Que é quando uma pessoa trans é lida como uma pessoa cisgênera (quem não é trans). Travestis e mulheres trans, quando são aparentemente identificadas como trans em processos seletivos de emprego, na ida ao banheiro ou no não atendimento respeitoso em diversos espaços, como numa consulta médica, passam por um processo de desumanização transfóbica. Muitas são condicionadas à prostituição de maneira compulsória. O que reforça o imaginário do senso comum de que travestis e mulheres trans são todas prostitutas. A questão é que a prostituição não pode ser a única opção, ela deve ser uma delas.
Segundo dados da ANTRA, o Brasil é o país que mais assassina travestis e mulheres transexuais, a maioria são negras. Em contrapartida, é o que consome mais pornografia trans. Esse paradoxo nos ilustra que existe uma hipersexualização dos corpos trans e um desejo que é reprimido pelo ódio, onde o mesmo corpo que é desejado é assassinado. Além do ódio naturalizado que existe no imaginário social, como se travestis e pessoas trans fossem naturalmente perigosas.
Homens trans são atravessados por um processo de invisibilização social e político, além de apagamento da identidade transmasculina. Em meados de 2010, homens trans começaram a aparecer midiaticamente e, consequentemente, a serem minimamente reconhecidos socialmente. Dois anos depois do início da organização política. Isso não quer dizer que não existiam homens trans antes, mas que um apagamento foi naturalizado, impedindo essa visibilidade. Por essas e demais questões, a movimentação e o trabalho político dos homens trans têm um tempo de ação diferente.
Problemas no acesso à saúde, como ir ao ginecologista ou ter um atendimento humanizado e respeitoso com um endocrinologista, dificuldade de cirurgião plástico para a mamoplastia masculinizadora, * – que hoje é menos, mas ainda existem dificuldades -, são algumas das muitas demandas. Pela saúde ser binária, compreender que homens trans precisam ir ao ginecologista é uma questão. Não por não saberem como atender de forma clínica, e sim por preconceito de não querer lidar com um homem com vagina. O mesmo acontece com endocrinologistas, onde ainda existe negação em atender homens trans. Empiricamente, é sabido que existe certo número de ideação suicida. Onde homens trans são suicidados, quer dizer, a não legitimidade da sua existência pode levar a esse assassinato social. Por não serem aceitos, por não haver lugar. Por uma estrutura que aceita um determinado tipo de corpo e vivência, em detrimento de outro. Por criarem uma expectativa de atitudes e ações que nem sempre vão encontrar, pois a construção da masculinidade trans passa por outros caminhos.
O problema está numa estrutura que não quer legitimar um corpo quando não é cisgênero. Pessoa cisgênera é a que ao nascer foi atribuída com o gênero que se identifica. Mulheres com vaginas são mulheres cisgêneras e homens com pênis são homens cisgêneros.
Existe um cistema – com “c” por ser de cisgênero – que é pensado apenas para lidar com corpos cisgêneros, como se o corpo trans não tivesse legitimidade e fosse uma mera cópia do corpo cisgênero. não é bem assim. Importante não naturalizar que apenas corpos cisgêneros existam. A diversidade humana é muito plural para identificar apenas um tipo de corpo como ideal. Reduzir ou diminuir pessoas trans, como se o corpo ou sua história, experiências e vivências fossem uma farsa é o que chamamos de cissexismo. Onde a estrutura cisgênera reconhecer apenas como corpo e possibilidade corporal pessoas cisgêneras.
Devido à estrutura hegemônica da cisgeneridade, é esperado que pessoas trans não estejam em determinados lugares sociais e políticos. Romper com essa lógica é um processo de resistência que estamos fazendo e, hoje, isso está mais evidenciado nas lutas políticas.
No campo político institucional tivemos conquistas. Foram 30 pessoas trans e travestis (dois homens trans e vinte sete travestis e mulheres trans) eleitas para a câmara de vereadores, nas últimas eleições 2020, em diversos municípios pelo Brasil.
Segundo Erica Malunguinho, primeira mulher trans eleita a deputada estadual no Brasil, em 2018, esse fato deve ser encarado como denúncia. Ou seja, uma lacuna existiu durante muitos anos, onde não se tinha representatividade política institucional nos lugares de tomada de decisão. Ocupar esses espaços, enquanto representatividade trans política, é importante para que corpos, para além dos cisgêneros, possam estar nesses lugares.
