Quem não se encanta com o canto melodioso de um sabiá? Ou se alegra ao ouvir a passarada no quintal com sua algazarra de vozes, indicando o despertar do dia? Mesmo o frenético e insistente som emitido pelo macho de cigarra ao passar as patas em seu ventre, para chamar a atenção de sua cônjuge, nos preenche de júbilo, pois ali percebemos a presença da vida. Como dizem alguns cientistas e artistas: “Na natureza tudo vibra, tudo é som, tudo é música”.
Antes mesmo de pensarmos em música “humana” ou do próprio surgimento da nossa espécie no planeta, estratégias de comunicação sonoras já eram amplamente usadas em todo o reino animal. Assobios, grunhidos, sussurros e outras formas de produção de sons estão presentes em quaisquer lugares onde haja vida, como nos oceanos, rios, florestas, campinas e geleiras.
Diversas são as razões que levaram os seres a se adaptarem, modificando seus organismos, tornando-os mais aptos ao enfrentamento das constantes batalhas pela sobrevivência. Estratégias de comunicação no mundo animal foram e vão se aprimorando, pois na natureza tudo se transforma nos lentos processos de aperfeiçoamento, ajustando-se às condições dos ambientes nas diferentes épocas.
Existem motivos vitais para que, em uma noite de verão, aquele sapinho da floresta “cante” diferente da rãzinha do charco, pois, para muitas espécies, o que vai garantir a sua perpetuação é a capacidade de se comunicarem entre si, a partir de um “idioma próprio”, que seja reconhecido por seus pares em meio às interações entre diferentes seres. Uma perfeita noite de núpcias requer muitos detalhes, tais como as estacões do ano, a temperatura, a umidade e, como não poderia deixar de ser, o som, “o canto da espécie”.
Para esse sapinho, boa parte do sucesso na conquista de sua futura esposa se deve à necessidade de ser ouvido. Sua súplica de amor tem de ressoar no ambiente, pois é preciso que ela o escolha, e o sucesso de sua performance como “cantor” tem papel fundamental nesse cortejo. Percebemos com isso o quão difícil e fascinante é viver em meio a tantos desafios.
Além do estudo de sons emitidos individualmente pelos organismos, alguns pesquisadores tratam das chamadas “Paisagens sonoras”, conceito criado por Raimound Murray Schaffer que as define como sendo a totalidade de sons gerados em um determinado ambiente. Estas paisagens são muito estudadas pelo ramo da bioacústica, que une biologia e acústica, dando inclusive suporte para avaliações de estados de conservação de um ecossistema, pelo aumento ou diminuição de padrões sonoros.
Alguns músicos já experimentaram unir os sons da natureza e a arte. O naturalista e artista francês Hercoles Floresce (1808 – 1879) transcreveu em notas musicais, utilizando apenas sua acuidade auditiva, vozes de diversas espécies de animais brasileiros, desde aves como o jaó, mamíferas como a onça e o macaco bugio, a insetos como cigarras. Atualmente, este processo pode também ser realizado de maneira digital com o auxílio de programas de computação.
A cantora Tetê Espíndola, em parceria com o compositor Arnaldo Black e os pesquisadores Marta Catunda, Dante Buzzetti e o professor Jacques Villard, iniciou em 1991 uma pesquisa sobre o canto de aves da Amazônia. Este trabalho teve início com a captação de áudio de sons das espécies. Do resultado da análise dessas gravações, foi produzido um disco independente intitulado Ouvir/Birds, no qual tanto as vozes como os instrumentos tentam, em alguns momentos, reproduzir os sons de algumas dessas espécies dentro das composições.
Vozes da Reserva é um projeto da Reserva Natural Sesc Bertioga que conta com o acervo da Fonoteca Neotropical Jacques Vielliard (FNJV) da UNICAMP e com o auxílio de softwares de análise de sons para transformar as vozes de vinte animais residentes na Reserva Natural Natural Sesc Bertioga em representações gráficas e partituras musicais, resultando em produtos audiovisuais que chegam às redes sociais do Sesc Bertioga sempre às terças, em comemoração ao mês das aves.
Neles, apresentamos algumas das espécies que “cantam” em nosso palco natural, cenário perfeito para que a música, os animais e tudo ao redor se unam a favor da vida. O projeto evidencia um pouco do universo sonoro dessa floresta em meio ao ambiente urbano e demonstra que a música existe e resiste em todos os lugares, basta estarmos com a alma e os ouvidos preparados para perceber a natureza, suas canções e sinfonias.
Nessa perspectiva, esse projeto surgiu da ação educativa da Reserva Natural Sesc Bertioga, que objetiva reaproximar as pessoas da biodiversidade, da qual somos todos, todas e todes integrantes. Por meio da música, busca-se aguçar a sensibilidade com as notas musicais que reconectam os diversos elementos da natureza. Dessa maneira, reforça-se o potencial educativo de uma floresta urbana que remexe emoções e percepções de quem se propõe a usar seus sentidos atentamente e gerar transformações significativas nos modos de perceber, sentir e agir.
*Marcelo Bokermann é graduado em biologia e graduando em música. Taxidermista e ilustrador científico com foco de ações em ornitologia e educação. Atua há mais de vinte anos no Sesc São Paulo e hoje é agente de educação ambiental do Sesc Bertioga.
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Conheça um pouco das ações de conservação do Sesc na Reserva Natural Sesc Bertioga em sescsp.org.br/reservanatural ou aos vídeos da série ‘Eu vivo aqui’ no Sesc Digital
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E se você gosta de música, não deixe de conhecer a programação do Centro de Música do Sesc São Paulo.
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