Em relação a homens trans, a visibilidade está também no campo das mídias sociais. As redes sociais hoje têm diversos homens trans em canais de youtube, instagram e redes sociais, no geral, criando conteúdo. Muitos ainda no campo de narrativas individuais, que leva a uma representação social. Essas narrativas fazem um movimento de visibilizar vivências transmasculinas brasileiras, que até poucos anos atrás não se tinha nas plataformas midiáticas brasileiras esse tipo de conteúdo.
Entretanto, ainda existe uma invisibilização naturalizada da pluralidade existente das transmasculinidades. Homens trans negros ainda são os que menos aparecem ou ganham seguidores e curtidas em suas redes sociais. A história mostra que, dentre os pioneiros no movimento de homens trans brasileiros, existem homens trans negros, mas isso não aparece em forma de representação em números nas redes sociais.
Importante perceber a diversidade em todas as esferas. Nas questões LGBTQIAP+, assim como na comunidade Trans, não é diferente. Dentro da diversidade, existem as diferenças e elas devem ser respeitas e lidas como comum dentre as outras, para que as demandas específicas, a visibilidade e a representatividade social e política sejam vistas, de forma ampla, para todas as pessoas.
A transfobia estrutural e o cissexismo naturalizam o apagamento de pessoas trans e travestis de maneira determinante. Visibilizar as demandas e respeitar as especificidades e subjetividades das experiências trans é uma forma de não compactuar com as violências e preconceitos que pessoas trans passam. Socializar e se relacionar com pessoas trans, agir de maneira comum ao ver uma pessoa trans, impedir a violência quando presenciar agressões a pessoas trans são atitudes e ações que devem ser consideradas para que haja empatia e respeito.
Não fosse o cistema, muito mais pessoas trans e travestis estariam em diversos espaços e atuando em diversas áreas. Como atuam, porém, em relação a pessoas cisgêneras, ainda é muito pouco. Pessoas cisgêneras aliadas devem se posicionar e estar ao lado de pessoas trans contra transfobia.
E o que você, pessoa cisgênera, fez ou tem feito pela visibilidade trans no seu cotidiano?
A visibilidade trans deve ser todos os dias e em todos os espaços.
*cirurgia feita em homens trans para retirada dos seios e reconstrução de um peitoral masculino.
* Leonardo Morjan Britto Peçanha é mestre em Ciências da Atividade Física (UNIVERSO) especialista em Gênero e Sexualidade (IMS/UERJ), Membro do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS) e da Liga Transmasculina Carioca.
Leia mais sobre o assunto em: fonatrans.com | @fonatrans | @ligatcarioca
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Veja, abaixo, as ações relacionadas ao tema, realizadas pelo Sesc São Paulo no decorrer do ano de 2020:
Sesc 24 de Maio
História do movimento transmasculino no Brasil
Esporte a Diversidade – Transfobia no Esporte
Sesc Araraquara
Sesc Campo Limpo
Corpas dissidentes, estratégias de enfrentamento à COVID-19 fortalecimento da comunidade
Desfile LOYAL – Coleção Contém Magia
Sesc Carmo
Sesc Ipiranga
Sesc Ipiranga na Comunidade – em parceria com a Rádio Heliópolis, no programa Bairro Educador
Programa Literatura na Quebrada
Sesc Pinheiros
Como cortar a sua franja em casa e outras incertezas coletivas
Sesc Pompeia
#Desmontagem – Corpo: sua autobiografia
Boteco da Diversidade – Racialidades Transviadas
Sesc Ribeirão Preto
Sesc Rio Preto
Tereza de Benguela – #OutrasHistórias
Sesc Santana
#ResideEmSi – 5 cartas de Ariel Nobre | ao amigo
#ResideEmSi – 5 cartas de Ariel Nobre | à avó
Sesc Santos
O Velório de Maria Silvino – não me traga flores, traga palavras
Roda de Conversa ‘Pandemia, saúde e direitos da população LGBTI+’
#21açõesparamulhereseplantas: Sentido
Mulheres em Luta: Força e Pluralidade. Episódio 2
Bússola Digital com Batalha do Caoz e Junior Brassalotti
Sesc Sorocaba
Viva Ballroom – Festival da re-existência LGBTQIA+
Sesc Vila Mariana
Teatro e Ação Social – Nova Luz – (re)existência coletiva
#PalavrasCruzadas: Movimento Trans
Sesc São Paulo
Márcio Greyk – Zumb.boys em Solos de Laje
Masculinidades, afetos e paternidades
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